MP instaura inquérito contra secretarias da Saúde de SP por morte de jovem obeso que foi rejeitado por 6 hospitais
Vitor Augusto Marcos de Oliveira, de 25 anos, morreu após sofrer três paradas cardíacas depois de aguardar, por quase quatro horas, dentro da ambulância em frente ao Hospital Geral de Taipas.
Vitor Augusto Marcos de Oliveira morreu esperando por atendimento em hospital de SP — Foto: Reprodução/Facebook
O Ministério Público do Estado de São Paulo instaurou, nesta segunda-feira (9), inquérito contra as secretarias municipal e estadual da Saúde para apurar a morte de Vitor Augusto Marcos de Oliveira, de 25 anos, que não conseguiu atendimento em maca especial para pessoa com obesidade e morreu na porta do Hospital Geral de Taipas, na Zona Norte da capital, na última quinta-feira (5) após tentar vaga em seis unidades de saúde.
Segundo o MP, a investigação é necessária “para apurar devidamente os fatos e tomar, a posteriori, as providências que se fizerem necessárias, inclusive eventual propositura de ação civil pública”.
O promotor de Justiça Arthur Pinto Filho deu prazo de cinco dias para os envolvidos apresentarem recurso ao Conselho Superior do Ministério Público, e dez dias para responderem os questionamentos.
Entre os esclarecimentos solicitados, estão: a explicação por qual razão o paciente foi mantido inadequadamente em ambulância até vir a óbito, as circunstâncias do atendimento ocorridas em outras unidades de saúde do estado pelas quais o paciente tenha passado e não conseguiu obter atendimento, as unidades de saúde em que há macas especiais para atendimento de pessoas acometidas por obesidade e o seu número, bem como quais as providências foram tomadas após o fato para apuração, entre outras questões.
Na portaria divulgada nesta segunda (9), o MP cita os artigos 196 e 197 da Constituição Federal, que determinam:
- Art. 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação;
- Art. 197: São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
O documento cita ainda que “é responsabilidade do Poder Público garantir a qualidade e suficiência de serviços de saúde para os cidadãos”.
Cronologia dos fatos
Paciente com obesidade mórbida morre depois de ser recusado por 6 hospitais
Seis hospitais recusaram atendimento a Vitor antes de ele morrer na porta do Hospital Geral de Taipas.
De acordo com a mãe, ele chegou a ser atendido na UPA Perus, também na Zona Norte, na quarta (4), e os médicos constataram que havia necessidade de internação urgente em unidade especializada.
No entanto, ao menos seis hospitais consultados pelo sistema de regulação de leitos — três municipais e três estaduais — recusaram, por telefone, a transferência do paciente ou por superlotação ou por falta de equipamentos necessários para pacientes obesos.
Vitor, então, ficou quatro horas dentro de uma ambulância, teve três paradas cardíacas e morreu.
- Na quarta (4), ele foi atendido na UPA de Perus;
- Seis hospitais são consultados pelo sistema de regulação, mas todos recusam a transferência
- Na quinta (5), foi aceito por uma médica no Hospital de Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte;
- De ambulância, ele foi até o hospital, mas não foi aceito por falta de equipamentos;
- Vitor foi encaminhado de volta para a UPA de Perus;
- A UPA de Perus encaminhou o jovem ao Hospital Geral de Taipas, na Zona Norte;
- Após quatro horas dentro da ambulância, surgiu uma vaga, mas ele faleceu antes de ser atendido.
Vitor percorreu 53 km dentro da ambulância e, durante todo o tempo, a ventilação foi feita manualmente.
“Foi negligenciado, meu filho foi. Meu filho ficou em um assoalho, isso eu nunca vou esquecer. Meu filho morreu em cima de um assoalho, ele não teve direito de morrer em cima de um colchão”, disse Andreia Marcos da Silva, mãe de Vitor.
O diretor de hospitais do governo do estado de São Paulo disse que houve um erro do Hospital da Cachoeirinha ao aceitar receber Vítor sem ter equipamentos para atendê-lo. A reportagem questionou se não seria possível estabilizar o estado de saúde do rapaz antes de encaminhá-lo para outro local.
“Pelos elementos que eu disponho, não posso inferir sobre o comportamento e a decisão que tomou a autoridade médica naquele momento. Pode ser que poderiam ter feito isso? Não sei, não posso julgar, porque eles não dispõem do equipamento para atender paciente naquele peso e que saiu da origem com pedido para um exame de imagem em um equipamento que a unidade não dispunha. Estamos apurando ainda o motivo”, disse Carlos Alberto de Castro Soares.
Desde 2006, a taxa de obesidade vem crescendo entre a população paulista. Atualmente, passou de 20%, o dobro de quando começou a ser registrada.
Isso traz novos desafios para o atendimento da população, explica o endocrinologista Márcio Mancini: “Fazer uma tomografia em uma paciente com obesidade muitas vezes já tem um limite de peso. Intubar um paciente com obesidade muitas vezes precisa de um anestesista, um médico com menos experiência não consegue intubar um paciente”.
“Os exames radiológicos, ultrassom, até mesmo um raio-x simples já pode ter dificuldade diante de um paciente com obesidade”, completa.
A Secretaria Municipal da Saúde disse que a equipe da UPA mandou Vítor para o Vila Nova Cachoeirinha porque a vaga havia sido cedida, mas que, quando a ambulância chegou lá, o paciente não foi admitido. Informou, ainda, que mandou o paciente para o Hospital Geral de Taipas porque esta era a unidade de referência. A secretaria lamentou a morte e disse que a equipe da UPA Perus deu toda a assistência.
Fonte: G1