Secretaria da Educação de SP diz que psicólogos prometidos há cinco meses começam a trabalhar nesta segunda na rede estadual
Medida foi anunciada após atentado a faca na Escola Estadual Thomazia Montoro, na Zona Oeste, em março. Governo, entretanto, alegou demora nos processos de licitação, mas não esclareceu como e de que forma profissionais irão atuar.
Escola em SP alvo de ataque a faca está sem psicólogos 5 meses após atentado; governo prometeu apoio
A Secretaria da Educação disse que os psicólogos prometidos pelo governo há cinco meses devem começar os atendimentos nas escolas estaduais de São Paulo nesta segunda (28).
“Os primeiros 368 profissionais já estão reunidos com os dirigentes regionais de ensino para compreender quais são as necessidades da rede, a fim de identificar os casos prioritários para atendimento, e definir as escolas que serão visitadas. Ao longo do dia, os psicólogos realizarão visitas às unidades de ensino, dando continuidade a esse processo de atendimento que se inicia nesta segunda-feira”, afirmou a pasta em nota.
Ainda de acordo com a secretaria, os outros182 profissionais previstos começarão a trabalhar nas próximas semanas.
A medida foi anunciada após o atentado a faca na Escola Estadual Thomazia Montoro, na Zona Oeste, em março, mas permanecia da promessa e no papel.
Na semana passada, reportagem do g1 mostrou a falta de assistência aos estudantes e educadores. Professoras que foram vítimas do ataque, relataram no dia 23 de agosto que não havia psicólogos disponíveis no local.
Tarcísio tinha anunciado a contratação de 550 profissionais e de empresas de segurança privada para atuar nas escolas estaduais. A previsão era a de que os psicólogos iriam começar entre junho e agosto.
Licitação
A gestão Tarcísio alega que a demora na contratação ocorreu por conta dos períodos do processo de licitação.
“A gente teve um conjunto de psicólogos que já estava no dia seguinte [do atentado] à disposição de toda a equipe, houve uma medida imediata dentro da escola para atender alunos e professores. Esse processo durou todo o primeiro semestre, ao passo que começamos a discutir um novo termo de contrato”, disse Vinicius Mendonça Neiva, secretário executivo da Seduc
“O processo de contratação é um processo que demanda um conjunto de etapas, demanda conjunto de prazos que são prazos legais e a gente não consegue encurtar. A gente deu atendimento todos os dias desde o atentado até o encerramento do semestre. A nossa intenção era de colocar profissionais atuando dentro das escolas em agosto, mas em virtude de alguns prazos do processo de contratação acabou demorando esses 20 e poucos dias a mais”, completou.
Psicólogos insuficientes para atender a rede
Para Valeria Campinas Braunstein, psicóloga, professora e conselheira do Conselho Regional de Psicologia, o número de psicólogos anunciado pela gestão Tarcísio não é suficiente para atender a rede estadual, além disso, o profissional precisaria de toda uma equipe para atender a comunidade escolar.
“Primeiro que essa contratação demorou para acontecer, né. Primeiro que esse profissional precisa de uma equipe, sozinho ele não vai dar conta da demanda, seja uma equipe com profissionais da assistência que é o ideal e um outro colega. Ele vai ser responsável por atender uma mini rede de escolas, se cada escola de porte médio tem cerca de 250 alunos ele não vai dar conta”, afirma.
A rede estadual de ensino tem cerca de 5 mil escolas.
“Tem também a qualidade de trabalho. Esse psicólogo ou ele entra para somar ou ele entra para dividir toda a tristeza que acontece dentro da escola. Se for psicólogos dessa ordem que eles estão colocando aqui [no edital] 550, deveria ser 1.100 por 6 horas cada um”, completa.
Ainda segundo a profissional, alunos e funcionários da Thomazia tinham que ter sido atendidos de forma contínua.
“De fato, uma pessoa que precisava ter sido cuidada — e não uma vez por semana, talvez. O profissional precisava ter avaliado e talvez ela precisasse, primeiramente, ter um auxílio diário, três vezes por semana, duas vezes por semana, até que o psicólogo conseguisse trabalhar com ela neste caso, porque realmente é uma pessoa que me pareceu muito mobilizada, traumatizada”.
“É muito séria a falta de cuidado numa situação traumática, seja ela individual ou coletiva, porque as consequências disso vão se desenrolando no decorrer da vida”, continua.
Professores relatam falta de atendimento
“A maioria das pessoas da escola não tem atendimento psicológico. O Conviva, que era uma parte importante, mesmo que online, também não existe [na Thomazia]”, afirma a professora Ana Célia da Rosa, de 58 anos, uma das vítimas do ataque e a última a ter alta.
Ana foi encaminhada para o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Butantã assim que retornou para as aulas. Segundo ela, quem precisar de atendimento psicológico na escola deve procurar atendimento no SUS.
Questionário feito pelo governo após o ataque indicou que a maioria dos alunos apontou como prioridade número 1 a visita regular de psicólogos às escolas (leia mais abaixo).
Em nota, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) alegou que os profissionais do Conviva continuam realizando visitas e acompanhamentos semanais na escola, no atendimento aos professores, alunos, equipe escolar e comunidade que queira participar.
O texto ainda afirma que o processo de contratação dos psicólogos foi concluído em agosto. Os primeiros 368 profissionais iniciarão os atendimentos nesta segunda-feira (28).
A pasta diz trabalhar para que os 182 restantes comecem suas atividades nas próximas semanas.
Sobre a reposição das aulas, o cronograma foi elaborado para cumprir os 200 dias letivos, conforme estipulado pela LDB e pela resolução SEDUC 95.
‘A gente se sente órfão do estado’
A professora Rita de Cássia Reis — Foto: Reprodução/TV Globo
Rita de Cássia, de 67 anos, também foi esfaqueada em março. A professora de História levou 30 pontos no braço e não conseguiu retornar à sala de aula desde então.
“A gente se sente órfão do estado. Acho que é esta a palavra. Órfão. Você não tem quem buscar, quem procurar”, lamentou.
A docente disse que teve crises de pânico nas duas vezes que tentou voltar à escola. Na primeira vez, não conseguiu ficar de costas para a turma: “Tinha a impressão de que um aluno viria correndo e me atacaria pelas costas”.
Na segunda tentativa, Rita conta que recebeu um papel com o desenho de uma pessoa segurando uma faca: “Já foi um outro gatilho. Nesse dia, felizmente tinha uma psicóloga da USP. Eu falava: ‘Não me larga, não deixa chegar perto de mim'”.
Para Ana Célia, a comunidade escolar foi abandonada pela Secretaria da Educação. “Deram apoio só nos primeiros dias. Estamos jogadas às traças.”
Professora Ana Célia da Rosa, uma das vítimas do ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro, em SP — Foto: TV Globo
Estudantes relatam falta de apoio psicológico
O g1 esteve na Thomazia Montoro e conversou com estudantes da escola. Eles disseram que psicólogos estiveram na unidade de ensino, mas foram embora há meses.
“[No dia do ataque] a gente estava no meio da aula, aí o povo do 8º B começou a correr. A gente pensou que era algum bicho. A professora [Rita] saiu com o braço sangrando. Fechamos a porta e ficamos esperando a polícia pegar ele. Foi difícil voltar para a escola”, afirmou um aluno de 14 anos.
“A gente tinha um psicólogo para conversar sobre as coisas que estavam acontecendo, algumas pessoas choravam quando falavam sobre o atentado. Depois que passou, alguns psicólogos vieram para conversar com as pessoas, com os alunos, mas faz um tempo já que não tem mais. Aquele negócio foi triste, se tivesse mais psicólogo, ia estar melhor.”
Uma aluna de 14 anos também disse que a escola não teve apoio suficiente. Ela estava na sala vizinha à que aconteceu o ataque.
Em conversa com o g1, outro aluno de 14 anos chegou a afirmar que o apoio psicológico recebido foi suficiente. “Deram bastante ajuda pra gente, começaram a fazer tratamento aqui na escola, acabou que melhorou bastante.”
No entanto, após alguns segundos de diálogo, ele relembrou um episódio recente: “Mas ainda tem umas pessoas abaladas. Eu mesmo fico às vezes. São Paulo inteira deu aquele apagão. A escola ficou no maior escuro, começou uma gritaria, todo mundo se trancou”.
“Uma coisa que eu queria mesmo desse governador… por que pegou metade das nossas férias pra colocar nesse negócio [dias de recesso após o atentado], sabe? Pra mim, ele tinha que ter mais um pouco de coração, né? Deixar a gente mais de férias. É a maior injustiça, o cara vai lá, pega nossas férias e coloca nesse negócio.”
Governo de SP vai contratar psicólogos e empresas de segurança privada para escolas
À época, o secretário estadual da Educação, Renato Feder, disse que a ideia era que todas as unidades escolares do estado – incluindo a Thomazia Montoro – recebessem visitas semanais de psicólogos:
“A gente acredita que, se o psicólogo visitar a escola uma vez por semana, é um bom começo, se precisar mais, a gente aditiva, a gente acrescenta mais”, disse Feder na ocasião.
No primeiro dia de aula após o ataque, professores e alunos foram recebidos no local por psicólogos. A meta era que os atendimentos seguissem durante a primeira semana para identificar adolescentes que precisariam de cuidado e atenção. No entanto, segundo professores, o apoio recebido foi apenas de um grupo de estudos da USP, que teve fim em junho.
Viver com medo
O medo relatado pelas professoras também é sentido pelos alunos. Três estudantes que conversaram com o g1 disseram que, há uma semana, quando o país sofreu um apagão, caiu a energia na escola, e algumas pessoas entraram em pânico.
“Ainda tem muitas pessoas abaladas, eu mesmo fico. Na semana passada, que teve um apagão, a escola ficou completamente no escuro, nesse dia todo mundo começou a gritar e se trancou nas salas por medo. Não tem mais viaturas por aqui, para mim tinha que ficar até o final do ano, para começar a se sentir mais seguro, porque, com certeza, se tivesse polícia no dia do apagão a gente não teria entrado em pânico,” disse um deles.
“Vai fazer 5 meses, muito pouco tempo. Eu estou tentando ficar bem. Se eu falar que não tenho medo, vou estar mentindo, tem dia que me dá um negócio, um medo. Mas eu não posso, eu não posso deixar o medo tomar conta. Eu tenho que trabalhar, eu preciso trabalhar”, afirma a professora Ana Célia.
Questionário
Questionário enviado à comunidade escolar em SP — Foto: Ana Carolina Moreno/TV Globo
Entre 4 e 10 de abril deste ano, uma semana após o ataque na Escola Estadual Thomazia Montoro, a Secretaria Estadual da Educação fez circular um questionário online para ouvir a comunidade escolar sobre as necessidades para reformar a saúde mental e a segurança nas escolas.
Apesar do pouco tempo em que ficou aberto – menos de seis dias inteiros -, o questionário recebeu mais de 25 mil respostas. Uma das perguntas pediu para estudantes e professores indicarem a prioridade de cada serviço específico.
- A visita regular de psicólogos às escolas foi a medida que mais pessoas defenderam como sendo a mais importante de todos;
- Quase metade delas (48%) disseram que, de todos os serviços, “ter psicólogo visitando com regularidade e presencialmente as escolas” deveria ser a prioridade número 1;
- Em seguida ficou a opção de ter “presença de policial na escola”, com 27% elegendo esta como a prioridade número 1;
- Os demais serviços listados foram “ter professor de convivência em todas as escolas” (9%), “presença de segurança (desarmado) na escola” (8%) e “aprimorar o Conviva SP [Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar] e integração das áreas de saúde, assistência social e segurança pública” (3%).
O questionário também pediu para os respondentes indicarem o grau de importância de cada um desses serviços. Nesse caso, a visita regular do psicólogo e “reforçar as ações de saúde mental” na escola tiveram nota média de 4,82, em uma escola de 1 a 5.
Já a “atuação de Força Policial na porta e dependências da sua escola” teve a terceira nota média mais baixa, 4,31.
Fonte: G1