Com medo, professores e alunos organizam reação e criam grupos de WhatsApp para se proteger, mas não querem PM na escola
Professores trocam informações sobre episódios suspeitos, e estudantes estão apavorados com a possibilidade da presença da PM nas escolas.
Grupo reivindicou melhores condições de ensino e pediu Justiça — Foto: Claudia Castelo Branco
Rosas brancas e velas simbolizavam paz no ato organizado por alunos e professores em frente à Escola Estadual Thomazia Montoro, Zona Oeste da capital paulista, na terça-feira (28), mas o clima era de consternação.
São em grupos de WhatsApp que os professores da região trocam informações sobre episódios suspeitos nas escolas em que trabalham. “É uma maneira de nos proteger”, disse um deles, que não será identificado, assim como os demais professores, alunos e mães de estudantes desta reportagem, para evitar possíveis retaliações.
Ao g1, outro docente relatou uma ameaça de alunos que estavam sofrendo bullying em uma outra escola da Zona Oeste, mesma diretoria de ensino do Thomazia. “Eles começaram a gritar que matariam todo mundo. Um outro professor viu, pediu providências à direção e questionou publicamente todos no grupo. Nós, como professores, cobramos”, disse. “O que aconteceu aqui [no Thomazia] despertou ainda mais o medo entre nós.”
Esses grupos não são exclusividade dos professores. Alunos da escola atacada mantêm um grupo em que trocam vídeos, imagens, informações e áudios sobre o que chamam de “pesadelo”. O g1 teve acesso ao conteúdo trocado. É ali que estudantes compartilham seus traumas e, sem saber, o fim da inocência.
Eles relataram que estão apavorados com a possibilidade da presença da PM nas escolas, sugerida pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) após o ataque em entrevista ao Blog da Andréia Sadi. Num círculo, um grupo reivindicou melhores condições de ensino. Uma estudante se emocionou ao contar que a professora Elisabete Tenreiro, que morreu no ataque, era uma ótima conselheira: “Muitos conversavam com ela no lugar de conversar dos pais”, lembrou.
Uma líder estudantil foi aplaudida quando sugeriu levar para a escola temas como machismo e homofobia. Estudantes relembraram casos de policiais entrando em escolas e agredindo estudantes. “Aquela violência que a gente sabe que acontece.”
Outro docente que frequentava a escola que sofreu o ataque observava um cartaz com a imagem de Elisabete ilustrado com as frases “Professora Elisabete, presente” e “Chega de violência”. “A educação nunca lançou um olhar crítico sobre o racismo e a construção da nossa identidade”, comentou, ao abordar a herança escravocrata do país.
Alunas mostram mensagens reproduzidas em grupo de WhatsApp — Foto: Claudia Castelo Branco
Entre os pais, o sentimento era de impotência. “Como que ninguém viu isso? Ele falou várias vezes que iria cometer esse ato”, questionou a mãe de Bryan, aluno da escola. O garoto, vestido numa camiseta do clube de futebol inglês Chelsea, não quer voltar para o Thomazia.
Outra mãe, que não pretende transferir a filha de escola, disse que o cenário é “assustador”: “A gente confia na escola como um lugar seguro e acaba acontecendo isso”.
Presentes no ato, a deputa estadual Paula Nunes (PSOL) e o deputado federal Capitão Telhada (PP) conversaram com o g1 em momentos diferentes. O tema: medidas de segurança para evitar que ataques como o de segunda (27) se repitam.
“A PM de forma ostensiva nas escolas nunca foi uma solução. Essas medidas – polícia na escola, detector de metal – demandam um debate muito mais profundo sobre o cenário de precarização de escola pública”, defendeu Paula.
Telhada disse que sua bandeira principal é segurança pública. O capitão da PM defendeu, a curto prazo, medidas como monitoramento, detector de metais e uma presença de policiamento mais ostensiva. Sobre a contratação de novos funcionários para a Educação, concordou que é algo para se analisar. “Até para não ter um estresse exagerado ao professor para lidar no dia a dia”. Telhada também defendeu que haja um suporte psicológico para alunos e professores.
“O que me preocupa são esses sites de ódio” comentou um professor numa referência à exposição de imagens impactantes entre os alunos.
O deputado Capitão Telhada (PP) e a deputada Paula Nunes (PSOL) — Foto: Claudia Castelo Branco
Vigília
Um dia após o ataque, alunos da Thomazia Montoro fizeram uma vigília na porta da unidade na manhã desta terça-feira (28). Professores de outras instituições de ensino e moradores da região também foram até ao local em ato de solidariedade.
A professora Elizabeth Tenreiro, de 71, morta após ser esfaqueada pelo estudante, foi homenageada durante o ato.
Cartaz em homenagem à professora Elizabeth Tenreiro, de 71 anos que morreu em ataque na escola estadual nesta segunda (27) — Foto: Arquivo pessoal
Alunos fazem vigília em escola estadual de SP alvo de ataque que deixou uma professora morta e quatro pessoas feridas — Foto: Arquivo pessoal
Luísa Martins, presidente da Upes-SP (União Paulista dos Estudantes Secundaristas), apontou a necessidade de lutar pelo fim da violência dentro das escolas.
“A gente está muito indignado pelo que aconteceu, principalmente por saber que é algo muito recorrente nas escolas. Não é a primeira vez que a gente vê um caso como esse nas escolas. A gente tem uma campanha que chama Sou da Paz, que é para lutar pelo fim da violência dentro das escolas, que é principalmente para a gente conseguir acabar com o discurso de intolerância e de ódio que é muitas às vezes acaba promovendo muitos desses casos”, relatou.
“O que precisa mesmo é reestruturar, colocar psicólogo nas escolas, dar o suporte que não está sendo dado”, disse a jovem.
Flores brancas, clima de tristeza, pessoas observando da janela, funcionários de uma construção pausam para acompanhar o movimento. Um vizinho acompanhado de dois cães veio prestar solidariedade. “Quando li na imprensa que era integral fiquei surpreso. Não tem estrutura pra ser”, disse Alexandre Gregório, que passa no local todos os dias.
Alunos fazem vigília em escola estadual alvo de ataques — Foto: Claudia Castelo Branco/g1
O ataque
Quatro professoras e um aluno foram esfaqueados na manhã da segunda-feira (27) dentro da sala de aula, na hora da chamada.
Uma das professoras, Elisabete Tenreiro, de 71 anos, teve uma parada cardíaca e morreu no Hospital Universitário da USP.
O agressor, um aluno de 13 anos do oitavo ano na escola, foi desarmado por professoras, apreendido por policiais e levado para o 34° DP, onde o caso foi registrado.
O governo paulista decretou luto de três dias pela morte da professora.
O estudante responsável pelos ataques está no Centro de Integração Inicial da Fundação Casa e passará pela audiência na Vara de Infância e Juventude nesta terça (28).
O corpo Elisabete Tenreiro é velado em cerimônia restrita aos familiares no Cemitério do Araçá, na Zona Oeste da capital.
A educadora se aposentou como técnica do Instituto Adolfo Lutz em 2020, mas continuou dando aulas de ciências.
Era professora desde 2015 e começou a atividade na escola Thomazia Montoro neste ano.
Brigas frequentes, bullying, falta de segurança
A escola faz parte do Programa de Ensino Integral (PEI), projeto do governo do estado de São Paulo, desde 2021 — no governo de João Doria (então no PSDB).
Relatos de pais, alunos e profissionais da educação indicam para déficit de funcionários e precarização do trabalho. Ex-alunos e pais que mencionam episódios de bullying e maus-tratos entre os muros da escola.
Segundo dados do Censo Escolar, conta com 15 professores e aproximadamente 300 alunos matriculados do 6º ao 9º anos do ensino fundamental.
Fonte: G1