Após 2ª madrugada gelada, pessoas em situação de rua de SP relatam que cobertores doados pela prefeitura são finos e não dão conta do frio intenso

Sem-teto ouvidos pelo g1 também criticam postura da Guarda Municipal, que segundo eles tem determinado a retirada de barracas e feito com que população circule e não se aglomere nas ruas do Centro.


Sem-tetos dormindo no Pátio do Colégio na madrugada de quinta-feira (19) — Foto: Deslange Paiva/ g1 SP

Sem-tetos dormindo no Pátio do Colégio na madrugada de quinta-feira (19) — Foto: Deslange Paiva/ g1 SP

Com a segunda madrugada gelada na capital paulista, a população em situação de rua voltou a sofrer com as baixas temperaturas que atingem a cidade de São Paulo nesta semana.

O g1 circulou pelo Centro de São Paulo entre 2h30 e 9h30 desta quinta-feira (19) e ouviu relatos de sem-teto, que dizem que cobertores doados pela prefeitura são finos e não dão conta do frio intenso.

A população de rua também reclama que, desde a operação policial que retirou os dependentes químicos da Praça Princesa Isabel, eles estão sendo ameaçados por agentes da Guarda Civil Municipal (GCM), que, segundo eles, tem tratado todos como dependentes químicos e impedido que famílias fiquem juntas na mesma calçada.

Segundo Ana Maria da Silva, da Pastoral do Povo da Rua, as pessoas em situação de rua têm se espalhado pelas ruas do centro da capital. “A gente vê poucas barracas em pontos em que existiam muitas famílias, isso mostra que não só os dependentes químicos, mas toda a população de rua se espalhou, nós passamos horas durante a madrugada procurando por eles.”

A Praça da Sé, que costuma ter uma grande concentração moradores de rua em barracas, tinha poucas nesta madrugada. Havia algumas pessoas dormindo no chão com cobertores entregues pela prefeitura. Por volta das 3h, alguns moradores acordaram alegando dificuldades para dormir, já que o cobertor seria fino demais para impedir o frio.

Procurada, a Prefeitura de São Paulo informou, por nota, que os cobertores estão “enquadrados na especificação técnica, de acordo com as normas do Governo do Estado, por meio do Cadastro de Serviços Terceirizados (CadTerc) do Estado de São Paulo, constante no Grupo 72, Classe 7210 do CadTerc e na Bolsa Eletrônica de Compras (BEC-SP), tal como o item 6048153”.

Ainda segundo a nota, a oferta de cobertores é diária e cada pessoa pode pegar duas unidades (leia a íntegra abaixo).

Os cobertores também eram uma preocupação na estação do Metrô Pedro II, que pela segunda noite recebeu pessoas em situação de rua em um centro de acolhimento provisório. As voluntárias que atendiam os sem-teto temiam que a quantidade de cobertores disponíveis não atendesse a demanda.https://2a75a47e0062992bc0920c32c9bd151c.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Pessoas dormindo no abrigo improvisado da estação Pedro II — Foto: Deslange Paiva/ g1

Pessoas dormindo no abrigo improvisado da estação Pedro II — Foto: Deslange Paiva/ g1

O abrigo improvisado com capacidade para receber 74 pessoas, recebeu cerca de 60 nesta madrugada, segundo voluntárias. Enquanto o g1 esteve no local, um morador de rua pediu um outro cobertor para os voluntários, pois o que teria sido entregue para ele era muito fino.

“Ontem tinha menos pessoas, hoje atendemos pelo menos umas 60. Algumas também foram para a Catedral da Sé, parece que lá tem espaço para mais colchões. Aqui acaba vindo muito pessoas que têm um emprego, passam a noite aqui e vão direto para o trabalho”, informou uma voluntária.

Este é o caso do Rafael Silva Santos, que não conseguiu sacar dinheiro para pagar um albergue durante a madrugada e teve que dormir na estação.https://2a75a47e0062992bc0920c32c9bd151c.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Eu trabalho, ontem eu não consegui pagar uma pousada e vim pernoitar por aqui por causa do frio, então é melhor do que ficar na rua. Eu sou da Baixada Santista. Abrigo é bem ruim de passar a noite porque você tem que ligar muito cedo para confirmar se tem vaga e nem sempre eu consigo por conta do trabalho, aí ontem me falaram aqui do Pedro II e eu vim para dormir”, afirmou.

“Já peguei uns dias bem ruins de frio, muita gente acaba morrendo, dá um medo, então eu vim para cá porque é melhor do que ficar na rua, além dos perigos”, completou.

Escadaria da Catedral da Sé, no Centro de SP. — Foto: Deslange Paiva/ g1

Escadaria da Catedral da Sé, no Centro de SP. — Foto: Deslange Paiva/ g1

Recusa por abrigos

Mesmo com os termômetros marcando cerca de 8ºC durante a madrugada, algumas pessoas em situação de rua se recusam a ir para os abrigos da prefeitura.

“Eu nem procuro pelos abrigos, precisa ter horário para tudo, toda hora chega gente, é impossível dormir. Eu ainda não sei como funciona morar na rua, depois de ter vindo para cá fiquei meio perdido, não sei horário, não tenho noção de tempo, mas é melhor ficar na calçada do que em um lugar onde controlam tudo”, afirma o Elias, de 44 anos.

Ele está morando no Centro da cidade há cerca de 2 meses. Elias foi afastado do trabalho por conta de um problema de saúde e não recebeu o benefício do INSS. Sem condições de pagar aluguel, ele acabou indo para as ruas.

“Me sinto um inútil, tenho até que pedir por comida, aqui me sinto como lixo, um lixo que foi jogado na rua. Eu não estou existindo para a sociedade, virei um número que ocupa um espaço. Só”, afirma.

Adriano Pereira, de 54 anos, também prefere dormir na calçada. Ele chegou a São Paulo há cerca de uma semana. “Estou me acostumando com o frio, sou de Campinas e, por conta de um problema familiar, tive que sair de casa. Abrigo é muito pior que a rua, eu fui uma única vez e tive que queimar todas as minhas roupas porque pegou bicho, percevejo, perdi tudo.”

Pessoas espalhadas

Senhora dormindo em frente a uma padaria no Centro de SP. — Foto: Deslange Paiva/ g1

Senhora dormindo em frente a uma padaria no Centro de SP. — Foto: Deslange Paiva/ g1

A Pastoral do Povo da Rua afirmou enfrentar dificuldades para encontrar as famílias que ficavam próximas à Catedral da Sé, após as ações policiais para dispersar a Cracolândia.

“O problema é que na Cracolândia não tinha só dependente químicos, tínhamos também inúmeras famílias morando na Praça Princesa Isabel, por exemplo, a nossa preocupação é saber para onde foram essas pessoas, o número da população de rua não diminuiu, muito pelo contrário, mas as pessoas não somem do nada. Antes nós sabíamos todos os pontos que eles ficavam, mas agora rodamos a noite inteira na van para servir sopa e entregar cobertores e enfrentamos dificuldades para encontrar essas pessoas”, afirma Ana Maria da Silva.

Ana Maria informou que moradores de rua chegam reclamando na pastoral, que agentes da GCM estão impedindo que eles durmam em praças da região, causando ainda mais a dispersão da população de rua. “Tem gente que chega aqui falando que é acordada [pelos agentes] e só mandam eles circularem.”

O que diz a prefeitura

“A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) informa que os cobertores de emergência – distribuídos gratuitamente – e de acolhimento são adquiridos por meio de Atas de Registro de Preços, fruto de processo licitatório e com a obrigatoriedade de serem adquiridos pelo menor preço, conforme previsto na Lei Federal nº 8.666/93.

Os cobertores estão enquadrados na especificação técnica, de acordo com as normas do Governo do Estado, por meio do Cadastro de Serviços Terceirizados (CadTerc) do Estado de São Paulo, constante no Grupo 72, Classe 7210 do CadTerc e na Bolsa Eletrônica de Compras (BEC-SP), tal como o item 6048153.

Eles não precisam ser lavados, uma vez que a oferta é diária. Cada pessoa pode adquirir dois cobertores diariamente.

Desde a madrugada do dia 05 de maio, quando teve início a Operação Baixas Temperaturas, foram distribuídos 2.846 cobertores.

A Secretaria Municipal de Segurança Urbana informa que a Guarda Civil Metropolitana segue as diretrizes das políticas municipais de segurança, em conformidade com a legislação vigente e seus agentes recebem treinamento para uma atuação humanizada e com respeito aos Direitos Humanos.

A GCM apoia as ações dos agentes municipais das Subprefeituras, Secretarias da Saúde, Assistência e Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, bem como nas ações de zeladoria urbana em toda a cidade.

Na noite de quarta-feira (18), a GCM prestou apoio à Operação Baixas Temperaturas, com a entrega de cento e dez cobertores às pessoas em situação de vulnerabilidade, em toda a cidade de São Paulo.

A SMSU não compactua com irregularidades e toda denúncia é rigorosamente apurada. A corregedoria da Guarda está à disposição para formalizar qualquer eventual denúncia de desvio de conduta para que haja a devida apuração.”

Fonte: G1

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