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‘Balde de água fria’, diz morador da Vila Leopoldina sobre projeto de moradias populares emperrado na Câmara de SP

PIU Vila Leopoldina não tem previsão de ir para votação definitiva. Projeto prevê remoção das favelas da Linha e do Nove, reassentamento das famílias na mesma região, além de reforma do conjunto habitacional Cingapura Madeirite.


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Com esgoto na porta, comunidades da Vila Leopoldina esperam há anos projeto sair do papel

Há 30 anos a dona de casa Vera Lúcia Ribeiro, de 42 anos, mora em um barraco de madeira na Favela do Nove, na Vila Leopoldina. No frio, precisa revesti-lo com cobertores. Na chuva, se preocupa com os alagamentos que levam sujeira e dejetos para dentro de sua casa. Há cerca de seis anos, ela foi apresentada a um projeto que prometia mudar sua vida, mas a longa espera vem trazendo incertezas não só para Vera, como para centenas de pessoas.

Em 2018, os moradores das favelas do Nove e da Linha, comunidades vizinhas ao Ceagesp, na Zona Oeste de São Paulo, foram cadastrados no Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Vila Leopoldina, que prevê a revitalização da região e a construção de moradias populares.

O PIU é um instrumento relativamente novo na cidade – surgiu em 2014 com o último Plano Diretor. Ele permite que empresas privadas proponham planos urbanísticos à Prefeitura. A Votorantim, dona de mais da metade do terreno, elaborou o projeto e o apresentou à administração municipal. Em seguida, o documento foi transformado em proposta de Projeto de Lei (PL) pelo executivo municipal.

Antes de chegar à Câmara, o projeto passou por Consulta Pública e assembleias entre os moradores. Em 2018, o g1 acompanhou um desses encontros entre moradores da região, e mostrou que o projeto sofria resistência de condomínios de luxo da Vila Leopoldina. A reportagem também contou que uma parte do terreno estava contaminado. O trabalho de descontaminação pela Prefeitura de São Paulo começou apenas 4 anos depois, em março deste ano.

O PIU Vila Leopoldina chegou como Projeto de Lei à Câmara Municipal de São Paulo em 2019. Ele foi aprovado com ampla maioria em outubro de 2021, e desde então está emperrado na Câmara, sem previsão para ir a plenário para sua votação definitiva. (entenda mais abaixo).

A dona de casa Vera Lúcia Ribeiro, de 42 anos, mora há cerca de 30 anos na Favela do Nove, na Vila Leopoldina. Ela conta que as chuvas levam sujeira e dejetos para dentro de sua casa. — Foto: Fábio Tito/g1

A dona de casa Vera Lúcia Ribeiro, de 42 anos, mora há cerca de 30 anos na Favela do Nove, na Vila Leopoldina. Ela conta que as chuvas levam sujeira e dejetos para dentro de sua casa. — Foto: Fábio Tito/g1

Enquanto isso, moradores como a Vera continuam sofrendo com os alagamentos e suas consequências na comunidade. “É desesperador, cada chuva, cada temporal é uma expectativa ruim. Alaga tudo aqui, é cocô para todo lado, fezes, até os animais que passam aqui sofrem. Tem vezes que entra sujeira para dentro de casa, você limpa, limpa, mas volta”, disse a dona de casa.

Quando o projeto foi apresentado, com a expectativa de se mudar nos anos seguintes, alguns moradores chegaram a suspender as melhorias e reformas em suas casas. No entanto, com a espera, as modificações voltaram a acontecer, inclusive com a construção de novos andares em alguns barracos.

“Particularmente, a gente que está aqui dentro da comunidade nunca teve esse sonho de ter algo para a gente, algo além dessa favela. A gente nunca teve essa esperança. Aí quando vem e colocam uma sementinha lá… dura tanto tempo para acontecer que vai minando nossa esperança”, disse o autônomo Paulo Alberto, de 35 anos, morador da Favela do Nove.

Além da remoção das Favelas da Linha e do Nove e reassentamento em moradias populares na mesma região, o projeto prevê a construção de equipamentos públicos no térreo dessas edificações, como creches e Unidades Básicas de Saúde (UBSs).

Região do PIU da Vila Leopoldina — Foto: Arte/g1

Região do PIU da Vila Leopoldina — Foto: Arte/g1

Morador da Favela do Nove, o autônomo Paulo Alberto, de 35 anos, contou que a espera pelo projeto vem minando sua esperança de ter uma moradia melhor. — Foto: Fábio Tito/g1

Morador da Favela do Nove, o autônomo Paulo Alberto, de 35 anos, contou que a espera pelo projeto vem minando sua esperança de ter uma moradia melhor. — Foto: Fábio Tito/g1

Para o Paulo, ter melhor acesso a esses serviços e uma UBS embaixo de casa poderia ter mudado sua vida. Em 2021, no pico da pandemia, ele buscou atendimento médico para seu filho, um bebê de quatro meses que estava com problemas pulmonares. Paulo contou que rodou por horas atrás de vaga em hospitais da cidade, até que conseguiu uma na Santa Casa, mas o filho não resistiu e faleceu. O autônomo acredita que as horas em busca de atendimento podem ter prejudicado ainda mais a saúde da criança.

“Pode ser que meu filho estaria aqui, mas pode ser que não, não sei, essa dúvida que eu carrego”, desabafa Paulo.

O aposentado Theodorio Sobrinho da Silva, de 76 anos, também está cadastrado no projeto e a espera tem abalado a confiança de que um dia deixará uma moradia melhor para os filhos e netos. “Parece que jogam uma bacia de água gelada na cabeça da gente, e aí desmancha todos os sonhos”.

Theodorio morava na Favela do Nove, e hoje vive em um “puxadinho” construído irregularmente na área do conjunto habitacional Cingapura Madeirite, vizinho à Favela do Nove. O PIU Vila Leopoldina também prevê a reforma do Cingapura, onde vivem cerca de 400 famílias, e o reassentamento da ocupação irregular.

“Aqui, nessa casa onde estou, sou sincero em dizer, isso aqui não deveria acontecer, isso aqui é área do condomínio, dos prédios. Mas uma vez que aconteceu, vai continuar acontecendo”, admite o aposentado.

O aposentado Theodorio Sobrinho da Silva, de 76 anos, vive na ocupação irregular que cresceu na área condominial do conjunto habitacional Cingapura Madeirite, também previsto para ser contemplado no PIU Vila Leopoldina. — Foto: Fábio Tito/g1

O aposentado Theodorio Sobrinho da Silva, de 76 anos, vive na ocupação irregular que cresceu na área condominial do conjunto habitacional Cingapura Madeirite, também previsto para ser contemplado no PIU Vila Leopoldina. — Foto: Fábio Tito/g1

O que propõe o PIU Vila Leopoldina?

Além das remoções das favelas e reassentamento no modelo “chave por chave” (o morador só sai de sua casa com a chave do novo apartamento), o plano urbanístico também prevê melhorias na infraestrutura da região, com a adaptação de calçadas e ruas para conectar os novos espaços.

Como contrapartida, a empresa que executar o projeto ganha o direito de construir prédios com mais andares em uma das regiões de maior interesse do setor imobiliário da cidade.

Neste modelo, a iniciativa privada é responsável pela construção das moradias populares, equipamentos públicos, e pela gestão condominial dos novos apartamentos por pelo menos um ano.

Favela do Nove, ao fundo, e terreno da Votorantim, logo em frente, onde moradores da comunidade receberão novas casas — Foto: Fábio Tito/g1

Favela do Nove, ao fundo, e terreno da Votorantim, logo em frente, onde moradores da comunidade receberão novas casas — Foto: Fábio Tito/g1

Para Philip Yang, fundador do Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole), responsável técnico do projeto, um dos destaques da proposta é a preocupação com a escala urbana das novas construções. “Se fosse fazer sem o PIU, como um agente imobiliário normal, você só vai pensar no seu quadradinho, naquele lote de 50 por 30 e fazer teu prédio”.

No caso do PIU, de acordo com a Votorantim, interessada no projeto, o rearranjo de ruas e calçadas e as moradias populares serão integradas com os novos condomínios residenciais. “O formato dos edifícios tem uma tipologia mais semelhante ao tipo de produção imobiliária que vai acontecer ali no perímetro, e fica menos estigmatizado como um empreendimento de Habitação de Interesse Social”, disse o gerente geral de Investimentos Imobiliários da Votorantim, Cláudio Lojkasek.

Yang, fundador do Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole, também destaca que o PIU, apesar de novo no planejamento urbano de São Paulo, é uma legislação que já existe há cerca de 40 anos em Nova York, por exemplo.

Para ele, uma possível estagnação do projeto tem um impacto que vai além dos moradores diretamente afetados. “Você tem uma perda de credibilidade de uma regulação que é muito importante para o futuro de todos nós”, afirma.

Na Favela do Nove, na Vila Leopoldina, moradores convivem com esgoto na porta de casa e sofrem com enchentes após tempestades — Foto: Fábio Tito/g1

Na Favela do Nove, na Vila Leopoldina, moradores convivem com esgoto na porta de casa e sofrem com enchentes após tempestades — Foto: Fábio Tito/g1

Sem previsão de votação

O PIU Vila Leopoldina foi aprovado em 1ª votação na Câmara Municipal em outubro do ano passado. O projeto, de autoria do Executivo, recebeu 43 votos a favor e um contra.

No entanto, oito meses depois, ele segue sem previsão de ser pautado para a segunda e definitiva votação, o que é definido pelo presidente da Casa, o vereador Milton Leite (DEM).

“A minha maior dificuldade hoje é a comunicação com o Milton Leite. A gente não entende, já perguntamos, mas não temos agenda com ele em relação a aprovação do PIU. Nada impede que o PIU Leopoldina fosse votado hoje”, disse o presidente da Associação de Moradores do Ceasa, Carlos Alexandre Beraldo, conhecido como “Xandão”.

Em entrevista ao g1, Milton Leite disse que outros PIUs terão prioridade nas votações, como o PIU Arco Pinheiros, o Centro e o Jurubatuba. Segundo ele, estes são projetos com “mais demanda”. “O Leopoldina tá depois da fila aí”, disse o vereador.

Milton Leite disse ainda que o projeto precisa de “adequações de preço e ajustes” antes de ser votado, mas não especificou quais seriam as mudanças necessárias.

Procurado, o vereador Fábio Riva (PSDB), líder do governo na Câmara, informou por meio de sua assessoria que o projeto está sendo modificado, mas não entrou em detalhes.

O presidente da Associação de Moradores do Ceasa, que inclui as favelas da Linha e do Nove, defende que o PIU Vila Leopoldina seja votado antes, já que os projetos citados pelo presidente da Casa têm um escopo maior e ainda não foram tão debatidos.

Dentre os projetos citados, o PIU Vila Leopoldina foi o que mais passou por audiências públicas desde que foi protocolado na Câmara – quatro. Os PIUs Arco Pinheiros e Centro passaram por duas cada um, e o PIU Jurubatuba apenas por uma.

Para o presidente da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara, o vereador Paulo Frange (PTB), o projeto é “a melhor sacada” de todos os PIUs.

“De todos, o mais atrativo e de maior retorno do ponto de vista de alcance social, não tenha dúvida que é o PIU Leopoldina, porque ele é um PIU que praticamente nasce pronto. Uma vez aprovado, nós vamos ter uma mudança na forma de tratar essas intervenções urbanas”.

 PIU Vila Leopoldina prevê a reforma do conjunto habitacional Cingapura Madeirite e o reassentamento da ocupação irregular que cresceu em sua área condominial. — Foto: Fábio Tito/g1

PIU Vila Leopoldina prevê a reforma do conjunto habitacional Cingapura Madeirite e o reassentamento da ocupação irregular que cresceu em sua área condominial. — Foto: Fábio Tito/g1

Fonte: G1

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