Unicef critica aprovação do homeschooling: crianças não são ‘objetos de propriedade dos pais’
Entidade cita preocupação com a fiscalização do modelo, impacto à saúde psicológica e segurança física de crianças e adolescentes. Projeto foi aprovado pela Câmara e segue para votação no Senado.
Câmara deve agilizar votação de projeto sobre educação domiciliar
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou nesta sexta-feira (20) uma nota em que critica a aprovação pela Câmara do projeto de lei que regulamenta a educação domiciliar no país. Segundo a organização, o modelo priva crianças e adolescentes do direito de aprender.
“Autorizar a educação domiciliar significa privar crianças e adolescentes do seu pleno direito de aprender. Família e escola têm deveres diferentes e complementares na vida de meninas e meninos. A família é o lugar do cuidado e de aprendizagens não curriculares, dentro de um ambiente privado. A escola é o lugar da aprendizagem curricular e é o principal espaço público em que o estudante interage com outras pessoas, socializa e aprende”, diz trecho da nota.
A entidade afirma ainda que “crianças e adolescentes são sujeitos de direito – e não objetos de propriedade dos pais” e que se preocupa com a aprovação do projeto que desobriga a presença da criança na escola se os pais e responsáveis optarem pelo modelo de educação domiciliar.
O Unicef é um braço da Organização das Nações Unidas (ONU) que trabalha pela garantia dos direitos das crianças e adolescentes pelo mundo, dando foco aos mais vulneráveis, especialmente aos que são vítimas de violência extrema.
Veja abaixo as críticas feitas pelo Unicef:
Fiscalização por conselheiros tutelares
Uma das críticas feitas pelo Unicef na nota é o repasse da responsabilidade de fiscalizar o ensino domiciliar aos conselheiros tutelares. O texto do projeto sugere que os profissionais verifiquem se e como as crianças e adolescentes em homeschooling estão aprendendo.
“A medida preocupa, uma vez que coloca a responsabilidade em profissionais que não têm formação para esse tipo de avaliação, e já têm uma série de outras atribuições”, diz o Unicef.
Impactos psicológicos
A entidade argumenta que a escola é um ambiente importante para a criança e adolescente, já que é onde aprendem a socializar e a conviver com as diferenças.
“Por mais que a criança tenha irmãos, esse convívio com colegas faz com que a criança desenvolva a capacidade de dialogar, conviver, respeitar em uma sociedade diversa e plural”, pondera na nota.
“A escola representa um lugar de interações sociais e aprendizagens pela convivência com a diversidade e o respeito à diferença; é ainda o lugar de formação da cidadania, de ampliação de experiências, de encontro com o outro.”
O Unicef destaca ainda o impacto negativo que a ausência prolongada de um local de convivência como a escola causou nos estudantes durante a pandemia, algo que pode ser intensificado com o homeschooling.
Riscos de violência
Outro ponto que preocupa a entidade é o risco de exposição à violência contra crianças e adolescentes na modalidade de ensino, assim como a inutilização da escola como um espaço de segurança para os alunos vítimas de violência.
O Unicef ainda lembra que grande parte da violência contra crianças e adolescentes acontece dentro de casa, com agressores conhecidos, e que estar na escola pode garantir à elas a convivência com adultos de confiança a quem podem pedir ajuda.
“Estar na escola, aprendendo, é um fator crucial de proteção. Crianças e adolescentes fora da escola ou com menos anos de estudo se tornam mais vulneráveis e vítimas da violência”.
Sobre o projeto de lei
O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na quinta-feira (19) um projeto de lei que autoriza o ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil. Atualmente, a prática não é permitida no país por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
O projeto ainda precisa ser analisado pelo Senado, onde poderá sofrer mudanças. Se for alterado, o texto volta à Câmara. Caso contrário, segue para sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro.
A educação domiciliar é uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores. O tema estava entre as metas prioritárias para os primeiros 100 dias de governo.
De acordo com o projeto em discussão, a família precisa preencher alguns critérios para adotar a modalidade, como um dos responsáveis ter ensino superior e não possuir antecedentes criminais.
Entidades do setor da educação têm criticado o projeto por entenderem que o foco do governo deve ser o ensino regular. Elas argumentam ainda que o texto aprovado pela Câmara é elitista e exclui famílias que não têm as mesmas oportunidades.
Fonte: G1