Mais de 40 mil famílias foram despejadas em todo o país desde o início da pandemia de Covid, indica levantamento


Polícia Militar cumpre reintegração de posse em um hotel na Rua Augusta, região central de São Paulo. — Foto: VAN CAMPOS/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Polícia Militar cumpre reintegração de posse em um hotel na Rua Augusta, região central de São Paulo. — Foto: VAN CAMPOS/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Mais de 40 mil famílias foram vítimas de despejo ou reintegração de posse em todo o Brasil desde o início da pandemia de Covid-19, em março de 2020. Os dados são do Mapeamento Nacional de Conflitos pela Terra e Moradia, organizado pela campanha Despejo Zero.

Desde o isolamento social, a rede que compõe a campanha registra os conflitos de terra e por moradia em uma plataforma com divisão para as 27 unidades da federação (veja mais abaixo). Segundo a organização, as informações são compiladas de modo contínuo e colaborativo — os dados estão atualizados para casos até fevereiro de 2023.

O estado de São Paulo lidera o levantamento, com 7.376 famílias despejadas e outras 65.600 sob ameaça de despejo; seguido pelo Rio de Janeiro (6.041 despejadas e 5.513 ameaçadas) e pelo Amazonas (4.879 famílias retiradas de suas casas, 32.719 em risco de perder o lar). No total, foram 41.006 despejos no país.

O total de despejos nestes últimos anos demonstram um problema histórico no país, na visão da integrante de Raquel Ludermir, gerente de Incidência Polícia da Habitat Brasil, uma das 170 entidades envolvidas com a campanha Despejo Zero. A falta de políticas públicas voltadas para casas populares nos últimos anos intensificou a questão.

“Tem a ver com desmonte de políticas habitacionais, empobrecimento das famílias, queda de renda, custo de vida aumentando, e ao mesmo tempo governo desmontando aparato de programas de moradia de baixa renda. Tem um problema estrutural do Brasil com um desmonte recente”, afirma Raquel, ao se referir ao governo de Jair Bolsonaro (PL).

 

Durante a pandemia, o Supremo Tribunal Federal proibiu despejos, o que, na visão do grupo, impediu que o problema social fosse ainda maior. Mesmo assim, eles continuaram ocorrendo.

Na última terça-feira (14), o governo federal recriou o Minha Casa Minha Vida, iniciativa implementada no governo de Lula (PT) na década de 2000. A primeira entrega de apartamentos para famílias de baixa renda ocorreu na Bahia, com 600 imóveis.

Veja a situação em cada estado, segundo o mapeamento:

Registros de despejos e ameaças no Brasil

Estado Famílias despejadas Famílias ameaçadas
SP 7.376 65.600
RJ 6.041 5.513
AM 4.879 32.719
MA 3.583 635
GO 1.833 4.570
CE 1.740 11.285
PR 1.712 5.311
PE 1.535 21.661
DF 1.329 5.584
MT 1.300 1.343
SE 1.263 622
RO 1.170 14.512
BA 870 4.048
RS 734 8.844
PB 723 11.556
MG 704 3.449
RN 652 841
PA 629 5.784
RR 603 200
TO 505 180
AC 482 209
MS 310 2.840
AL 308 770
AP 230 3.550
SC 201 1.269
PI 150 3.845
ES 144 1.241

Os números representam valores brutos, sem taxa por 100 mil habitantes, por exemplo, e dependem de atualização conforme os denunciantes registrem novos registros de cada caso. Um grupo de trabalho é responsável por garantir que a ferramenta não tenha duplicidade de casos.

Em todo o país, 177.628 crianças foram atingidas pela falta de lar ou o risco de perder o teto. Os dados mapearam também 174.512 idosos, 623.256 mulheres e 685.582 pessoas negras entre as vítimas de conflito por terra e moradia, como o Despejo Zero define a situação.

Os casos de remoção total ou parcial ocorrem principalmente nas regiões Sudeste (mais de 16 mil), Nordeste (mais de 10 mil), Norte (mais de 8 mil), Centro-Oeste (mais de 5 mil) e Sul (mais de 4 mil).

Além das famílias desalojadas no período, o mapeamento inclui as famílias que estão em risco de perder o teto. Ao todo, 217.881 delas estão sob ameaça em 933 registros diferentes pelo país. Em paralelo, foram identificadas 56.955 famílias com despejos suspensos durante a pandemia.

‘Fique em casa’

 

Raquel diz que a criação do mapa nacional de despejos se deu com a campanha “fique em casa”, motivada para evitar a proliferação do coronavírus.

“Da forma como o mapa está hoje, o surgimento é do início da pandemia, quando identificamos que a principal recomendação é para conter a pandemia era ‘ficar em casa’. Foi assim que começamos a identificar grupos e comunidades em extra vulnerabilidade serem despejados”, afirma.

Segundo Raquel, a iniciativa tem dois objetivos: denunciar a violação de direito à moradia e outras violações em meio à crise sanitária e suprir a lacuna de dados oficiais sobre reintegrações de posses e despejos.

“Estamos falando de famílias em extrema condição de vulnerabilidade. Não acontece com família de mais alta renda, e sim com pessoas historicamente vulnerabilizadas — principalmente as que têm mais baixa renda. Quando se olha o recorde, mulheres, crianças, idosos e população negra são predominantes”, diz a representante.

Raquel diz que o grupo tem “expectativa com o novo governo e com o desenho do novo programa” e como ele pode “trazer benefícios concretos para a vida dessas pessoas”.

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