Escola em SP alvo de ataque a faca está sem psicólogos 5 meses após atentado; governo prometeu apoio
Rita de Cássia, uma das professoras atacadas na Thomazia Montoro, não conseguiu voltar às aulas. Ana Célia, também alvo, disse que o governo deu apoio só nos primeiros dias: ‘Estamos jogadas às traças’. Ainda segundo as professoras, eles precisam cumprir os dias de recesso que tiveram após o atentado. Secretaria da Educação diz que processo de contratação dos psicólogos foi concluído em agosto.
Escola em SP alvo de ataque a faca está sem psicólogos 5 meses após atentado; governo prometeu apoi
Quase 5 meses após o atentado a faca na Escola Estadual Thomazia Montoro, na Zona Oeste de São Paulo, não há psicólogos disponíveis para o atendimento de professores e alunos na unidade escolar, mesmo após promessa do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Uma professora foi morta e outras quatro pessoas ficaram feridas.
O g1 conversou com duas das professoras que foram vítimas do ataque. Segundo elas:
- A escola só recebeu visitas de um grupo de estudos em psicologia da Universidade de São Paulo (USP);
- Corpo docente e discente foram orientados a procurar atendimento psicológico no Sistema Único de Saúde (SUS);
- A comunidade escolar está “pagando” pelos dias de recesso pós-ataque com reposições de aulas em período de férias;
- As docentes afirmam também que o programa Conviva, do governo, não funciona na unidade escolar (leia mais abaixo).
Escola Thomazia Montoro em agosto de 2023 — Foto: Gustavo Honório/g1
“A maioria das pessoas da escola não tem atendimento psicológico. O Conviva, que era uma parte importante, mesmo que online, também não existe [na Thomazia]”, afirma a professora Ana Célia da Rosa, de 58 anos, uma das vítimas do ataque e a última a ter alta.
Ana foi encaminhada para o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Butantã assim que retornou para as aulas. Segundo ela, quem precisar de atendimento psicológico na escola deve procurar atendimento no SUS.
Questionário feito pelo governo após o ataque indicou que a maioria dos alunos apontou como prioridade número 1 a visita regular de psicólogos às escolas (leia mais abaixo).
Em nota, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) alegou que os profissionais do Conviva continuam realizando visitas e acompanhamentos semanais na escola, no atendimento aos professores, alunos, equipe escolar e comunidade que queira participar.
O texto ainda afirma que o processo de contratação dos psicólogos foi concluído em agosto. Os primeiros 368 profissionais iniciarão os atendimentos nesta segunda-feira (28).
A pasta diz trabalhar para que os 182 restantes comecem suas atividades nas próximas semanas.
Sobre a reposição das aulas, o cronograma foi elaborado para cumprir os 200 dias letivos, conforme estipulado pela LDB e pela resolução SEDUC 95.
‘A gente se sente órfão do estado’
A professora Rita de Cássia Reis — Foto: Reprodução/TV Globo
Rita de Cássia, de 67 anos, também foi esfaqueada em março. A professora de História levou 30 pontos no braço e não conseguiu retornar à sala de aula desde então.
“A gente se sente órfão do estado. Acho que é esta a palavra. Órfão. Você não tem quem buscar, quem procurar”, lamentou.
A docente disse que teve crises de pânico nas duas vezes que tentou voltar à escola. Na primeira vez, não conseguiu ficar de costas para a turma: “Tinha a impressão de que um aluno viria correndo e me atacaria pelas costas”.
Na segunda tentativa, Rita conta que recebeu um papel com o desenho de uma pessoa segurando uma faca: “Já foi um outro gatilho. Nesse dia, felizmente tinha uma psicóloga da USP. Eu falava: ‘Não me larga, não deixa chegar perto de mim'”.
Para Ana Célia, a comunidade escolar foi abandonada pela Secretaria da Educação. “Deram apoio só nos primeiros dias. Estamos jogadas às traças.”
Professora Ana Célia da Rosa, uma das vítimas do ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro, em SP — Foto: TV Globo
Estudantes relatam falta de apoio psicológico
O g1 esteve na Thomazia Montoro e conversou com estudantes da escola. Eles disseram que psicólogos estiveram na unidade de ensino, mas foram embora há meses.
“[No dia do ataque] a gente estava no meio da aula, aí o povo do 8º B começou a correr. A gente pensou que era algum bicho. A professora [Rita] saiu com o braço sangrando. Fechamos a porta e ficamos esperando a polícia pegar ele. Foi difícil voltar para a escola”, afirmou um aluno de 14 anos.
“A gente tinha um psicólogo para conversar sobre as coisas que estavam acontecendo, algumas pessoas choravam quando falavam sobre o atentado. Depois que passou, alguns psicólogos vieram para conversar com as pessoas, com os alunos, mas faz um tempo já que não tem mais. Aquele negócio foi triste, se tivesse mais psicólogo, ia estar melhor.”
Uma aluna de 14 anos também disse que a escola não teve apoio suficiente. Ela estava na sala vizinha à que aconteceu o ataque.
Em conversa com o g1, outro aluno de 14 anos chegou a afirmar que o apoio psicológico recebido foi suficiente. “Deram bastante ajuda pra gente, começaram a fazer tratamento aqui na escola, acabou que melhorou bastante.”
No entanto, após alguns segundos de diálogo, ele relembrou um episódio recente: “Mas ainda tem umas pessoas abaladas. Eu mesmo fico às vezes. São Paulo inteira deu aquele apagão. A escola ficou no maior escuro, começou uma gritaria, todo mundo se trancou”.
“Uma coisa que eu queria mesmo desse governador… por que pegou metade das nossas férias pra colocar nesse negócio [dias de recesso após o atentado], sabe? Pra mim, ele tinha que ter mais um pouco de coração, né? Deixar a gente mais de férias. É a maior injustiça, o cara vai lá, pega nossas férias e coloca nesse negócio.”
Promessas do governo
No dia 13 de abril, duas semanas após o ataque, Tarcísio esteve na escola. Durante coletiva de imprensa, anunciou a contratação de 550 psicólogos e de empresas de segurança privada para atuar nas escolas estaduais. A previsão era a de que os profissionais iriam começar entre junho e agosto.
Governo de SP vai contratar psicólogos e empresas de segurança privada para escolas
À época, o secretário estadual da Educação, Renato Feder, disse que a ideia era que todas as unidades escolares do estado – incluindo a Thomazia Montoro – recebessem visitas semanais de psicólogos:
“A gente acredita que, se o psicólogo visitar a escola uma vez por semana, é um bom começo, se precisar mais, a gente aditiva, a gente acrescenta mais”, disse Feder na ocasião.
No primeiro dia de aula após o ataque, professores e alunos foram recebidos no local por psicólogos. A meta era que os atendimentos seguissem durante a primeira semana para identificar adolescentes que precisariam de cuidado e atenção. No entanto, segundo professores, o apoio recebido foi apenas de um grupo de estudos da USP, que teve fim em junho.
Viver com medo
O medo relatado pelas professoras também é sentido pelos alunos. Três estudantes que conversaram com o g1 disseram que, há uma semana, quando o país sofreu um apagão, caiu a energia na escola, e algumas pessoas entraram em pânico.
“Ainda tem muitas pessoas abaladas, eu mesmo fico. Na semana passada, que teve um apagão, a escola ficou completamente no escuro, nesse dia todo mundo começou a gritar e se trancou nas salas por medo. Não tem mais viaturas por aqui, para mim tinha que ficar até o final do ano, para começar a se sentir mais seguro, porque, com certeza, se tivesse polícia no dia do apagão a gente não teria entrado em pânico,” disse um deles.
“Vai fazer 5 meses, muito pouco tempo. Eu estou tentando ficar bem. Se eu falar que não tenho medo, vou estar mentindo, tem dia que me dá um negócio, um medo. Mas eu não posso, eu não posso deixar o medo tomar conta. Eu tenho que trabalhar, eu preciso trabalhar”, afirma a professora Ana Célia.
Pagando pelos dias de ‘luto’
Calendário escolar da E.E. Thomazia Montoro — Foto: Arquivo pessoal
Ainda segundo as professoras ouvidas pelo g1, eles estão tendo que cumprir os dias de recesso que tiveram após o atentado.
“Eu não pedi para ser atacada, a Thomazia não pediu para ser atacada. Até aqueles três dias de luto a gente vai pagar. Vamos trabalhar até o dia 22 de dezembro. Todo mundo vai ter que pagar os dias que não trabalhou no recesso do dia 27 de março até abril”, afirmou a professora.
O atentado aconteceu em 27 de março. Após o ocorrido, alunos e professores tiveram duas semanas de recesso. Eles retornaram no dia 10 de abril.
- A Thomazia Montoro retornou do recesso de julho no dia 18, enquanto as demais do estado voltaram apenas no dia 25;
- O ano letivo da Thomazia vai até 22 de dezembro, enquanto as demais de São Paulo finalizam em 15 de dezembro;
- No calendário acima, a letra L representa os dias letivos;
- No calendário abaixo, divulgado pela Secretaria da Educação de SP, os dias letivos estão marcados em verde claro.
Segundo a professora Ana, até mesmo o dia em que ocorreu o ataque deverá ser compensado.
Calendário escolar da rede estadual de ensino de SP para o ano de 2023 — Foto: Reprodução
Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direitos da infância e juventude, informou que está em vigor uma lei que prevê serviços de psicologia e de serviço social na rede pública de educação básica a fim de “atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais”.
No entanto, segundo o ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, a legislação não tem sido colocada em prática. “Precisam ser realizados concursos públicos nas redes municipais e estaduais para a contratação desses profissionais”, apontou Alves.
Programa Conviva
Na época do atentado, o governo também prometeu a expansão do programa Conviva, criado em 2019, que tem como objetivo:
- Estabelecer estratégias de apoio e acompanhamento às equipes docentes e dirigentes no processo ensino-aprendizagem;
- Contribuir para um clima escolar positivo por meio de ambiente de aprendizagem colaborativo, solidário e acolhedor;
- Contribuir para a melhoria de indicadores de permanência de aproveitamento escolar;
- Promover e articular a participação ativa da família na vida escolar dos estudantes da rede de ensino estadual;
- Articular e fortalecer a rede de proteção social no entorno da comunidade escolar, com aproximação entre os serviços de assistência e saúde mental.
As professoras ouvidas pelo g1, informaram que o programa não está em funcionamento na escola e foi descontinuado após a pandemia.
Questionário
Questionário enviado à comunidade escolar em SP — Foto: Ana Carolina Moreno/TV Globo
Entre 4 e 10 de abril deste ano, uma semana após o ataque na Escola Estadual Thomazia Montoro, a Secretaria Estadual da Educação fez circular um questionário online para ouvir a comunidade escolar sobre as necessidades para reformar a saúde mental e a segurança nas escolas.
Apesar do pouco tempo em que ficou aberto – menos de seis dias inteiros -, o questionário recebeu mais de 25 mil respostas. Uma das perguntas pediu para estudantes e professores indicarem a prioridade de cada serviço específico.
- A visita regular de psicólogos às escolas foi a medida que mais pessoas defenderam como sendo a mais importante de todos;
- Quase metade delas (48%) disseram que, de todos os serviços, “ter psicólogo visitando com regularidade e presencialmente as escolas” deveria ser a prioridade número 1;
- Em seguida ficou a opção de ter “presença de policial na escola”, com 27% elegendo esta como a prioridade número 1;
- Os demais serviços listados foram “ter professor de convivência em todas as escolas” (9%), “presença de segurança (desarmado) na escola” (8%) e “aprimorar o Conviva SP [Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar] e integração das áreas de saúde, assistência social e segurança pública” (3%).
O questionário também pediu para os respondentes indicarem o grau de importância de cada um desses serviços. Nesse caso, a visita regular do psicólogo e “reforçar as ações de saúde mental” na escola tiveram nota média de 4,82, em uma escola de 1 a 5.
Já a “atuação de Força Policial na porta e dependências da sua escola” teve a terceira nota média mais baixa, 4,31.
* Colaborou Ana Carolina Moreno
Fonte: G1