‘Bean bag’: como funciona e por que é usada a munição que matou torcedor do São Paulo
Rafael Garcia, de 32 anos, morreu após a final da Copa do Brasil no domingo (25), no Estádio do Morumbi. Especialista diz que ‘análise técnica não recomenda’ o uso dessas munições.
Fantástico explica o que é a bean bag, a munição que matou um torcedor do São Paulo
Neste sábado (30), foi realizado um protesto e uma homenagem a um são paulino fanático. Rafael Garcia, de 32 anos, morreu após a final da Copa do Brasil no domingo (25), no Estádio do Morumbi, Zona Sul de São Paulo. Ele tinha deficiência auditiva e integrava a ala inclusiva “Surdos e Mudos tricolores” da torcida organizada Independente Tricolor.
Ele costumava ir a todos os jogos do time. “Tanto faz se era aqui, como fora, ele estava junto. Ele era tão fanático que eu acho que roupa normal ele quase não tinha. Mas roupa do São Paulo ele tinha muito”, diz Vilma Garcia, mãe de Rafael.
Segundo ela, o filho nunca se envolveu em brigas de torcida. “Ele não era de briga. Ele morria de medo de briga. Ele não era menino de briga. Nunca foi.”
Rafael era surdo desde o nascimento, e deixa um filho de 8 anos. A mãe dele recebeu o Fantástico com uma das camisas que o filho mais usava. Ela também estava com o boné que ele usava quando morreu, com um detalhe. “É o furo da bala”, ela explica.
No domingo passado, Rafael esteve do Morumbi, mas não entrou no estádio e não viu de perto o time do coração ganhar a Copa do Brasil. Depois do jogo, houve um confronto entre são paulinos e policiais militares. Ele chegou a gravar um vídeo, no momento do confronto. Rafael foi atingido por trás, na cabeça.
“Ele foi atingido por uma munição conhecida como bean bag. É um laudo preliminar, mas que provavelmente foi isso que o atingiu e que causou um traumatismo crânio encefálico”, disse Ivalda Aleixo, diretora do DepartamentoEstadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa( DHPP) .
“Bean bag” é o nome de uma munição usada normalmente em espingardas calibre 12. Vídeos na internet mostram que a munição vem dentro de um cartucho. Quando há o disparo, o cartucho se abre e saem de dentro dele um saco de tecido sintético. E objetos de borracha, parecidos com moedas.
Na internet, há demonstrações do impacto em diferentes partes do corpo e em diferentes materiais.
“As bean bags, que significam sacos de feijão…. uma comparação porque é um saquinho que tem esferas de chumbo dentro. Esse saquinho, às vezes, se rompe. E essas esferas de chumbo penetram dentro do organismo”, explica o especialista Ricardo Balesteri, que já foi secretário nacional de segurança pública.
Em 2021, a Polícia Militar de São Paulo fechou contrato com uma empresa para a compra de 20 mil munições desse tipo. O preço foi de 113.600 dólares (R$ 620 mil, no valor da época).
Em maio deste ano, a Polícia Militar anunciou que já estava usando as novas munições e que “substituirá gradativamente os elastômeros, que são as balas de borracha”, pelas “bean bags”.
Entre as vantagens, a instituição citou “mais precisão” e “redução do risco de ferimentos graves ou letais”. Disse ainda que “os PMs que fazem seu uso são devidamente habilitados e treinados”.
Mas essa munição é realmente menos perigosa e a mais indicada para conter multidões? Ricardo Balestreri afirma: “Eu acredito que é equívoco avançar na direção das bean bags. As balas de borrachas são utilizadas amplamente em todo o planeta. Elas têm um certo volume de danos críticos. Mas se você comparar com as bean bags, que são pouco utilizadas, nos últimos 16 anos, já causaram um volume menor de danos críticos, nós temos aí seguramente mais de uma dezena de casos públicos reportados, ou de mortes ou de ferimentos extremamente graves causados pelas bean bags. Uma análise técnica não recomenda o avanço nessa direção.”
O grupo que vendeu a “bean bag” para a PM paulista diz que a munição é assim: com pontas que estabilizam a trajetória na hora do disparo, o que a torna “altamente precisa, independentemente das condições de calor ou frio”.
Os vendedores passaram uma série de recomendações. Por exemplo, o atirador deve estar a uma distância determinada do alvo: entre 6 metros e 10 centímetros, e 15 metros e 24 centímetros. Essa distância mínima, segundo os vendedores, “minimiza lesões graves ou risco à vida”. Outra recomendação: a munição deve atingir nádegas, coxas ou joelhos.
“Ele não pode atirar na cabeça, não pode atirar no genitais, não pode atirar na nuca, não pode atirar na região dos olhos”, diz Balestreri. “Ele tem que atirar necessariamente nas pernas porque o objetivo é a contenção do avanço. Então não tem outro órgão além das pernas para conter avanços”, completa.
A Secretaria de Segurança Pública informou que, no domingo passado, no Morumbi, PMs usaram bean bags e balas de borracha. Mas a delegada responsável pelo caso disse que ainda não é possível afirmar se o disparo que matou o torcedor partiu da arma de algum policial.
Agora, a investigação aguarda o resultado do laudo necroscópico para definir exatamente a causa da morte de Rafael Garcia. Videos feitos por torcedores no domingo passado estão sendo analisados para que fiquem em ordem cronológica. O objetivo é identificar de onde partiu o disparo e de qual distância. A mãe de Rafael deve ser ouvida na segunda-feira (2).
“Como que essa bala não mata? Por que é que meu filho está morto? Essa explicação, eu vou querer”, diz Vilma.
Rafael morava sozinho em uma em casa, em Itapevi, na Grande São Paulo. Além do São Paulo e do filho, tinha uma outra paixão: o cão Perigoso. “Quando eu cheguei aqui, eu vi esse cachorro no desespero. Esperando o dono chegar. Ele cuidava mais desse cachorro do que dele mesmo”, diz Vilma.
Ao ser perguntada pelo Fantástico quem ela responsabiliza pela morte do filho, ela é direta. “Tudo indica que foi a polícia. A pessoa que estava usando isso estava despreparada. Então, vamos tomar providência disso para não colocar mais pessoas despreparadas. Ou proibir. O mínimo para não ter outra mãe sangrando igual eu estou.”
Dez dias antes da morte de Rafael, aconteceu outro caso fatal, na Austrália. Policiais usaram a bean bag em uma mulher de 47 anos. Ela teria ameaçado os agentes com um machado.
A munição perfurou o peito, atingiu o coração e a mulher morreu. A polícia local suspendeu o uso da bean bag. Na PM de São Paulo, a nova munição não foi descartada. Pelo menos, por enquanto.
“A suspensão do uso não vai ocorrer. Primeiro, eu tenho que saber o que foi que aconteceu para saber se nós vamos alterar alguma coisa ou não. Mas nesse primeiro momento não há nenhum problema no protocolo de utilização”, diz Daniela Pollete, porta-voz da PM.
Em nota ao Fantástico, a Secretaria de Segurança Pública informou que “todas as circunstâncias relativas à morte de Rafael Garcia são rigorosamente investigadas” e “se identificada qualquer irregularidade, os envolvidos serão responsabilizados”.
A secretaria disse ainda que “não houve compras de bean bags de outras empresas até o momento”, e confirmou que “o limite de distância para o disparo é de, no mínimo, 6 metros e 10 centímetros, respeitando a existência de obstáculos ou pessoas que possam ser atingidas”.
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Fonte: G1