Educação

MP investiga site educacional do governo de SP por suspeita de enviar dados de alunos para empresas de publicidade


Sala de aula de escola em São Paulo.  — Foto: Reprodução/TV Globo

Sala de aula de escola em São Paulo. — Foto: Reprodução/TV Globo

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) abriu inquérito para apurar se um site de ensino do governo de São Paulo e de plataformas que prestaram serviço à secretaria da Educação coletaram dados pessoais dos estudantes durante a pandemia e enviou para empresas especializadas em publicidade.

Os casos foram denunciados pela ONG Human Rights Watch (HRW) e encaminhados ao MP-SP por deputados da oposição.

A promotora Sandra Lucia Garcia Massud, da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, determinou no dia 17 de agosto investigação para identificar se a Secretaria Estadual de Educação infringiu a Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD, e quebrou o direito à privacidade dos alunos.

Conforme denúncia da Human Rights Watch, a irregularidade teria ocorrido por meio do site da Secretaria da Educação, como Centro de Mídias da Educação de São Paulo (CMSP), e outras plataformas que prestaram serviço à Seduc.

A HRW apontou que os sites não monitoravam os estudantes “apenas” dentro das salas de aula virtuais, mas em todo o período em que eles navegavam pela internet, colhendo informações sobre a vida privada de crianças e adolescentes.

A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que “não firmou qualquer contrato ou manteve relação com as plataformas citadas. Os contratos assinados pelas gestões anteriores foram encerrados em 2021 e 2022.” O Centro de Mídias segue em vigor, mas “tem tratamento de dados reduzido somente ao necessário para prover a finalidade educacional”.

A denúncia aborda oito sites (edtech – education technology):

  • Centro de Mídias da Educação de São Paulo (Da Seduc)
  • Descomplica
  • Escola Mais
  • Explicaê
  • MangaHigh
  • Stoodi
  • DragonLern
  • Revisa Enem

Na ocasião da denúncia, as empresas vinculadas às plataformas negaram a prática.

Com base na pesquisa da HRW, a promotora Sandra Lucia Garcia Massud abriu o inquérito e deu 30 dias para a Seduc encaminhar cópia de documentos firmados com as empresas para verificar os contratos e se houve a coleta de dados, bem como seu repasse para as empresas de publicidade.

A HRW diz que, com as informações em mãos, as empresas de publicidade conseguem identificar como os estudantes podem ser influenciados e direcionar conteúdos e anúncios personalizados para cada um (entenda melhor abaixo). Ainda de acordo com o relatório, os estados e as empresas não “divulgaram plenamente as suas práticas de rastreamento, que permanecem invisíveis para usuários”.

Além dos sites de São Paulo, a denúncia também abarca o site da Secretaria da Educação de Minas Gerais (SEE-MG) “Estude em Casa”, que agora é chamado de “Se Liga na Educação”.

Responsável por encaminhar o pedido de investigação ao MP, o deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL) afirmou que deve ser investigada a relação da Secretaria da Educação de São Paulo com as empresas de tecnologia na educação tanto neste caso quanto na tentativa de adotar material 100% digital nas escolas.

“Na pandemia, tivemos a violação gravíssima de dados de crianças de adolescentes para uso publicitário. E agora, na atual gestão, temos os contratos suspeitos da Multilaser. Enquanto há apuração desse caso, defendemos o afastamento imediato de Renato Feder do cargo”, disse.

Site educacional de SP

A HRW informou que descobriu, em maio e novembro de 2022 e novamente em janeiro de 2023, que o site do Centro de Mídias da Educação de São Paulo “enviava dados dos usuários para duas empresas terceirizadas por meio de quatro rastreadores de anúncios, incluindo um script de rastreamento que poderia permitir a publicidade”.

Segundo a organização, a Secretaria da Educação de São Paulo não respondeu a quatro pedidos de esclarecimento e “continua endossando o uso de sete sites educacionais que coletam indevidamente dados pessoais de estudantes”.

Site do Centro de Mídias da Educação da Secretaria da Educação de São Paulo — Foto: Reprodução

Site do Centro de Mídias da Educação da Secretaria da Educação de São Paulo — Foto: Reprodução

Em nota enviada ao g1 à época da divulgação do estudo, a secretaria esclareceu que o “aplicativo do Centro de Mídias (CMSP) para plataformas Android/iOS/Web possui tratamento de dados reduzido somente ao necessário para prover a finalidade educacional pretendida” e que “todos os dados gerados são anonimizados e utilizados para a construção de políticas públicas voltadas aos próprios estudantes da rede”.

Além disso, a Seduc informou que “são utilizados mecanismos de segurança em conformidade com a LGPD para garantir a privacidade das informações pessoais e impedir vazamento de dados, com mecanismos de criptografia”.

“Todos os aplicativos parceiros da Seduc-SP têm que assinar um acordo de confidencialidade. A empresa que descumprir o acordo, poderá responder nos âmbitos civil, administrativo e criminal. A nova gestão da Secretaria da Educação de São Paulo conta com um time de tecnologia permanente que está revendo e aprimorando todos os sistemas da rede, de modo a corrigir eventuais falhas ou erros de desempenho ou segurança”.

Envio de dados viola privacidade, diz HRW

De acordo com a pesquisadora de direitos das crianças e tecnologia da HRW, Hye Jung Han, a maioria das empresas que recebeu os dados dos estudantes é especializada em publicidade comportamental. Elas analisam as informações para prever o que a criança pode fazer em seguida.

“Essas informações podem ser analisadas para adivinhar as características e interesses pessoais de uma criança e prever o que uma criança pode fazer a seguir e como ela pode ser influenciada. Alguns sites coletaram informações pessoais que uma criança digitou em um formulário, como nomes, números de telefone, endereços de e-mail e seu nível de escolaridade na escola, mesmo antes de a criança clicar em enviar”, explicou a pesquisadora de direitos das crianças e tecnologia da HRW, Hye Jung Han.

A Human Rights Watch (HRW) é uma organização não governamental que defende os direitos humanos em mais de 90 países. Para a HRW, a coleta dos dados e o direcionamento de publicidade para crianças e adolescentes “violam de forma inadmissível sua privacidade”.

“Essas empresas não responderam às nossas perguntas nem reconheceram o recebimento de dados de crianças. Eles não responderam se têm procedimentos para impedi-los de receber ou usar dados de crianças para publicidade comportamental. Sem proteções eficazes, essas empresas parecem usar os dados das crianças da mesma forma que usam os dados dos adultos”, disse Hye Jung Han.

Na avaliação da professora de Direito Civil e Tecnologia no Ibmec RJ, Chiara de Teffé, de forma geral, “não parece adequado” usar dados de crianças e adolescentes para fins de publicidade. Ela lembra que a Lei Geral de Proteção de Dados, em vigor desde 2020, estabelece que o tratamento de dados pessoais desse público deve ser realizado “em seu melhor interesse”.

“O melhor interesse é um princípio internacionalmente reconhecido, de forma que a criança e o adolescente têm que ser tratados com prioridade absoluta. Quando a gente fala de dados desses sujeitos, é obrigatório que haja políticas de proteção mais amplas”, afirmou.

A lei ainda estabelece que o tratamento de dados pessoais somente pode ser realizado mediante o “fornecimento de consentimento pelo titular”.

“[Para o tratamento de dados para publicidade], isso tinha que ter ficado muito claro nas políticas das plataforma, tinham que ter coletado um consentimento específico dos pais […] Nós temos leis suficientes para tratar a questão, mas é importante que haja maior rigor na aplicação da lei e na fiscalização”, disse a professora.

O que diz a Seduc

“A atual gestão da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) não firmou qualquer contrato ou manteve relação com as plataformas citadas. Os contratos assinados pelas gestões anteriores foram encerrados em 2021 e 2022.

Atualmente, os aplicativos que firmam parcerias com a Seduc-SP são obrigados a assinar um acordo de confidencialidade, sendo o descumprimento passível de responsabilização civil, administrativa e criminal.

A Secretaria ressalta o cumprimento integral a Lei Geral de Proteção de Dados e as boas práticas de segurança de informação. A Seduc-SP assegura ainda que tanto o portal quanto o aplicativo do Centro de Mídias SP (CMSP) possuem tratamento de dados reduzido somente ao necessário para prover a finalidade educacional pretendida e que nenhum dado ou informação de alunos ou servidores foi utilizada indevidamente.

Os contratos com a Multilaser foram estabelecidos durante a gestão anterior, em 2022, portanto sem envolvimento do atual Secretário. Desde sua posse em janeiro, Renato Feder deixou claro que nenhuma compra será feita com a referida empresa durante sua gestão.”

Fonte: G1

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