Só em 35% dos casos moradores da cidade de SP levam menos de 1 hora para chegar a serviços de saúde, educação e trabalho, diz estudo
Levantamento realizado pelo Instituto Multiplicidade com dados entre novembro de 2021 e abril deste ano, com o objetivo de medir a acessibilidade da população até locais de emprego formal, educação e saúde com no máximo 1 hora de trajeto.
Pessoas em ponto de ônibus na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo, em 14 de junho de 2022 — Foto: BRUNO ROCHA/ENQUADRAR/ESTADÃO CONTEÚDO
A população de São Paulo leva menos de uma hora para chegar até serviços como saúde, educação e trabalho formal em somente 34,6% dos casos de locomoção pela cidade, segundo dados de um levantamento realizado pelo Instituto Multiplicidade e obtido com exclusividade pelo g1.
O estudo foi feito em 17 cidades do Brasil, a partir dos seguintes dados, coletados entre novembro de 2021 e abril deste ano:
- Censo de 2010 do IBGE;
- DataSUS;
- Inep (Censo Escolar);
- Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho;
- Dados espaciais de plataformas colaborativas, como Google Maps e OpenStreetMap e r5r (criado pelo Ipea);
- Além de entrevistas com mais de 5 mil pessoas que fizeram viagens por meio do aplicativo da 99. Passageiros responderam se fizeram viagem de integração com ônibus ou se pretendiam fazer.
Com o objetivo de medir a acessibilidade da população a emprego formal, educação e saúde em até uma hora, foram determinadas duas categorias para calcular a distância mínima: a primeira considerou moradores que levam cerca de 30 minutos até esses destinos a pé, de bicicleta ou utilizando um carro por aplicativo com o valor máximo de R$ 10. E, a segunda, quem leva no máximo uma hora de ônibus no trajeto.
A partir disso, os pesquisadores criaram o Índice de Acesso às Oportunidades em Prol da Redução de Desigualdades (IAOD), uma nota gerada de forma integrada com o cálculo do acesso a serviços de saúde, trabalho formal e educação e a mobilidade urbana, de maneira que se possa comparar cidades com áreas geográficas diferentes.
O levantamento, feito em parceria com o aplicativo de transportes 99, gerou um ranking das seguintes cidades: Natal, Curitiba, Recife, Belo Horizonte, Fortaleza, Santo André, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória, João Pessoa, Campinas, São José dos Campos, Campo Grande, Manaus, Uberlândia e Teresina.
Natal, por exemplo, lidera o ranking, por ter a locomoção para emprego formal e espaços de educação e saúde acessíveis em 30 minutos ou em uma hora de ônibus em 57,1% dos casos, a maior nota entre as cidades pesquisadas. São Paulo fica em 9º, com 34,6%.
Já Teresina aparece em último, com apenas 12,6% dos casos. Os pesquisadores não conseguiram obter o dado de locomoção através de ônibus na cidade, pois, há meses, os usuários deste meio de transporte reclamam do número reduzido de veículos em circulação.
“Nós pegamos o mapa de cada cidade e colocamos em cima dele uma grade hexagonal e, a partir disso, mapeamos diversas áreas pequenas, sem analisar uma região completa como um todo. Pegamos dados do Censo e os aplicamos sobre essas áreas pequenas, cruzando com dados de educação e do SUS. A partir disso, tivemos uma precisão muito boa de como fazer essas medidas, sem necessariamente pegar uma área enorme de uma região e tratar como se fosse uma coisa só”, afirma Glaucia Pereira, especialista em mobilidade urbana, responsável pelo levantamento e fundadora do Instituto Multiplicidade.
“34,6% foi a nota de São Paulo em um cálculo/matemática/algoritmo que envolve o quanto de espaços de educação, de saúde e postos de emprego formal podem ser alcançados por ônibus, bicicleta, a pé e por automóveis de aplicativo. Cada modo de transporte tem um peso diferente, definido considerando as possibilidades de os municípios fazerem políticas públicas”, continua.
28 de julho – Pessoas se exercitam no Parque Ibirapuera, Zona Sul da cidade de São Paulo — Foto: Celso Tavares/G1
Segundo a pesquisadora, o índice de São Paulo é baixo, mas nenhuma cidade do país avaliada pelo levantamento está próxima de 100%.
No cálculo, foi dado peso diferente aos territórios também de acordo com a população negra que lá mora. Como explica a especialista, “quem vai conseguir subir nesse índice mais facilmente, melhorar de fato a redução das desigualdades, são prefeituras que investirem nesses territórios [com mais negros]”, afirma a especialista.
Historicamente, pessoas pretas e pardas estão majoritariamente nas áreas mais afastadas do Centro da cidade de São Paulo. No entanto, pelo cruzamento feito pelo instituto, é possível comprovar que a maioria das oportunidades de emprego formal não estão espalhadas pela capital, continuam concentradas nas áreas centrais.
Ofertas de empregos
O resultado do estudo aponta também que quem vive em áreas mais afastadas dos centros, especialmente as pessoas pretas e pardas, gasta mais tempo no trajeto em busca de serviços de saúde, educação e, principalmente, ofertas de emprego formal.
Por meio da divisão de áreas da cidade de São Paulo com um gráfico hexagonal, os pesquisadores incluíram a quantidade existente de emprego formal por microrregião criada.
Em São Paulo, por exemplo, o estudo identificou uma grande concentração de pessoas negras nas zonas Sul, Sudoeste e Leste da cidade, principalmente nos extremos, em bairros como Grajaú, Capão Redondo e Guaianases, respectivamente.
Em contrapartida, as oportunidades de emprego formal estão mais concentradas na região do Centro expandido, como Paulista, pela Berrini e Faria Lima.
Em uma área do M’Boi Mirim, na Zona Sul, onde 64% da população é negra, o estudo identificou que há 1 emprego para cada 25 pessoas, por exemplo. Na Consolação, região central, onde apenas 20% dos habitantes são negros, há mais de um emprego por pessoa.
A região do M’Boi Mirim é a que possui mais famílias na extrema pobreza na capital, segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social obtidos com exclusividade pelo g1 em maio.
“Existem medidas que podem ser feitas para que esse índice suba. Por exemplo, na mobilidade a pé, o ideal seria diminuir esse tempo de percurso e aumentar a segurança viária, as prefeituras precisam cuidar da mobilidade para aumentar o tempo de travessia de semáforo, por exemplo, diminuir o tempo de espera para atravessar, reduzir as velocidades máximas regulamentadas para que onde não há semáforo você consiga atravessar nas brechas e cuidar da acessibilidade universal. Essas seriam medidas que diminuiriam o trajeto de uma pessoa que anda por um trecho a pé”, afirma Glaucia Pereira.
“É uma série de medidas, não uma coisa única, mas são coisas que o poder municipal já sabe fazer, que a política de mobilidade urbana já diz que é para fazer. São coisas que vão ajudar as prefeituras a melhorar a mobilidade da cidade, principalmente nessas áreas mais desiguais”, completa.
Os problemas ligados à mobilidade são antigos. Em 2019, por exemplo, o g1 mostrou que as dificuldades de locomoção de moradores de regiões da periferia e nos extremos da cidade de São Paulo existia também para solicitar corridas por aplicativos. Em um mesmo dia, a reportagem percorreu trajetos da Zona Norte à Zona Sul e conversou com moradores e motoristas da Vila Brasilândia e de Heliópolis. Eles relataram falta de atendimento, longas esperas e até corridas que não chegaram ao destino.
Cidades espalhadas
Segundo a pesquisadora, as cidades que aparecem no ranking com o menor índice são aquelas que concentram os serviços em uma determinada região.
Um dos exemplos é Teresina, onde existem muitas pessoas em áreas muito afastadas dos três serviços usados como parâmetro na pesquisa, fazendo com que aumente o tempo de percurso até uma UBS, por exemplo.
Índice de acesso à cidade
A partir dos dados do levantamento, o estudo criou o IAC (Índice de Acesso à Cidade) para mostrar o quanto cada município está longe ou perto de proporcionar uma cidade que ofereça oportunidades iguais dentre as existentes em emprego formal, educação e saúde, independentemente de raça e local de moradia.
São Paulo aparece no ranking como a 5ª cidade mais próxima de oferecer chances iguais de acesso a oportunidades de emprego formal, saúde e educação, com 40,9%. Natal e Curitiba aparecem nas primeiras posições, ambas com mais de 50% de chances.
Com o levantamento, os pesquisadores pretendem disponibilizar os dados a partir de agosto deste ano, para que outros institutos e as próprias cidades analisadas possam ter acesso e traçar maneiras de melhorar a mobilidade urbana nas regiões. “Nós conseguimos gerar um cálculo que padroniza e faz possível a análise territórios de tamanhos diferentes, de fato da para comparar cidade por cidade.”
Fonte: G1