Folha de S. Paulo: O SUS pode ser o melhor sistema de saúde do mundo
Melhoria da Atenção Básica depende de investimentos em tecnologia e integração nacional
2023 será um ano duro para a saúde pública. A crise sanitária no território yanomami, os baixos índices de cobertura vacinal que alertam para o retorno de doenças já erradicadas, as sequelas no sistema deixadas pela pandemia e as enormes filas de espera reafirmam a necessidade de se fortalecer a atenção primária à saúde.
Sabemos que o caminho para isso, no longo prazo, é destinar mais recursos para o SUS. Mas enquanto isso não acontece, precisamos fazer o melhor uso possível dos recursos que já temos.
Nos últimos anos, o financiamento da atenção básica passou por profundas transformações que geraram lições importantes para o novo Governo Federal. Destaca-se a criação de incentivos financeiros da União para municípios com bom desempenho em indicadores relativos à saúde da mulher, saúde maternoinfantil, imunização e saúde de pessoas com doenças crônicas não transmissíveis.
Ter indicadores para acompanhar a oferta de cuidado para grupos prioritários, que necessitam de maior atenção da Atenção Primária à Saúde (APS), também tem facilitado a organização da rotina de trabalho dos profissionais do SUS. E isso não se restringe aos grandes centros urbanos.
Em municípios tão diversos quanto Bonfim, em Roraima, na fronteira com a Guiana, até São José do Herval, no interior do Rio Grande do Sul, vemos gestores analisando seus indicadores e adotando medidas eficazes e criativas para oferecer o melhor serviço para a população local.
Os indicadores também são úteis para a sociedade civil, que num cenário de desinformação e apagão de dados, pode acompanhar como estão os serviços de saúde no Brasil inteiro em iniciativas como a ferramenta impulsoprevine.org, idealizada pela ONG de saúde Impulso Gov, ou o IEPS Data, mantido pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).
Outro avanço foi a criação de incentivo financeiro ao cadastro de usuários, que permitiu vincular a população, por intermédio do registro detalhado, à equipe de atenção básica responsável por seu cuidado longitudinal. Conforme dados mais recentes do Ministério da Saúde, atualmente são 168,6 milhões de pessoas identificadas e vinculadas a equipes de saúde no país – 90% registradas pelo número do CPF. Tal avanço na ampliação e qualificação dos cadastros foi possível devido ao estímulo criado pelo programa federal.
É preciso reconhecer o que funcionou: de acordo com estudo recente do IEPS, a transição dos modelos de financiamento gerou uma redistribuição dos recursos entre os municípios, beneficiando os rurais e mais remotos, com maior número de beneficiários de programas sociais e com mais idosos e crianças vinculados às equipes de APS.
Porém, a mudança não foi acompanhada de um aumento relevante no custeio regular da APS. O estudo mostra que o que aumentou significativamente, mais precisamente 715% entre 2016 e 2022 contra 10% do custeio regular, foram os repasses extraordinários feitos por meio de emendas parlamentares, submetidas a escolhas de alocação diferentes daquelas definidas estrategicamente pelo Ministério da Saúde.
Há muito a melhorar. As mudanças necessárias incluem o investimento em saúde digital e integração de sistemas de informação para facilitar o registro e qualificação dos dados; a ampliação dos indicadores de desempenho monitorados e remunerados para que contemplem outros aspectos relevantes para a promoção à saúde integral da população; e a simplificação das regras da política, para que ela seja mais facilmente compreendida e implementada.
Também é importante que os municípios recebam apoio técnico para que possam compreender as novas regras, monitorar seus resultados, atingir as metas e assim oferecer um melhor serviço de saúde para os cidadãos e cidadãs brasileiras. As poucas organizações da sociedade civil que oferecem este apoio gratuitamente estão sobrecarregadas de tanta demanda: a Impulso Gov, por exemplo, tem mais de 370 prefeituras na fila de espera.
O mais urgente, agora, é o novo Governo Federal assumir o seu papel de articulação nacional e diálogo com os estados e municípios e seus representantes. Usando dados e tecnologia de forma inteligente será possível destinar os recursos já existentes do SUS para onde eles são mais necessários e onde geram mais impactos positivos: nas medidas de prevenção para quem mais precisa delas. Em 2023, teremos grandes desafios, mas também a oportunidade de fazer do SUS o melhor sistema de saúde do mundo.
Isabel Opice e João Abreu, mestres em Administração Pública pela Universidade de Harvard e fundadores da Impulso Gov, ONG que apoia governos municipais no uso de dados e tecnologia no SUS. Daniel Soranz, sanitarista, deputado federal e ex-secretário municipal de saúde do Rio de Janeiro.
Fonte: Folha de S. Paulo