Mesmo com meta do governo, Brasil tem quatro a cada dez escolas públicas sem nenhuma matrícula em tempo integral
Mesmo com meta do governo, Brasil tem quatro a cada dez escolas públicas sem nenhuma matrícula em tempo integral
Além disso, o número de colégios com 100% dos alunos na modalidade ainda é reduzido, apesar de essa ser uma das principais apostas da atual gestão
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RESUMO
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Mesmo com a tentativa do governo federal de ampliar a oferta de ensino em tempo integral, quatro a cada dez escolas públicas do Brasil ainda não têm nenhuma matrícula nessa modalidade. De acordo com o Censo Escolar de 2024, são mais de 54 mil colégios, em um universo de 134.705 instituições de ensino, entre redes municipais, estaduais e federais. A maior parte das escolas nessa situação está vinculada às prefeituras, responsáveis por quase metade dos estudantes brasileiros e por 78% das unidades públicas
Além disso, o número de colégios com 100% das matrículas em tempo integral ainda é reduzido, apesar de essa ser uma das principais apostas da atual gestão para melhorar os índices de aprendizagem no país. Em 2022, antes do início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, eram 16.936 escolas com jornada totalmente integral. Em 2024, o total subiu para 21.068, um volume que representa apenas 15% do universo das instituições públicas de ensino.
A expansão desse formato é especialmente desafiadora para municípios com redes menores, avalia Catarina de Almeida, doutora em Educação pela USP e integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ela observa que a adoção do tempo integral exige mudanças estruturais no funcionamento das unidades e que, em muitos casos, o turno adicional não está vinculado a um projeto pedagógico consistente.
— Se eu tenho uma escola com 500 matrículas de manhã e à tarde, por exemplo, ela vai reduzir a capacidade de oferta pela metade, passando de mil alunos para 500. A infraestrutura, as condições do município e o esforço vão ser muito maiores — destaca a especialista. — Ter mais escolas em tempo integral exige mais profissionais, alimentação e investimento. Precisa oferecer outros atrativos para que os alunos se desenvolvam, além das aulas das disciplinas.
Escolas com jornada integral devem ofertar no mínimo sete horas diárias ou 35 horas semanais de atividades, enquanto as de tempo parcial funcionam, em média, por quatro horas. Para dar conta da ampliação, é preciso ir além do aumento da carga horária.
Procurado, o MEC disse que, desde o lançamento do Programa, tem fornecido assistência técnica e financeira a propostas pedagógicas alinhadas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “As matrículas na educação em tempo integral passaram de 18,2% em 2022 para 22,9% em 2024. Esse avanço reflete o impacto positivo do Escola em Tempo Integral e a ampliação dos repasses federais, com foco em matrículas de tempo integral. Apesar disso, reconhece que a política ainda enfrenta desafios para alcançar cobertura universal. Isso evidencia a necessidade de intensificar os esforços para garantir a equidade territorial da oferta”, afirmou o ministério.
Lançado em 2023, o Programa Escola em Tempo Integral já destinou mais de R$ 4 bilhões a estados e municípios. Os repasses, de até R$ 4 mil por aluno, são feitos a partir da adesão voluntária dos entes federativos. A meta do governo federal é alcançar 3,2 milhões de matrículas até 2026. No primeiro ciclo da política, executado entre 2023 e 2024, foram registradas 965.121 matrículas em tempo integral.
Os repasses previstos pelo Ministério da Educação são importantes para estimular a expansão do modelo, mas não cobrem integralmente os custos da implementação, afirmaram especialistas ouvidas pela reportagem. Na prática, os valores federais ajudam na ampliação, mas não garantem sua viabilidade plena.
O país ainda não cumpriu a meta prevista no Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece que 25% das matrículas da educação básica estejam em tempo integral até 2025, após ser prorrogado. Esse índice foi de 22,9% em 2024, e a expectativa do MEC é que o objetivo seja alcançado até o final do ano.
Na avaliação de Tássia Cruz, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) especializada em Economia da Educação, a universalização do tempo integral no Brasil esbarra em limitações estruturais. A rede pública convive com falta de capacitação de professores, infraestrutura e profissionais insuficientes e orçamentos apertados.
Cruz lembra que programas anteriores do governo federal, como o Mais Educação (criado em 2007, no governo Lula), enfrentaram problemas semelhantes. O tempo adicional que o aluno passava na escola, segundo ela, não era conduzido por professores nem articulado a uma estrutura curricular estendida, o que limitava os impactos pedagógicos esperados.
— Já aprendemos que isso não contribui para o aprendizado — afirma. — Hoje, a política (de matrículas integrais) caminha na direção certa. Porém, os problemas relacionados à formação docente e à valorização salarial permanecem. A precarização no tempo parcial continua também no tempo integral.
Outro obstáculo está fora do ambiente escolar: cerca de 10% dos jovens entre 15 e 17 anos estudam e trabalham, segundo dados do IBGE divulgados no ano passado. A dupla jornada dificulta a adesão de muitos estudantes ao tempo integral, afirmou Cruz.
Ela lembra ainda que o Plano Nacional de Educação prevê não apenas a expansão da jornada, mas também o aumento do número de matrículas totais, duas metas que, combinadas, geram tensões entre quantidade e capacidade de atendimento.
Fonte: OGlobo