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A menina que trabalha com a morte

Influencer que trabalha com os mortos explica como é preparar cadáveres para o velório

“A menina que trabalha com a morte” é o bordão de Ego, nome artístico de Carina Mattei, uma jovem de 22 anos de cabelos pretos, pele pálida, com tatuagens, um sorriso aberto e olhos que brilham quando fala da tanatopraxia, sua profissão: a preparação de corpos humanos para o sepultamento.

Cérebro costurado dentro da barriga, troca de sangue do corpo por produtos químicos, deixar um cadáver com uma expressão pacífica… Esses são alguns procedimentos que fazem parte do seu dia a dia. Ela é a última profissional a ter contato com o corpo antes da despedida da família, no velório.

Ego produz conteúdo nas redes sociais tirando dúvidas e falando abertamente sobre a morte e as características que ela impõe ao corpo de um ser antes vivo. Particularidades desagradáveis para quem estava acostumado a ver a pessoa viva. E é neste ponto que o trabalho dela entra: fazer com que esses aspectos não estejam tão aparentes na hora do último adeus.

“Essa profissão salva memórias. Eu quero fazer isso”, contou Ego ao g1 sobre como decidiu que lidaria com a morte profissionalmente.

Carina Mattei, conhecida como Ego nas redes sociais, no Cemitério da Consolação, na região central de São Paulo — Foto: Fábio Tito/ g1

Carina Mattei, conhecida como Ego nas redes sociais, no Cemitério da Consolação, na região central de São Paulo — Foto: Fábio Tito/ g1

TikTok

A influencer diz que sempre gostou de gravar vídeos da sua realidade, mesmo antes de ter um número grande de seguidores e de fazer maquiagens artísticas.

Quando começou a trabalhar com corpos humanos e estudar a área, passou a publicar conteúdos sobre o tema. O assunto gerou muita curiosidade e hoje ela tem quase 300 mil seguidores no TikTok.

Conheça influenciadores que trabalham com a morte

Os vídeos da influenciadora abordam curiosidades sobre a área e a morte, como:

  • “Evisceram [retirada das vísceras] todas as pessoas para o velório?”
  • “é verdade que, se conversar com uma pessoa que teve uma morte horrível, a feição do finado muda?”
  • “unhas e cabelos de mortos continuam crescendo?”
  • “quando o corpo está muito inchado, consegue fazer voltar ao normal?”

Ela explica, por exemplo, por que, durante o preparo, retira o cérebro do crânio e o transfere para a barriga. Segundo ela, o cérebro é um dos primeiros órgãos a se liquefazer, ou seja, passar para o estado líquido, depois da morte.

Quando um corpo passa por necropsia, partes do cérebro podem escorrer pelos orifícios faciais. Para evitar isso, a profissional o retira do crânio, com ferramentas apropriadas, e o coloca na barriga. Nas clínicas, o profissional da tanatopraxia costuma ter o trabalho acompanhado por um médico.

Cada organismo reage de uma forma à técnica de tanatopraxia e há casos de a preservação durar mais do que as 72 horas médias, como o caso citado por Ego de um corpo encontrado em um estado de conservação surpreendente na data da exumação, quando os ossos deveriam ser retirados do caixão.

“A gente sabe que a família toca [o corpo do morto]. A gente sabe que a família se despede, então é importante [passar pela tanatopraxia]. E no processo normal, sem a tanatopraxia, seria feita a higienização por fora, mas não por dentro”, explicou Ego.

Em outro vídeo, Ego explica que a tanatopraxia não consegue reverter o processo natural de putrefação de um corpo. Segunda ela, o procedimento pode disfarçar alguns sinais, como diminuir inchaço, mas, se o cadáver já estiver em um estágio muito avançado de decomposição, o caixão será provavelmente fechado, de forma a não permitir a visualização.

Conteúdo fúnebre viraliza e ganha seguidores nas redes sociais; conheça os influenciadores que trabalham com a morte

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Saiba mais

Formação

A palavra “tanato” deriva do grego “Thanathos”, que significa morte. E “praxia” deriva de “prática”, ou seja, a prática da morte, ou de quando se dá a morte. É uma profissão que lida com o emocional das pessoas e influencia lembranças que vão durar anos.

Ego conta que estudou ciências mortuárias, uma área com diversos cursos livres e de curta duração destinados ao manejo e entendimento da morte, como necropsia, tanatopraxia, agente funerário, reconstrução do corpo, necromaquiagem, entre outros.

O primeiro contato dela com a profissão foi no velório do pai. Ego estava triste, mas no momento em que viu a expressão pacífica dele, disse que, mesmo sem ser religiosa, acreditou que ele tinha ido para um lugar de paz.

“Quando cheguei ao velório dele, senti paz. Foi muito louco, porque eu estava em choque, em pânico e chorava muito. E quando cheguei ao velório, que seria um momento de chorar, eu senti paz, senti tranquilidade. Eu o via ali, mas ele estava com um semblante sereno e, ao mesmo tempo, eu tocava nele assim, curiosa, tocava porque é meu pai e, embora fosse ele, eu não o sentia ali”, contou.

Anos mais tarde, Ego ouviu a palavra “necropsia” e começou a pesquisar sobre a área. No entanto, por mais digna que seja a profissão, o que ela exige é a morte, e ainda há muito tabu em torno do tema, além de preconceitos com os profissionais do setor.

“Eu me recuso a tocar em uma pessoa que trabalha no necrotério”, “ela fala com tanta felicidade”, “ela ainda tem a coragem de usar rosa para parecer inocente”, “eu acho superlegal essa área, mas sei lá, parece que a pessoa fica suja”. Esses são alguns dos comentários deixados nos vídeos de Ego.

Ego, Carina Mattei — Foto: Fábio Tito/ g1

Ego, Carina Mattei — Foto: Fábio Tito/ g1

“As pessoas não querem ouvir sobre a morte, as pessoas não querem esse assunto. Muita gente às vezes comenta: “Por que apareceu esse vídeo para mim? Eu não quero ouvir sobre morte’”, comentou. “Mas trabalhando com a morte aprendemos sobre a vida.”

Ego afirma amar o que faz e por isso continua trabalhando em uma área que tem desafios, como o salário, a falta de regulamentação da profissão e o preconceito.

“Eu enfrento muitas coisas, sim, na internet. Mas tudo foi estudado e é uma profissão que eu tenho muito amor, muito respeito”, afirmou.

Carina Mattei, conhecida como Ego, faz a preparação de cadáveres para o velório — Foto: Fábio Tito/ g1

Carina Mattei, conhecida como Ego, faz a preparação de cadáveres para o velório — Foto: Fábio Tito/ g1

Mais detalhes sobre a tanatopraxia

O que é?

  • Preparação de cadáveres para o velório. Consiste na higienização do corpo de dentro para fora, trocando fluidos, como o sangue, por fluido arterial, que contém formaldeído (o formol), a partir da anatomia do próprio organismo;
  • Por fora, o profissional melhora a estética do cadáver, por meio de necromaquiagem e, se necessário, reconstrução;
  • A técnica, no entanto, não é uma preservação a longo prazo, como a mumificação. Ela dura cerca de 72 horas;
  • O procedimento não reverte nada que já tenha acontecido com o corpo. Assim, se ele já entrou em estágio de decomposição, o processo será apenas adiado.

Como surgiu?

  • Segundo Cristiane Rocha, professora de tanatopraxia e necromaquiagem na Associação Nacional de Necrópsia (Ananec), a tanatopraxia foi popularizada na época da Guerra Civil norte-americana, em meados do século XIX;
  • O surgimento desta técnica está relacionado aos corpos de soldados, mortos durante a guerra, que eram arrastados e ficavam desfigurados. Para amenizar o sofrimento da família, os soldados recebiam o cuidado para parecer mais saudáveis;
  • Os primeiros países a aderir à técnica foram os europeus, como França e Itália.
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Saiba mais

A tanatopraxia no Brasil

  • No Brasil, a tanatopraxia ganhou destaque a partir de 1990, em Minas Gerais, que foi um dos primeiros estados a realizar o serviço;
  • A área é incipiente no país, e muito do que é praticado no mercado é ensinado de profissional para profissional, nos casos em que as pessoas optam por não fazer curso, já que não é uma profissão regulamentada e não exige diploma ou certificado;
  • O profissional de tanato trabalha em clínicas de tanatopraxia e recebe os corpos de funerárias;
  • O procedimento não é obrigatório.

A profissão

  • Quanto ganha o profissional de tanatopraxia? Em média, de R$ 1.500 a R$ 2.500, com possibilidade de comissão.
  • Quanto custa o procedimento de tanatopraxia? O serviço pago à parte, fora dos planos funerários, custa a partir de R$ 750 e vai até R$ 2.500, dependendo da clínica. Dentro do plano, varia de acordo com cada funerária, mas o preço fica em torno de R$ 1.000 a R$ 2.500.
  • Onde trabalhar como profissional de tanatopraxia? É possível trabalhar em clínicas de tanatopraxia, onde há também um médico para acompanhar o trabalho. O governo do estado de São Paulo não oferece o procedimento, então não é possível trabalhar em órgãos públicos para exercer a função.

Regulamentação da profissão

  • A tanatopraxia está em processo de regulamentação desde 2022, no Senado. A proposta é que a área e o técnico em tanatopraxia sejam reconhecidos como profissão e profissionais e sejam diferenciados do agente funerário;
  • A necessidade da regulamentação da profissão é justificada pelo aumento da demanda e do crescimento da indústria funerária, assim como por aspectos ambientais e de saúde pública, já que os profissionais manipulam materiais químicos e biológicos, que podem provocar efeitos adversos;
  • O projeto é da senadora Soraya Thronicke (União/MS), e a proposição está aberta para consulta pública neste link.
Carina Mattei — Foto: Fábio Tito/ g1

Carina Mattei — Foto: Fábio Tito/ g1

Fonte: G1

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