Hepatite A: casos têm tendência de alta na cidade de SP
204 novos registros foram confirmados somente este ano. Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa) diz que permanece monitorando a situação. Governo encerrou campanha de vacinação para gays, homens que fazem sexo com homens (HSH), travestis e pessoas trans, que foi iniciada após o surto de 2018.
O vírus da Hepatite A (HVA) causa inflamação aguda no fígado e é a forma mais comum de hepatite viral. — Foto: Alain Grillet-Sanofi Pasteur
Desde o ano passado, a cidade de São Paulo tem enfrentado um aumento de casos confirmados de hepatite A, doença que causa uma inflamação do fígado. Em 2022, foram registrados 165 casos, e até o momento em 2023, já são 204 ocorrências.
Esses números superam a média de casos que era observada antes da epidemia de 2017 e 2018 (veja gráfico abaixo). Naquela época, o surto de hepatite A na capital paulista estava principalmente associado à prática sexual desprotegida, incluindo sexo oral e anal, bem como à ingestão de alimentos e água contaminados.
Durante esse período, a maioria dos casos ocorreu em homens com idades entre 18 e 39 anos, representando cerca de 80% das infecções. Em resposta a essa situação, a prefeitura, em colaboração com o governo estadual, lançou uma campanha de conscientização direcionada a grupos específicos: gays, homens que fazem sexo com homens (HSH), travestis e pessoas trans.
Agora a situação parece se repetir com o mesmo público de 2017/2018, mas com um diferencial: a campanha de vacinação priorizando esse grupo já não existe mais.
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Dados recentes da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa) de São Paulo indicam que, no período de 2022 a 2023, a hepatite A vem afetando novamente homens (70,8%) entre 19 e 40 anos (67,5%).
O programa ‘piloto’
Esse aumento recente preocupa médicos infectologistas ouvidos pelo g1, que também questionam o encerramento da iniciativa de vacinação entre a prefeitura e o governo do estado.
Na época de lançamento, o governo estadual chegou até mesmo classificar a ação na capital como um “projeto piloto” para ampliar a recomendação da vacinação contra a doença para essa população vulnerável.
No entanto, o programa foi encerrado e gays, HSHs, travestis e pessoas trans não estão mais contemplados na estratégia municipal.
“O programa pode ser temporário, a doença que não é”, diz a médica infectologista Mafê Medeiros.
Ela avalia como “péssimo” o encerramento da iniciativa e ressalta que, embora a vacina esteja no Programa Nacional de Imunizações (PNI) desde 2014 com uma dose aos 15 meses de idade, suficiente para conferir imunidade protetora, algumas pessoas terminam não tomando o imunizante quando jovens.
Assim, isso representa um risco, especialmente para quem está envolvido em práticas sexuais orais-anais.
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“Antigamente, quando o saneamento básico era precário, a população era exposta a esse vírus desde a infância, desenvolvendo anticorpos naturais. No entanto, com a melhora do saneamento, as pessoas não são mais expostas e não desenvolvem imunidade natural. Isso afeta principalmente as pessoas nascidas a partir da década de 90, que não foram vacinadas na infância”, diz.
No seu último boletim, a Covisa menciona, porém que até o momento, não foi identificada uma fonte de contaminação comum entre os casos notificados este ano, e que a sua equipe técnica continua monitorando atentamente a situação.
Postagem da Coordenadoria de IST/Aids da Cidade de São Paulo anunciando a campanha em 2018. — Foto: Coordenadoria de IST/Aids da Cidade de São Paulo
Entretanto, o mesmo documento destaca que a comunicação de várias doenças de notificação compulsória, incluindo a hepatite A, diminuiu significativamente em 2020 e 2021 devido ao impacto da pandemia de Covid-19.
Posteriormente, houve também um esforço para monitorar e notificar casos de hepatite aguda de origem desconhecida, o que pode ter resultado no diagnóstico de muitos casos como hepatite A.
Em nota, as secretarias municipais e estaduais de Saúde informaram ainda que instituíram a campanha de imunização em caráter temporário, finalizado em 2020, “em decorrência do cenário epidemiológico à época” (veja as notas completas ao final do texto).
No entanto, infectologistas ouvidos pelo g1 também informaram que a vacina contra a hepatite A estava disponível até o ano passado na cidade de São Paulo para gays, HSH, travestis e pessoas trans.
O que explica o aumento?
Essa tendência de concentração de casos em adultos jovens tem sido observada em países de baixa endemicidade, como na Europa, Estados Unidos, Japão e Chile, desde a década de 1970.
No Brasil, conforme explica o médico infectologista Alberto Santos Lemos, pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Imunização e Vigilância em Saúde do INI/Fiocruz, as grandes capitais seguem esse mesmo padrão, o que é atribuído, em parte, à prática do sexo oral-anal, que é mais comum entre pessoas gays e trans e aumenta a vulnerabilidade à hepatite A.
No entanto, ele diz que os dados ainda são muito preliminares para que se conclua algo de forma mais incisiva.
“Sabemos que está havendo predominância de casos no sexo masculino e na faixa etária de 19 a 40 anos, um padrão semelhante ao verificado no surto de 2017. Isso até pode indicar uma hepatite relacionada à prática do sexo oral-anal, mas não encontrei dados abordando essa questão”, diz.
Aliado a isso, conforme explicou o alerta epidemiológico divulgado em 25 de setembro pela Covisa, até essa data, não havia sido constatado na capital um aumento nos resultados positivos nos testes de diagnóstico da hepatite A nos principais laboratórios da cidade de São Paulo, sejam eles de caráter público ou privado.
Por outro lado, a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) revelou recentemente um aumento significativo nos diagnósticos de hepatite A no Brasil em 2023. De janeiro a junho deste ano, os casos positivos aumentaram em impressionantes 56,2% em comparação com o mesmo período de 2022.
Essa análise se baseou em dados de 60% dos laboratórios privados do país. Até o momento, os centros de diagnóstico já registraram 1.567 casos positivos de hepatite A, em contraste com os 1.003 casos no primeiro semestre do ano anterior.
“Ao tratarmos com dados de vigilância, estamos sempre olhando o passado, sempre atrasados. Os números dependem do registro de fatos ocorridos no passado. Só nas próximas semanas poderemos saber com certeza, se realmente há ou não um aumento do número de casos de hepatite A no município”, alerta Santos Lemos.
Entenda a hepatite A
1. O que causa a doença?
A hepatite A é causada por um vírus chamado HAV, que se espalha através de fezes contaminadas. O vírus provoca inflamação no fígado e é transmitido quando alguém não infectado ingere alimentos ou água contaminados pelas fezes de uma pessoa infectada.
Ao contrário das hepatites B e C, a hepatite A não causa doença crônica no fígado, mas pode levar a sintomas debilitantes e, raramente, a uma forma grave chamada hepatite fulminante, que pode ser fatal.
De acordo com a OMS, em 2016, 7134 pessoas morreram de hepatite A em todo o mundo, representando 0,5% das mortes relacionadas à hepatite viral.
“O VHA é uma importante causa de hepatite aguda em todo o mundo, sendo responsável por cerca de 1,4 milhões de casos sintomáticos por ano, dos quais aproximadamente 35 mil evoluem para óbito”, diz Santos Lemos.
Em resumo, como destaca o NHS, o serviço de saúde britânico, a hepatite A pode ser contraída por:
- Consumo de água não tratada ou contaminada.
- Ingestão de alimentos que tenham sido lavados ou cultivados com água contaminada.
- Consumo de alimentos que tenham sido manuseados por uma pessoa infectada.
- Contato físico próximo com uma pessoa infectada, incluindo relações sexuais e compartilhamento de agulhas para uso de drogas.
2. Quais são os seus sintomas?
Os sintomas da hepatite A geralmente aparecem algumas semanas após a infecção pelo vírus. No entanto, nem todas as pessoas infectadas desenvolvem sinais do tipo. Se ocorrerem sintomas, eles podem incluir:
- Cansaço e fraqueza incomuns
- Náuseas súbitas, vômitos e diarreia
- Dor ou desconforto abdominal, especialmente no lado direito superior, abaixo das costelas, onde fica o fígado
- Fezes de cor acinzentada ou esbranquiçada
- Perda de apetite
- Febre leve
- Urina escura
- Dor nas articulações
- Amarelamento da pele e dos olhos (icterícia)
- Coceira intensa
Esses sintomas podem ser relativamente leves e costumam desaparecer em algumas semanas.
3. Como posso me prevenir?
A melhor maneira de prevenir a hepatite A é através da vacinação.
Além disso, você pode reduzir o risco de contrair a doença lavando as mãos regularmente, praticando sexo seguro, evitando compartilhar agulhas ou seringas e tomando precauções ao consumir alimentos e água, especialmente em áreas onde a hepatite A é comum.
Lembre-se de não preparar alimentos ou bebidas para outras pessoas enquanto estiver doente para evitar a propagação da doença.
4. E quem pode tomar a vacina no SUS?
Na rede pública, a vacina contra hepatite A é administrada no calendário infantil, com uma dose aos 15 meses de idade, podendo ser dada a partir dos 12 meses até os 5 anos incompletos.
De acordo com o Ministério da Saúde, para pessoas com mais de 1 ano de idade e condições médicas específicas, a vacina está disponível em duas doses, com um intervalo mínimo de 6 meses, nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE). Essas condições incluem hepatopatias crônicas, doenças hematológicas, HIV, tratamento imunossupressor, transplantes e doadores de órgãos.
O que dizem os citados
- Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo
A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) informa que segue as orientações do Plano Nacional de Imunizações (PNI) para a aplicação das vacinas contra a hepatite A. Os imunizantes estão disponíveis nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos municípios para administração em crianças de 15 meses de idade, podendo ser aplicada até os quatro anos, 11 meses e 29 dias, aos casos que perderam a oportunidade de receber na idade recomendada.
Conforme preconizado pelo Ministério da Saúde (MS), a vacinação também ocorre em grupos específicos de pessoas que possuam situações clínicas especiais, nos Centros de Recomendação para Imunobiológicos Especiais (CRIE). Os CRIEs estaduais estão abastecidos com o imunizante.
A campanha específica, promovida em 2018, ocorreu em virtude da situação epidemiológica da enfermidade. Ela teve caráter temporário e foi pactuada entre MS, SES-SP e prefeitura de São Paulo.
- Secretaria de Saúde do Município de São Paulo
A Secretaria Municipal da Saúde (SMS), por meio da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), esclarece que a disponibilização da vacina hepatite A na capital paulista para gays, homens que fazem sexo com homens (HSH), travestis e pessoas trans segue as diretrizes da nota informativa nº 10/2018-Covig/CGVP/DCCI/SVS/MS. O documento instituiu a imunização em caráter temporário, finalizado em 2020, em decorrência do cenário epidemiológico à época.
Na cidade de São Paulo, o imunizante está disponível nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Cries) e nos Serviços de Atenção Especializada (SAEs) para condições clínicas específicas como: portadores do vírus da hepatite B ou C; coagulopatias; pessoas vivendo com HIV/Aids; pessoas com doenças imunodepressoras; doenças de depósito; fibrose cística (mucoviscidose) e trissomias.
Cabe informar que a vacina também é indicada aos candidatos a transplante de órgão sólido e células-tronco hematopoiéticas, aos pacientes já transplantados, assim como aos doadores de órgão sólido ou de células-tronco hematopoiéticas cadastrados em programas de transplantes.
Já para o público infantil, a SMS segue o calendário vacinal do Programa Municipal da Imunização (PMI), disponível no link.
Fonte: G1