Justiça de SP torna réu por lesão corporal médico acusado de deixar paciente iraniana cega após cirurgia plástica na barriga

Renato Tatagiba vai responder ao crime em liberdade. Shirin Saraeian perdeu visão total do olho esquerdo e parcial do direito após abdominoplastia e lipoescultura em 2021. Laudo do IML concluiu que há nexo causal entre a operação e a cegueira. Médico foi condenado no ES por erro médico. Defesa nega.


O médico Renato Tatagiba se tornou réu na Justiça de São Paulo acusado de deixar a paciente iraniana Shirin Saraeian cega após submetê-la a cirurgia plástica em 2021 — Foto: Reprodução/Redes sociais/TV Globo

O médico Renato Tatagiba se tornou réu na Justiça de São Paulo acusado de deixar a paciente iraniana Shirin Saraeian cega após submetê-la a cirurgia plástica em 2021 — Foto: Reprodução/Redes sociais/TV Globo

Justiça de São Paulo aceitou nesta semana denúncia do Ministério Público (MP) e tornou réu pelo crime de lesão corporal o médico acusado de deixar uma paciente iraniana cega após submetê-la a cirurgia plástica na barriga, em 2021. O caso foi revelado em setembro do ano passado pelo Fantástico.

Renato Tatagiba, de 50 anos, responde ao processo em liberdade. O MP acusou o médico de lesão corporal por dolo eventual, quando se assume o risco de machucar alguém. De acordo com a denúncia, o cirurgião plástico deixou a executiva Shirin Saraeian, de 41 anos, sem a visão total do olho esquerdo e parcial do direito depois de passar por abdominoplastia e lipoescultura.

A cirurgia foi realizada em 30 de abril do ano passado no Hospital Saint Peter, na Vila Clementino. A iraniana, que é naturalizada brasileira, pagou R$ 60 mil pela operação feita pelo médico que conheceu pelas redes sociais. Ela ficou internada até 1º de maio, quando teve alta médica.

De acordo com a acusação, Shirin ficou cega devido a uma “neuropatia óptica isquêmica”, uma lesão dos nervos ópticos causada pela obstrução do suprimento de sangue. O quadro é irreversível.

Documento acima mostra resultado de exame nos olhos de Shirin Saraeian. Visão esquerda ficou completamente comprometida. E a direita está parcialmente prejudicada. Áreas em preto representam a cegueira em cada um dos olhos — Foto: Reprodução

Documento acima mostra resultado de exame nos olhos de Shirin Saraeian. Visão esquerda ficou completamente comprometida. E a direita está parcialmente prejudicada. Áreas em preto representam a cegueira em cada um dos olhos — Foto: Reprodução

Laudo pericial do Núcleo de Clínica Médica do Instituto Médico Legal (IML) concluiu ainda que essa falta de circulação sanguínea ocorreu em razão de uma “anemia aguda”. Segundo os peritos, o doutor Tatagiba não diagnosticou essa condição porque deixou de dar assistência médica adequada a Shirin.

Segundo especialistas independentes ouvidos pelo Fantástico, Tatagiba não realizou novos exames após as alterações nos parâmetros médicos dela indicarem um alerta para a necessidade de testes complementares antes de receber alta.

Além disso, troca de áudios e mensagens de celulares entre a paciente e o médico mostram que, dois dias após a alta, ela o procurou, se queixando da perda da visão do olho esquerdo, mas ele demorou a orientá-la.

Paciente teve problema no nervo óptico após sofrer anemia em razão da cirurgia plástica — Foto: Reprodução/TV Globo

Paciente teve problema no nervo óptico após sofrer anemia em razão da cirurgia plástica — Foto: Reprodução/TV Globo

Quando respondeu, 15 horas depois, Tatagiba pediu para a paciente tomar alguns remédios e usar colírio, além de pedir que mantivesse contato com uma enfermeira dele e buscasse um oftalmologista.

Três dias depois disso, Shirin foi a um outro hospital, onde recebeu quatro bolsas de sangue para repor o que perdeu por causa da anemia. Lá, ela recebeu o diagnóstico de isquemia do nervo óptico. Seria algo como um “infarto” dessa região provocado pela falta de oxigênio e nutrientes, resultados de anemia aguda e pressão baixa no olho.

O IML entendeu que há nexo causal entre a cirurgia plástica feita por Tatagiba em Shirin e a cegueira que surgiu após a operação.

‘O dia é noite para mim’

Paciente perde a visão após cirurgia e acusa médico

“Noite é noite para mim. O dia é noite para mim também. Quando eu acordo, abro meus olhos, eu lembro que eu não tenho visão. É muito difícil para a mãe quando a criança chora: ‘Mami, eu quero isso’… Eu não posso fazer”, disse Shirin, em entrevista ao Fantástico.

“Eu vou provar que eu agi exatamente dentro dos parâmetros normais, do que se preza a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e o Conselho Federal de Medicina. Tanto que os parâmetros estavam normais durante a alta”, rebateu o médico ao ser ouvido no mesmo programa.

A Justiça de São Paulo, no entanto, não atendeu o pedido do Ministério Público para que Tatagiba tivesse o registro médico suspenso.

Promotora e advogado

Shirin Saraeian entre os dois filhos — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Shirin Saraeian entre os dois filhos — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

“Não é incomum cirurgiões plásticos responderem a processos, mas como os dele [Tatagiba], eu realmente nunca vi. Geralmente [há casos de paciente que] não fica satisfeita com o resultado, reclama da cicatriz, a maioria até improcedente, mas os casos dele são bem diferentes”, disse ao g1 a promotora Maria Fernanda de Castro Marques Maia.

Procurado para comentar o assunto, o advogado de Shirin, Rodrigo Martini, afirmou que mesmo a Justiça atendendo em parte o pedido da acusação, ele entende que a decisão foi importante para começar a julgar Tatagiba.

“Essa decisão refere-se ao recebimento de uma denúncia, cujo crime é lesão corporal gravíssima. É uma forma qualificada da lesão corporal”, disse Martini.

Além da esfera criminal, Shirin entrou com pedido de indenização por danos materiais e morais contra o médico em razão da cegueira irreversível que ficou após ser operada por ele.

O advogado Paulo Mariano de Almeida Júnior pede que a Justiça condene o cirurgião a pagar R$ 1,3 milhão a sua cliente, mais pensão mensal vitalícia a ela.

Renato Tatagiba tem mais de 164 mil seguidores nas redes sociais — Foto: Reprodução/Instagram

Renato Tatagiba tem mais de 164 mil seguidores nas redes sociais — Foto: Reprodução/Instagram

Tatagiba tem mais de 164 mil seguidores no Instagram. O Fantástico apurou ainda que ele responde a pelo menos 47 processos por erros médicos em pacientes em cinco estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia.

Em agosto, a Justiça do Espírito Santo condenou Tatagiba a pagar mais de R$ 130 mil de indenização por erro médico a uma paciente que em 2009 havia feito cirurgia plástica com ele para colocação de silicone nos seios.

Como a prótese de um dos seios saiu do lugar em 2011, ela voltou ao cirurgião, que diagnosticou o rompimento da prótese. Em 2012, ela foi operada novamente, mas notou que um seio ficou diferente do outro. Em 2019, ela sentiu dores novamente, procurou uma médica e ela encontrou pedaços de silicone fora da prótese no corpo da paciente.

A mulher entrou com um pedido de indenização na Justiça, que determinou o pagamento de R$ 80 mil por danos morais e R$ 50 mil por danos estéticos, além de pagar tratamento psicológico e nova cirurgia reparadora com outro médico.

O que diz a defesa

Renato Tatagiba é conhecido nas redes sociais como famoso cirurgião plástico. Acima aparecem próteses de silicone para seios em foto divulgada em seu Instagram — Foto: Reprodução/Redes sociais

Renato Tatagiba é conhecido nas redes sociais como famoso cirurgião plástico. Acima aparecem próteses de silicone para seios em foto divulgada em seu Instagram — Foto: Reprodução/Redes sociais

Procurado pelo g1 para comentar as denúncias contra Tatagiba, o advogado Celso Papaleo, que defende os interesses do cirurgião, falou que seu cliente é inocente da acusação de erro médico contra Shirin.

“Temos certeza de que durante a instrução criminal ficará provada a inocência do meu cliente. Não iremos comentar detalhes do processo tendo em vista que ele está tramitando em segredo de justiça”, falou Papaleo.

Sobre a condenação de Tatagiba pela Justiça do Espírito Santo, o advogado disse desconhecer o processo.

“Esse processo não estava sendo conduzido pelo meu escritório. Não tinha ciência da existência dele”, afirmou.

Fonte: G1

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