Educação

Aluna da USP que desviou dinheiro de formandos é indiciada por ter cometido nove vezes crime de apropriação indébita

Alicia Dudy Muller é alvo de inquéritos policiais. Valor de R$ 927 mil pago por estudantes de medicina para formatura foi usado para fins pessoais da investigada, como aluguel de imóvel, veículo e eletrônicos


Caderno com anotações foi apreendido no apartamento de Alícia — Foto: Reprodução/TV Globo

Caderno com anotações foi apreendido no apartamento de Alícia — Foto: Reprodução/TV Globo

A Polícia Civil indiciou a estudante de medicina da USP Alicia Dudy Muller Veiga, de 25 anos, por ter cometido nove vezes o crime de apropriação indébita e concurso material que desviou R$ 937 mil da formatura da turma. O inquérito foi relatado à Justiça, e o Ministério Público irá se manifestar.

Em nota, o MP disse que vai analisar as informações colhidas pela polícia para “firmar a sua convicção a respeito dos fatos, o que poderá ensejar o oferecimento de denúncia” ou investigações complementares.

Na semana passada, os investigadores do 16º Distrito Policial apreenderam aparelhos eletrônicos, um carro alugado pela jovem e um caderno com anotações relativas ao crime que teriam sido feitas por ela.

Segundo a delegada Zuleika Gonzalez Araujo, uma amiga próxima da suspeita foi ouvida e disse que não sabia sobre os crimes.

Na sexta-feira (27), a delegada ouviu a nova presidente da comissão de formatura. A testemunha afirmou que Alicia mudou as senhas de acesso ao e-mail da comissão.

A nova presidente relatou ainda que o grupo não teve mais acesso às informações e aos avisos da empresa organizadora do evento sobre as transações feitas por Alicia.

Alicia Dudy Muller sai da delegacia após prestar depoimento em investigação sobre golpe na formatura de alunos da USP. — Foto: Reprodução/Globo

Alicia Dudy Muller sai da delegacia após prestar depoimento em investigação sobre golpe na formatura de alunos da USP. — Foto: Reprodução/Globo

Caderno com anotações

Nas folhas do caderno, a jovem escreveu sobre situações que seriam relacionadas a um suposto arrependimento e, também, à frustração ao não conseguir recuperar o dinheiro (veja abaixo).

Alicia teria feito anotações sobre o caso em caderno — Foto: Reprodução

Alicia teria feito anotações sobre o caso em caderno — Foto: Reprodução

Anotações que teriam sido feitas por Alicia — Foto: Reprodução

Anotações que teriam sido feitas por Alicia — Foto: Reprodução

Comprovantes de Loteria

Ao todo, a investigação achou no apartamento da estudante 17 comprovantes referentes a quantias que havia ganhado na loteria. No entanto, ela teria perdido mais dinheiro do que arrecadado. Os bancos em que a estudante tem conta têm 60 dias para encaminhar à polícia a quebra de sigilo autorizada pela Justiça.

O carro alugado pela estudante de medicina e que foi apreendido pela polícia tem registros de infrações de trânsito nos últimos 12 meses, quando o veículo estaria com ela.

Segundo apurado pelo g1, o Nivus, da Volkswagem, foi alugado por 18 meses ao valor mensal de R$ 2.190. Um iPhone teria sido alugado por R$ 3 mil. Tudo foi apreendido.

g1 tentou contato com Alicia, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

Festa mantida

A empresa ÁS Formaturas se reuniu com o Procon-SP na segunda-feira (23) e prometeu não repassar aos alunos o prejuízo de R$ 927 mil desviados por Alicia, que era presidente da comissão de formatura. A empresa também concordou em bancar com fornecedores a mesma estrutura da festa que havia sido contratada.

Guilherme Farid, chefe de gabinete do Procon-SP, disse em entrevista coletiva que o contrato entre as partes foi fechado em 2019. No entanto, a pessoa jurídica que formalizou a negociação, que seria uma associação dos formandos, nunca foi registrada.

“O contrato foi celebrado entre duas pessoas jurídicas. Mas os alunos teriam que ter criado uma associação, registrado no tabelião de notas e formado pessoa jurídica. Teria representatividade legal”, disse.

O que se sabe sobre a aluna da USP acusada de desviar dinheiro da formatura

Das mais de 100 pessoas interessadas no evento, quem deliberava sobre os valores era um grupo formado por cerca de 20 pessoas, e as comunicações eram feitas via WhatsApp.

Segundo ele, o negócio foi “mal elaborado” e fechado informalmente. A empresa tem 15 dias para entrar em contato de forma individual com os cerca de 130 alunos envolvidos e apresentar a proposta. A ÁS já havia feito a celebração da turma anterior, a 105ª.

No caso de os alunos aceitarem o plano, que deve se desenrolar em um ano até a realização, o Procon-SP irá acompanhar o caso. Se forem comprovados ao fim de todo o processo problemas relacionados com a empresa, uma multa de até R$ 12 milhões pode ser aplicada.

Interrogatório

Estudante de medicina investigada por desviar dinheiro de formatura presta depoimento à polícia

Alicia foi ouvida pela polícia em 19 de janeiro, em São Paulo. Ela confirmou que desviou os valores que seriam usados para a festa de formatura por entender que os recursos não estavam sendo bem administrados pela empresa contratada, mas fez “aplicações ruins” e acabou perdendo dinheiro.

No “desespero”, ela diz que tentou recuperar o montante fazendo apostas em uma lotérica. Ela também admitiu que usou em benefício próprio uma parte das quantias para pagar despesas pessoais, como aluguel de carro, apartamento e compra de eletrônicos. A estudante afirma ter agido sozinha.

De acordo com o interrogatório, Alicia tem renda mensal de cerca de R$ 4.500. Ela assumiu à polícia que a história que contou aos colegas da comissão de que teria investido o dinheiro da formatura em um fundo e sofrido um golpe era mentira.

Também de acordo com a polícia, a empresa ÁS Formaturas confirmou que transferiu quase R$ 1 milhão para a conta bancária da estudante, que até então era a presidente da comissão de formatura.

A polícia disse também que, de acordo com os documentos apresentados pela ÁS, não há responsabilidade jurídica por parte da empresa.

“O contrato autorizava eles a fazerem essas transferências para os membros da formatura, para qualquer um dos representantes da comissão”, explicou a delegada.

g1 levantou que Alicia recebeu de R$ 3.000 de Auxílio Emergencial do governo federal. A delegada disse que a família da estudante é humilde.

“Os nossos investigadores tiveram contato com a família. Trata-se de família humilde mesmo. Ela conseguiu ingressar no curso com muito esforço, a origem é humilde”, disse.

“Inclusive, o valor pago por cada estudante para empresa na formatura era de R$ 12 mil. Os estudantes que comprovassem uma situação financeira econômica um pouco mais difícil pagariam R$ 6 mil. Ela foi agraciada com essa possibilidade”, completou.

Alicia Dudy Müller Veiga é acusada de golpe na USP — Foto: Reprodução

Quem é a estudante

Natural do interior de São Paulo, Alicia Dudy Muller ingressou na faculdade de medicina em 2018. Ela está no sexto ano do curso.

Alicia nasceu em Itararé, mas reside em um prédio na Vila Mariana, na Zona Sul da capital. Na plataforma Currículo Lattes, que reúne dados sobre estudantes e pesquisadores, ela informou ter feito o ensino médio na Escola Técnica Estadual Getúlio Vargas, na região do Ipiranga.

Em entrevista para a Rádio USP em fevereiro de 2018, ela afirmou que tinha passado no curso de farmácia e até feito a matrícula, mas desistiu e decidiu fazer cursinho por mais um ano para tentar entrar em medicina.

Em um vídeo gravado há quatro anos para o cursinho em que estudou, Alicia comentou sobre o processo de aprovação na Faculdade de Medicina da USP. O registro foi publicado em 14 de maio de 2018.

“É difícil descrever como é ter um sonho realizado, porque são anos batalhando. Mas agora é uma sensação de compensação. É todo tempo que você gasta fazendo simulado, estudando pós aula, parece que aquilo não foi nada comparado àquele dia que você vê seu nome na lista.”

Inquéritos

A jovem é alvo de dois inquéritos policiais. São eles:

  • O 16° DP investiga crime de apropriação indébita, relativo ao dinheiro da formatura;
  • A Delegacia Especializada em Investigações Criminais (DEIC) de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, apura os crimes de estelionato e lavagem de dinheiro contra uma lotérica, cometidos em 2022.

A polícia já acreditava que o dinheiro usado pela estudante em apostas não pagas – feitas no ano passado em uma lotérica da Zona Sul de São Paulo – poderia ter sido desviado da festa de formatura.

  • Em abril de 2022, a suspeita fez quase R$ 20 mil em apostas na Lotofácil, todas pagas via PIX;
  • Depois disso, passou a fazer várias apostas em grandes valores;
  • No total, ela teria apostado R$ 461 mil;
  • Em julho de 2022, a estudante teria solicitado R$ 891,5 mil em apostas;
  • Após a operadora de caixa registrar R$ 193,8 mil em apostas, a gerente da lotérica questionou sobre o pagamento, e a suspeita disse que tinha realizado um agendamento da transferência;
  • A estudante fez uma movimentação muito inferior, de R$ 891,53, na tentativa de fazer com que os funcionários da lotérica pensassem que seria o valor total de R$ 891,5 mil;
  • Após breve discussão, a suspeita saiu da lotérica com cinco apostas de R$ 38,7 mil cada uma.

A denúncia do desvio milionário do fundo de formatura

Segundo o boletim de ocorrência sobre o caso do sumiço do dinheiro registrado por dois alunos, Alicia solicitou à empresa ÁS Formaturas — que seria responsável pela organização da festa — a transferência de R$ 927 mil em três parcelas:

  • R$ 604 mil, para ser transferido para uma conta pessoal no seu nome;
  • R$ 145 mil, que foram transferidos para uma conta em que o beneficiário não foi identificado;
  • R$ 171 mil, que foram transferidos para uma conta em que o beneficiário não foi identificado.

Em nota, a ÁS negou ser a responsável pela organização da festa, como citado no boletim de ocorrência, e disse que “não se comprometeu com a realização ou produção de qualquer evento”.

“A responsabilidade da ÁS no contrato limitava-se a arrecadar os valores dos formandos e transferir para a turma, além da realização da cobertura fotográfica”, diz a nota.

Antes, Alicia afirmou ter aplicado R$ 800 mil em uma corretora de investimentos chamada Sentinel Bank, mas voltou atrás na versão.

Fonte: G1

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