Governo de SP contabiliza menos casos novos de Covid-19 em todo o estado do que prefeitura registra apenas na capital paulista
Entre os dias 1 e 6 de janeiro, capital teve 10.163 casos notificados. Dados do governo para todo estado, no entanto, contabilizam apenas 8,3 mil casos no mesmo período. Comparação foi feita pelo g1 usando a mesma base de dados. Especialistas cobram esclarecimentos sobre divergência. Governo não admite falhas na extração.
Fila para teste de Covid-19 em São Paulo, no bairro de Pinheiros, Zona Oeste da capital. — Foto: HUMBERTO DE FRANÇA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
A Prefeitura de São Paulo contabilizou nos seis primeiros dias de janeiro mais casos de Covid-19 do que os divulgados pela secretaria da Saúde para todo o estado de São Paulo no mesmo período. A discrepância indica que as informações para acompanhamento da pandemia ainda estão prejudicadas pelo apagão nos sistemas do Ministério da Saúde, porque os dados do estado deveriam superar os registrados apenas na capital.
A comparação foi feita pelo g1 utilizando dados dos sistemas Sivep-Gripe e e-SUS Notifica, de acordo com a extração disponibilizada nos sites oficiais da Secretaria Municipal de Saúde da capital e da Secretaria Estadual de Saúde do estado. https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Entre os dias 1 e 6 de janeiro, o município de São Paulo notificou 10.163 casos com confirmação laboratorial para Covid-19. Já o governo do estado de São Paulo teve 8.374 casos notificados, em todo o estado, no mesmo período, segundo tabela da secretaria da Saúde, que utiliza os mesmos sistemas que a prefeitura da capital utiliza. A discrepância dos números continuou nos dias subsequentes, e os dados só não foram analisados porque foram disponibilizados na noite do dia 10.
Pesquisadores afirmam que as autoridades precisam esclarecer a razão de a capital ter mais registros do que o estado, uma vez que os números são registrados nas mesmas plataformas (entenda abaixo como funciona a notificação).
Em nota, o governo do estado não admitiu falhas na extração, e afirmou que cabe às prefeituras inserir os dados corretamente. Já a Prefeitura de São Paulo defendeu, em nota, que os números extraídos pela capital estão corretos, e que não teve problemas para inserir e baixar os registros (leia abaixo).
Tanto o balanço da prefeitura quanto o do estado eliminam notificações duplicadas entre os sistemas, ou seja, casos que foram registrados nas duas ferramentas do Ministério da Saúde. https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
De acordo com o pesquisador Marcelo Gomes, coordenador do programa Infogripe na Fiocruz, a divergência dá indícios de que os números reais da pandemia ainda não estão sendo divulgados corretamente. O problema pode ocorrer por falhas na extração decorrentes de erros no sistema do Ministério da Saúde.
Depois de 26 dias, Fiocruz ainda não tem acesso a dados para o InfroGripe
Entenda como é feita a notificação
Os casos e mortes por Covid-19 são contabilizados no Brasil por meio de dois sistemas oficiais geridos pelo Ministério da Saúde: o Sivep-Gripe e o e-SUS Notifica.
- e-SUS Notifica: contabiliza os casos considerados leves. Ou seja, casos classificados como Síndrome Gripal (SG) – em que a pessoa apresenta sintomas respiratórios, mas não há a necessidade de internação.
- Sivep-Gripe: contabiliza os casos considerados graves. Ou seja, os classificados como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), que necessitam de internação.
Até que os dados sejam divulgados nos boletins oficiais, eles seguem o seguinte caminho:
- Após o atendimento do paciente, os profissionais de saúde preenchem uma ficha com as informações sobre o caso;
- Os dados das fichas são inseridos no computador – pelo próprio profissional de saúde ou pelas secretarias municipais – nos sistemas e-SUS Notifica ou Sivep-Gripe;
- A notificação nos sistemas podem ser inseridas com alguns dias de atraso;
- As secretarias estaduais acessam, por meio de uma plataforma de gestor, os sistemas do Ministério da Saúde, e extraem os dados referentes às suas cidades;
- Na sequência, alguns estados divulgam as informações em formato de boletim; outros disponibilizam também os dados brutos, como no caso de São Paulo;
- Algumas prefeituras, como a da capital paulista, também fazem extração própria dos dados referentes às suas cidades;
- O Ministério da Saúde faz a extração dos dados de todo o país, e divulga o boletim nacional;
- Pesquisadores utilizam os dados brutos, extraídos pelo Ministério da Saúde, para fazer análises próprias sobre o avanço da pandemia. No entanto, eles não têm acesso direto ao sistema de gestor;
Especialistas cobram explicação
Pesquisadores que acompanham os dados da pandemia no Brasil afirmaram que a divergência entre os dados da capital paulista e do estado é preocupante e deve ser esclarecida pelos órgãos. https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Para Marcelo Gomes, coordenador do programa Infogripe na Fiocruz, a diferença entre os balanços pode ter relação com a falha do Ministério da Saúde, que já relatou dificuldades na extração de dados dos dois sistemas (Sivep e E-SUS) que registram os casos de Covid no país.
“Essa diferença entre os dois balanços é compatível, em certa medida, com o que o Ministério da Saúde está comunicando, de que ainda há correções a serem feitas na ferramenta de extração do banco de dados. Como isso impacta a extração do estado nós não sabemos, porque não sabemos quais são as ferramentas de extração usadas pela prefeitura ou pelo estado”, disse Gomes.
Apesar disso, ele afirmou que os governos – federal, estadual e municipal – precisam ser transparentes em relação aos dados que são divulgados, e comunicar a população quando os números oficiais são afetados por falhas, ainda que elas não sejam sua responsabilidade.
“É preciso um posicionamento claro sobre o porquê ainda temos essa diferença [entre dados extraídos pela capital e pelo estado]. Infelizmente o dado que está sendo disponibilizado contrasta com as colocações dos governos a respeito dos sistemas, de que eles estão normalizados. Tem uma incompatibilidade entre as duas coisas”, completou. https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Apagão de dados do Ministério da Saúde completa um mês
O pesquisador Paulo Inácio Prado, do Observatório Covid-19 BR e do Instituto de Biologia (IB), que também analisa os dados da prefeitura e do estado, declarou que a diferença entre os números é “um mistério” e precisa ser esclarecida.
Para ele, um indício de que os dados do governo do estado de São Paulo podem estar abaixo dos números reais é o fato de o número de casos registrados oficialmente nas últimas semanas não ter acompanhado o aumento no número de internações.
“Estamos em um voo cego, e isso é gravíssimo”, disse Prado.
Realização de testes rápidos para detecção de Covid-19 nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) na cidade de São Paulo. Na foto, pessoa faz teste rápido em UBS da zona sul da capital — Foto: ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Para o integrante do Observatório Covid-BR, São Paulo pode estar vivendo uma explosão de casos leves em meio à propagação da variante ômicron, embora os dados estaduais ainda não reflitam essa situação. Apesar disso, a prefeitura da capital paulista já projeta este cenário: em estudo divulgado no último dia 6, a gestão municipal estimou que os casos leves de Covid na cidade já são recorde desde o início da pandemia.
“Um outro problema é que a ômicron, aparentemente, tende a ter menos casos graves, então pode ser que tenhamos muitos e muitos casos leves e a gente não está nem sabendo, porque a gente não tem o dado correto do caso leve, que depende de testagem”, disse Paulo Inácio Prado.
Ele criticou ainda a política de testagem de São Paulo.
“Além de não ter a normalização das bases, é lamentável a gente ter uma política de testagem tão pobre no estado mais rico do Brasil. Aqui, a testagem deveria estar na mesma casa da que é praticada em países europeus”, completou.
Apagão de dados
No dia 10 de dezembro, o Ministério da Saúde afirmou que diversos sistemas do SUS foram invadidos em um ataque hacker. A plataforma em que os usuários podem acessar comprovantes de vacinação ficou fora do ar. Além das informações sobre vacinas, os sistemas de notificação de casos por Covid também ficaram comprometidos. https://1e252cc0ec6a863785283602e4d21793.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Nos dias seguintes, houve problemas nas duas pontas: tanto os profissionais de saúde não conseguiam inserir as informações de novos pacientes nos sistemas, quanto não era possível, para as secretarias estaduais, extrair os dados referentes às suas cidades para a divulgação de boletins.
Mesmo quando os sistemas voltaram a funcionar, a constante instabilidade impediu que o problema fosse totalmente solucionado. Boletins voltaram a ser divulgados, mas com dados parciais, que não refletem a realidade.
Teste de Covid em Unidade Básica de Saúde (UBS) na Zona Sul de São Paulo. — Foto: ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
O apagão começou justamente quando a variante ômicron do coronavírus passou a se disseminar com mais força ao país, também às vésperas das festas de final de ano, em que as reuniões entre pessoas aumentou. Um mês depois, ainda não é possível medir com exatidão a evolução da pandemia. https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Outros indicadores, como aumentos de internações, maior procura por testes de Covid e lotação em prontos socorros de pessoas com sintomas gripais apontam para uma explosão de casos da doença, mas especialistas insistem que é extremante grave não contar com o restante dos dados para ajudar na elaboração de políticas públicas.
O que dizem os órgão públicos
Na última terça-feira (4), a Secretaria Estadual de Saúde afirmou ao g1 que já havia normalizado a extração dos dados nos sistemas do Ministério da Saúde. Em nota, a pasta disse que a instabilidade nos sistemas do governo federal prejudicou a extração durante o período de 9 a 31 de dezembro.
O governo estadual não esclareceu, no entanto, por que os dados represados nesse período ainda não apareciam nos boletins divulgados a partir de 1º de janeiro.
Em nota enviada ao g1 na sexta-feira (7), o Ministério da Saúde chegou a afirmar que as plataformas e-SUS Notifica, SI-PNI e Conecte SUS haviam sido “reestabelecidas há duas semanas, possibilitando a inclusão de dados por estados e municípios”, mas que os gestores locais não haviam inseridos todas as informações.
No entanto, uma semana antes, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, admitiu que os dados ainda não estavam normalizados, e que expectativa era a de que a extração fosse completamente retomado até o dia 15 de janeiro. https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Ficha usada pelos profissionais de saúde para preencher dados de pacientes internados com Covid-19 — Foto: Arte/G1
Após afirmar que os números estavam normalizados, a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo mudou sua versão, e disse na sexta (7) que “não havia sido possível fazer extrações dos sistemas federais onde são notificados os casos e óbitos de Covid-19 devido à instabilidade, impactando na publicação das estatísticas atualizadas. As falhas persistiram desde a primeira quinzena de dezembro, inviabilizando o acesso de gestores, imprensa e população às estatísticas.”
Pelo telefone, a Prefeitura de São Paulo disse à reportagem, também na sexta-feira, que todos os dados referentes a dezembro já haviam sido lançados nos sistemas, e que a inserção pelos profissionais de saúde estava normalizada. https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Nesta segunda-feira (10), o Ministério da Saúde enviou novo comunicado afirmando que a integração dos sistemas com a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) só foi reestabelecida na sexta-feira (7), “possibilitando a recepção de novos dados.”
Sobre a discrepância entre os dados do estado e da capital, a Secretaria Estadual de Saúde afirmou na segunda-feira (10) que “atua com transparência com relação às estatísticas”, e não admitiu falhas na extração.
“A Prefeitura é responsável pelas notificações de casos e óbitos nos sistemas federais e o Estado apenas extrai desse sistema, filtrando os dados e evitando duplicidade entre os municípios, por exemplo. Toda notificação passa por investigação das equipes”, disse em nota.
“É fundamental que os gestores no âmbito municipal atualizem e abasteçam corretamente os sistemas, contribuindo para o monitoramento de todas as esferas de governo.”
A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), afirmou nesta terça-feira (11) que “checou novamente a extração e notificação dos dados de Covid-19 na capital e todos os números estão corretos”.
“É válido destacar que a capital considera, nos casos confirmados para Covid-19, todos os diagnósticos: laboratorial, clínico-epidemiológico, clínico e clínico-imagem. A SMS acrescenta que, em 5 de janeiro, as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) da capital iniciaram a testagem contra Covid-19 já no momento da triagem. Desta data, até o momento, foram realizados 106.632 testes rápidos contra Covid-19, com 37.314 testes positivos.”
Fonte: G1