‘Não foi acidente, foi assassinato’, dizem pais e viúvo de Marina Harkot, 1 ano após motorista atropelar e matar ciclista em SP
Empresário José Maria Júnior é réu por homicídio, dirigir sob efeito de álcool e fugir sem socorrer a vítima. Ele responde em liberdade e deverá ser ouvido pela Justiça a partir do dia 24 de novembro. Família e marido da cicloativista falaram ao g1 sobre o atropelamento; veja vídeo.
1 ano do caso Marina Harkot
Um ano após a morte de Marina Kohler Harkot, os pais e o viúvo da ciclista estão convictos de que o motorista que a atropelou em São Paulo não cometeu um acidente, mas, sim, um assassinato (veja no vídeo acima).
“Brutal e desnecessário e estúpido atropelamento”, disse o oceanógrafo Paulo Garreta Harkot, de 61 anos, pai de Marina.
“Não é acidente, isso tem que ser punido. Atropelar ciclista não é acidente”, falou a bióloga Maria Claudia Kohler, de 57 anos, mãe dela.
“Marina foi assassinada por um motorista bêbado em altíssima velocidade”, afirmou o jornalista Felipe Burato, de 39 anos, sobre a esposa, que estudava maneiras de tornar o trânsito mais seguro e menos violento e, no entanto, se tornou mais uma vítima dele.
Socióloga, cicloativista e pesquisadora sobre mobilidade urbana, Marina tinha 28 anos quando foi atropelada e morta pelo empresário José Maria da Costa Júnior, na madrugada de 8 de novembro de 2020, na Zona Oeste da capital. Ele dirigia um Hyundai Tucson. Dentro do veículo, levava um casal de amigos.
Motorista José Maria fugiu após atropelar e matar a ciclista Marina Harkot em São Paulo — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Marina voltava sozinha para casa. Pedalava sua bicicleta pela Avenida Paulo VI, em Pinheiros. O atropelador não parou o carro para socorrer a vítima e se apresentou à polícia dois dias depois. Ficou em silêncio e em entrevista ao Fantástico alegou que não viu Marina e fugiu porque achou se tratar de um assalto.
“A gente não tinha noção do que pudesse ter acontecido. Da complexidade, se era um roubo, se era alguma coisa. Um assalto”, disse José Maria ao programa, no ano passado.
Vídeos e testemunhas, no entanto, reforçam a acusação do Ministério Público (MP), feita pelo promotor Fernando Cesar Bolque, de que José Maria bebeu antes de dirigir e guiava em alta velocidade. Atualmente ele tem 34 anos e responde em liberdade pelo crime de homicídio por dolo eventual, quando se assume o risco de matar. Ele também é acusado de dirigir sob efeito de álcool e fugir do local do acidente.
O motorista teve a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa por determinação da Justiça. Ele ainda está impedido de frequentar bares ou outros estabelecimentos que vendam bebida alcóolica.
Justiça
Marina Harkot usava a bicicleta como meio de transporte — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
No próximo dia 24, a Justiça realiza no Fórum Criminal da Barra Funda a primeira audiência do caso para começar a decidir se há indícios de crime contra o empresário. Se houver, o réu será levado a júri popular por homicídio, onde será julgado por sete jurados. Em caso de condenação, a pena pode chegar a 30 anos de prisão. https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
“Não há uma prova material de que o José Maria tenha ingerido bebidas etílicas naquele dia”, disse ao g1 José Miguel da Silva Júnior, advogado do empresário. Para o seu defensor, o crime deveria ser reclassificado como homicídio culposo, sem intenção de matar.
“A expectativa é muito alta em relação à audiência já que os fatos se deram há um ano. A ausência da Marina é sentida por todas e todos durante esse tempo todo e por não ter havido, ainda, a responsabilização do motorista, a angústia se torna maior”, falou a advogada Priscila Pamela Santos, que defende os interesses da família da vítima. “Ela se mostra essencial como resposta da sociedade que não aceita mais a utilização de veículos como armas e o privilégio dos carros em detrimento de vidas.”
“A gente quer justiça. Não que vá trazer nossa filha de volta, mas que sirva como exemplo de como não pode ser jamais, jamais a pessoa bêbada, em alta velocidade e que não socorre [a vítima de atropelamento]. Jamais pode acontecer”, falou Claudia.
‘Não foi acidente, foi assassinato’, dizem pais e viúvo de Marina Harkot, 1 ano após motorista atropelar e matar ciclista em SP
Os pais e o marido da ciclista disseram ainda ao g1 que, mesmo que José Maria seja punido por este crime na Justiça, o poder público ainda precisa criar políticas inclusivas para dar mais segurança a outras pessoas que usam bicicletas na cidade. https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
“O Brasil tem uma capacidade de destruir essas pessoas com potencial assim por destruição de políticas públicas arduamente construídas… por políticas genocidas”, comentou Paulo a respeito do fato de a prefeitura ter aumentado, desde 2017, a velocidade máxima de algumas vias de São Paulo. “Qual é a justificativa de se voltar a aumentar a velocidade?”
Felipe Burato e Marina Harkot com suas bicicletas estacionadas no Minhocão, em São Paulo — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
“Desde que começou a pandemia, o trânsito virou uma verdadeira selvageria”, afirmou Felipe. “Marina foi assassinada por um motorista bêbado. Não existe blitz lei seca.”
Desde a morte de Marina, o caso ainda repercute nas redes sociais, mobilizando ciclistas e provocando protestos pontuais nas ruas.
Maria Claudia Kholer e a filha, Marina Harkot — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Neste sábado (6), por exemplo, parentes e amigos de Marina a homenagearam com uma bicicletada que saiu do local onde ela foi atropelada até o Centro, onde morava. O movimento Pedale com Marina tem o objetivo de levar à frente os projetos da cicloativista.
“A bicicleta dela ficou… Tá, tá guardada numa garagem, assim. Não fiz nada ainda com ela. Eu quero. Enfim, ficou bem detonada, eu ainda não tive… eu, na verdade o que eu gostaria era arrumar a bicicleta e voltar a rodar com ela. Acho que é o que a Marina gostaria também”, lembrou Felipe.
Claudia e Paulo, pais de Marina, homenageiam filha [foto atrás deles] no local onde ela foi atropelada e morta em São Paulo — Foto: Kleber Tomaz/g1
As provas dos crimes
- A investigação da Polícia Civil concluiu que José Maria tomou bebida alcoólica momentos antes de dirigir e atropelar Marina. Vídeos de um bar registram que ele estava bebendo (veja foto abaixo). A comanda do estabelecimento informa que o motorista bebeu uísque.
No detalhe: José Maria aparece em bar na Zona Oeste de São Paulo momentos antes de atropelar e matar Marina Harkot — Foto: Reprodução/Câmera de segurança https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
- Outro vídeo registrou que, após atingir a vítima, o carro do empresário passou a 93 km/h numa via onde a velocidade máxima permitida é de 50 km/h (assista a seguir).
Câmera registra carro que atropelou ciclista na Zona Oeste de SP em alta velocidade
- Além de fugir sem prestar socorro à ciclista, o empresário tentou limpar o Hyundai para não deixar provas do atropelamento. Vídeo de um estacionamento mostra José Maria guardando o automóvel, com o pára-brisa trincado. O veículo foi encontrado um dia depois pela polícia (veja abaixo).
Vídeo mostra motorista que atropelou e matou ciclista em SP chegando a estacionamento
- Mais filmagens de um prédio mostram o motorista conversando com um casal de amigos que o acompanhava dentro do carro no momento em que atropelou a socióloga. Em uma das imagens, ele é visto rindo no elevador (assista abaixo).
Motorista bebeu antes de atropelar ciclista em SP
Amigos acusados de omissão
Já os dois amigos que estavam com José Maria no carro no momento do atropelamento de Marina, foram acusados pelo MP de omissão de socorro. A estudante Isabela Serafim e o auxiliar de escrevente de cartório Guilherme Dias da Mota, ambos de 21 anos, respondem ao crime em liberdade, mas em outro processo, por decisão da Justiça.
A audiência deles ainda não foi marcada pela Vara do Juizado Especial Criminal, onde um juiz julga diretamente crimes de menor potencial ofensivo. Se houver condenação, a pena para o crime de omissão não ultrapassa dois anos de prisão. Neste caso, a punição costuma ser convertida em prestação de serviços à comunidade.
Morte de cicloativista completa 1 ano https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Quando falaram no 14º Distrito Policial (DP), em Pinheiros, Isabela e Guilherme confirmaram que o motorista havia bebido no bar e depois dirigiu. Os dois, no entanto, alegaram que também não viram o atropelamento.
O g1 não conseguiu localizar as defesas de José Maria, Isabela e Guilherme para comentarem o assunto até a última atualização desta reportagem.
Socióloga e cicloativista
Marina Harkot na infância, com sua primeira bicicleta. — Foto: Reprodução/TV Globo
Socióloga formada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Marina tinha ainda o título de mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP com a dissertação “A bicicleta e as mulheres: mobilidade ativa, gênero e desigualdades socioterritoriais em São Paulo”.
Ela também era pesquisadora do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), na FAU-USP, onde fazia doutorado na área de planejamento urbano e regional. Atuou ainda como consultora em planejamento urbano, elaborando planos diretores municipais e políticas inclusivas para mulheres.
Sala Marina Kohler Harkot é inaugurada na USP em homenagem à ciclista — Foto: Reprodução/Instagram https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Na sexta-feira (5) a FFLCH-USP inaugurou a sala Marina Kohler Harkot em homenagem à ciclista.
“É um lugar de encontro dos mais diversos conhecimentos, um espaço para criar novas formas de resistência e mecanismos para uma sociedade mais humana”, informa a página oficial do Centro Acadêmico do curso de Ciências Sociais da USP no Instagram. “A sala cria a memória de Marina, que acreditava em uma sociedade mais igualitária e justa, e faz com que lembremos que a luta por direitos deve ser constante.”
Defensora do ciclismo urbano, Marina participou do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito da cidade de São Paulo e foi membro da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade).
Manifestantes fizeram bicicletada no último sábado (6) para homenagear Marina Harkot; eles saíram de Pinheiros, onde ela foi atropelada e foram até a Avenida Paulista, no Centro — Foto: Divulgação/Pedale como Marina
Fonte: G1