Número de psicólogos em escolas de SP deveria ser o dobro, diz conselheira do Conselho Regional de Psicologia


Muro da Escola Thomazia — Foto: Reprodução/TV Globo

Muro da Escola Thomazia — Foto: Reprodução/TV Globo

O número de psicólogos disponíveis para atendimento presencial na rede estadual de educação em São Paulo deveria ser de 1.100 profissionais — e não de 550, como foi anunciado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc).

A avaliação é da psicóloga Valéria Campinas Braunstein, que é conselheira do Conselho Regional de Psicologia de SP e doutora em educação e saúde na infância e adolescência pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Nesta segunda-feira (28), 368 psicólogos começaram a frequentar escolas estaduais. Esses profissionais farão, inicialmente, uma imersão na rede escolar e, a partir de 4 de setembro, após as formações iniciais, passam a lidar diretamente com as comunidades escolares, informou a Seduc.

A previsão é de que os outros 182 profissionais, que completam os 550, comecem a trabalhar no próximo mês.

O governo diz que cada psicólogo deve atender oito escolas, em média. O número pode variar de acordo com a demanda e a quantidade de alunos de cada unidade de ensino.

Segundo Valéria, a carga horária de 30 horas semanais por psicólogo não será suficiente para atender a demanda da comunidade escolar.

“Um psicólogo para esta rede deste tamanho, neste momento, acho que não dá. Depois que as coisas se equilibram, você pode diminuir um pouco”, afirmou Valéria ao g1.

Nesta segunda, o g1 esteve na Escola Estadual Thomazia Montoro, alvo de ataque em março, e foi informado por professores e alunos que uma psicóloga esteve no colégio, mas não chegou a ser apresentada à comunidade escolar (leia mais abaixo).

Em nota, a Seduc informou que “368 psicólogos começaram a trabalhar para atender alunos e professores da rede estadual de ensino. Na E.E. Thomazia Montoro, nove professores e servidores foram atendidos nesse primeiro dia. Todos participaram de atividades em grupo sob a coordenação da profissional, que seguirá uma programação na unidade ao longo dos próximos dias a fim de ampliar os atendimentos”.

Disse ainda que “em relação ao atendimento na E.E Thomazia Montoro, esclarecemos que, desde o ataque no fim de março, equipes do Programa Conviva realizam visitas semanais a unidade para acolher e atender alunos, professores e servidores”.

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‘Dois psicólogos para cada escola’

“Teriam que ser dois psicólogos de 6 horas para cada escola, minimamente. Com toda essa demanda, quem vai ter um problema de afastamento de saúde mental será o psicólogo. Ou ele entra para somar ou ele entra para dividir toda a tristeza que acontece dentro da escola”, apontou Valéria.

A professora, que atua 8 horas por semana em uma escola particular de educação infantil, considera que sua carga ainda é baixa, mesmo se tratando de um público de classe média alta, “que tem rede própria de saúde, de assistência”.

Que dirá numa escola pública que já tem tantas questões, que carrega a nossa população mais vulnerável, todas as questões da própria escola… É de uma valentia o que eles fazem no dia a dia. Essa valentia não é nem bem remunerada nem reconhecida, muito menos cuidada”, destacou.

Ela defende, ainda, a contratação de profissionais de serviço social para atuação em conjunto com os psicólogos.

Escola Estadual Thomazia Montoro, na Zona Oeste de São Paulo — Foto: TV Globo

Escola Estadual Thomazia Montoro, na Zona Oeste de São Paulo — Foto: TV Globo

Suspensão precoce do atendimento psicológico na Thomazia Montoro

Para Valéria Braunstein, o atendimento psicológico de forma presencial na Thomazia Montoro não deveria ter sido suspenso em junho, pouco menos de três meses após o ataque.

“Deveria ter tido uma continuidade. Três meses me parece pouco. Você trabalha com a população e, dali, aumenta-se uma demanda. Essa demanda foi parar onde? Precisava imediatamente ter inserido psicólogo lá”.

“Cuida dessa escola. Depois, você diminui, fica um só, e aí vamos ver como vai funcionando a rede. Hoje em dia, é tratar de uma rede doente. Amanhã, manter essa rede saudável e, depois de amanhã, manter essa rede em prol do desenvolvimento humano. É isso que a gente precisa, né?”.

Valéria citou o exemplo da professora Rita de Cássia, uma das vítimas do ataque. Ela tentou voltar a lecionar, mas não conseguiu e, desde abril, está afastada da função.

“De fato, uma pessoa que precisava ter sido cuidada — e não uma vez por semana, talvez. O profissional precisava ter avaliado e talvez ela precisasse, primeiramente, ter um auxílio diário, três vezes por semana, duas vezes por semana, até que o psicólogo conseguisse trabalhar com ela neste caso, porque realmente é uma pessoa que me pareceu muito mobilizada, traumatizada”, apontou.

“É muito séria a falta de cuidado numa situação traumática, seja ela individual ou coletiva, porque as consequências disso vão se desenrolando no decorrer da vida”, continuou.

“Parece que a gente vai vivendo traumas e vai naturalizando esses traumas, isso é um perigo para a sociedade como um todo. Como a gente vai naturalizando essa situações… ‘Ah, aconteceu no Thomazia, aconteceu em Aracruz, em Montemor, então nós vamos aumentando a frequência dessas situações. Essas situações que deveriam ser vistas como uma tragédia, passam a ser vistas como naturalizadas, a ser olhadas pela população como não mais sendo algo traumático”.

‘Legislação não tem sido colocada em prática’

Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direitos da infância e juventude, informou que está em vigor a lei federal 13.935/2019, que prevê serviços de psicologia e de serviço social na rede pública de educação básica a fim de “atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais”.

No entanto, segundo o ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, a legislação não tem sido colocada em prática. “Precisam ser realizados concursos públicos nas redes municipais e estaduais para a contratação desses profissionais”, apontou ao g1.

Ariel também lembrou da lei federal 13.431/2017, que estabelece os direitos das crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.

O artigo 5º da lei, que está em vigor desde 2018, diz que que sua aplicação terá como base os direitos da criança e do adolescente a:

  • Receber assistência qualificada jurídica e psicossocial especializada, que facilite a sua participação e o resguarde contra comportamento inadequado adotado pelos demais órgãos atuantes no processo;
  • Ser assistido por profissional capacitado e conhecer os profissionais que participam dos procedimentos de escuta especializada e depoimento especial.

“Governos federal e estadual trataram do tema. De efetivo, nada”, concluiu Ariel.

Seduc diz que psicólogos prometidos há 5 meses começaram a atuar

A Secretaria da Educação informou que os psicólogos prometidos pelo governo há cinco meses começaram os trabalhos nas escolas estaduais de São Paulo nesta segunda-feira (28).

No entanto, o g1 esteve na Thomazia Montoro na tarde desta segunda e conversou com professores e alunos, que disseram que o atendimento não começou, de fato. Eles relataram que ficaram sabendo da presença de uma psicóloga na escola, mas não houve apresentação formal da profissional para docentes e discentes.

Segundo a Seduc:

  • Os primeiros 368 profissionais já estão reunidos com os dirigentes regionais de ensino para compreender quais são as necessidades da rede, a fim de identificar os casos prioritários para atendimento, e definir as escolas que serão visitadas.
  • Ao longo do dia [segunda-feira], os psicólogos realizarão visitas às unidades de ensino, dando continuidade a esse processo de atendimento que se inicia nesta segunda-feira;
  • Outros182 profissionais previstos começarão a trabalhar nas próximas semanas.

Os profissionais não farão um atendimento clínico dentro das escolas, eles atuarão em conjunto com professores orientadores de convivência diretores escolares para:

  • Elaborar e promover formações, orientações e dinâmicas com os profissionais da educação e estudantes a fim de prevenir e mitigar conflitos;
  • Atuar em caráter universal, com projetos que beneficiem toda a comunidade escolar;
  • Em caráter de exceção, eles estão autorizados a fornecer atendimento individualizado e, quando necessário, promover a orientação e encaminhamento para a rede protetiva, como unidades de saúde; e
  • Eles devem empregar somente métodos, técnicas e instrumentos de avaliação reconhecidos cientificamente na prática profissional e de acordo com as normativas e diretrizes do Conselho Federal de Psicologia.

Na semana passada, reportagem do g1 mostrou a falta de assistência aos estudantes e educadores. Professoras que foram vítimas do ataque relataram no dia 23 de agosto que não havia psicólogos disponíveis no local.

Licitação

A gestão Tarcísio alega que a demora na contratação ocorreu por conta dos períodos do processo de licitação.

“A gente teve um conjunto de psicólogos que já estava no dia seguinte [do atentado] à disposição de toda a equipe. Houve uma medida imediata dentro da escola para atender alunos e professores. Esse processo durou todo o primeiro semestre, ao passo que começamos a discutir um novo termo de contrato”, disse Vinicius Mendonça Neiva, secretário executivo da Seduc

“O processo de contratação é um processo que demanda um conjunto de etapas, demanda conjunto de prazos que são prazos legais e a gente não consegue encurtar. A gente deu atendimento todos os dias desde o atentado até o encerramento do semestre”.

“A nossa intenção era de colocar profissionais atuando dentro das escolas em agosto, mas, em virtude de alguns prazos do processo de contratação, acabou demorando esses 20 e poucos dias a mais”, completou Neiva.

Professores relatam falta de atendimento

“A maioria das pessoas da escola não tem atendimento psicológico. O Conviva, que era uma parte importante, mesmo que online, também não existe [na Thomazia]”, afirma a professora Ana Célia da Rosa, de 58 anos, uma das vítimas do ataque e a última a ter alta.

Ana foi encaminhada para o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Butantã assim que retornou para as aulas. Segundo ela, quem precisar de atendimento psicológico na escola deve procurar atendimento no SUS.

Questionário feito pelo governo após o ataque indicou que a maioria dos alunos apontou como prioridade número 1 a visita regular de psicólogos às escolas (leia mais abaixo).

Em nota, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) alegou que os profissionais do Conviva continuam realizando visitas e acompanhamentos semanais na escola, no atendimento aos professores, alunos, equipe escolar e comunidade que queira participar.

Sobre a reposição das aulas, o cronograma foi elaborado para cumprir os 200 dias letivos, conforme estipulado pela LDB e pela resolução SEDUC 95.

‘A gente se sente órfão do estado’

A professora Rita de Cássia Reis — Foto: Reprodução/TV Globo

A professora Rita de Cássia Reis — Foto: Reprodução/TV Globo

Rita de Cássia, de 67 anos, também foi esfaqueada em março. A professora de História levou 30 pontos no braço e não conseguiu retornar à sala de aula desde então.

“A gente se sente órfão do estado. Acho que é esta a palavra. Órfão. Você não tem quem buscar, quem procurar”, lamentou.

A docente disse que teve crises de pânico nas duas vezes que tentou voltar à escola. Na primeira vez, não conseguiu ficar de costas para a turma: “Tinha a impressão de que um aluno viria correndo e me atacaria pelas costas”.

Na segunda tentativa, Rita conta que recebeu um papel com o desenho de uma pessoa segurando uma faca: “Já foi um outro gatilho. Nesse dia, felizmente tinha uma psicóloga da USP. Eu falava: ‘Não me larga, não deixa chegar perto de mim'”.

Para Ana Célia, a comunidade escolar foi abandonada pela Secretaria da Educação. “Deram apoio só nos primeiros dias. Estamos jogadas às traças.”

Professora Ana Célia da Rosa, uma das vítimas do ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro, em SP — Foto: TV Globo

Professora Ana Célia da Rosa, uma das vítimas do ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro, em SP — Foto: TV Globo

Estudantes relatam falta de apoio psicológico

g1 esteve na Thomazia Montoro e conversou com estudantes da escola. Eles disseram que psicólogos estiveram na unidade de ensino, mas foram embora há meses.

“[No dia do ataque] a gente estava no meio da aula, aí o povo do 8º B começou a correr. A gente pensou que era algum bicho. A professora [Rita] saiu com o braço sangrando. Fechamos a porta e ficamos esperando a polícia pegar ele. Foi difícil voltar para a escola”, afirmou um aluno de 14 anos.

“A gente tinha um psicólogo para conversar sobre as coisas que estavam acontecendo, algumas pessoas choravam quando falavam sobre o atentado. Depois que passou, alguns psicólogos vieram para conversar com as pessoas, com os alunos, mas faz um tempo já que não tem mais. Aquele negócio foi triste, se tivesse mais psicólogo, ia estar melhor.”

Uma aluna de 14 anos também disse que a escola não teve apoio suficiente. Ela estava na sala vizinha à que aconteceu o ataque.

Em conversa com o g1, outro aluno de 14 anos chegou a afirmar que o apoio psicológico recebido foi suficiente. “Deram bastante ajuda pra gente, começaram a fazer tratamento aqui na escola, acabou que melhorou bastante.”

No entanto, após alguns segundos de diálogo, ele relembrou um episódio recente: “Mas ainda tem umas pessoas abaladas. Eu mesmo fico às vezes. São Paulo inteira deu aquele apagão. A escola ficou no maior escuro, começou uma gritaria, todo mundo se trancou”.

“Uma coisa que eu queria mesmo desse governador… por que pegou metade das nossas férias pra colocar nesse negócio [dias de recesso após o atentado], sabe? Pra mim, ele tinha que ter mais um pouco de coração, né? Deixar a gente mais de férias. É a maior injustiça, o cara vai lá, pega nossas férias e coloca nesse negócio.”

Governo de SP vai contratar psicólogos e empresas de segurança privada para escolas

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À época, o secretário estadual da Educação, Renato Feder, disse que a ideia era que todas as unidades escolares do estado – incluindo a Thomazia Montoro – recebessem visitas semanais de psicólogos:

“A gente acredita que, se o psicólogo visitar a escola uma vez por semana, é um bom começo, se precisar mais, a gente aditiva, a gente acrescenta mais”, disse Feder na ocasião.

No primeiro dia de aula após o ataque, professores e alunos foram recebidos no local por psicólogos. A meta era que os atendimentos seguissem durante a primeira semana para identificar adolescentes que precisariam de cuidado e atenção. No entanto, segundo professores, o apoio recebido foi apenas de um grupo de estudos da USP, que teve fim em junho.

Viver com medo

O medo relatado pelas professoras também é sentido pelos alunos. Três estudantes que conversaram com o g1 disseram que, há uma semana, quando o país sofreu um apagão, caiu a energia na escola, e algumas pessoas entraram em pânico.

“Ainda tem muitas pessoas abaladas, eu mesmo fico. Na semana passada, que teve um apagão, a escola ficou completamente no escuro, nesse dia todo mundo começou a gritar e se trancou nas salas por medo. Não tem mais viaturas por aqui, para mim tinha que ficar até o final do ano, para começar a se sentir mais seguro, porque, com certeza, se tivesse polícia no dia do apagão a gente não teria entrado em pânico,” disse um deles.

“Vai fazer 5 meses, muito pouco tempo. Eu estou tentando ficar bem. Se eu falar que não tenho medo, vou estar mentindo, tem dia que me dá um negócio, um medo. Mas eu não posso, eu não posso deixar o medo tomar conta. Eu tenho que trabalhar, eu preciso trabalhar”, afirma a professora Ana Célia.

Questionário

Questionário enviado à comunidade escolar em SP — Foto: Ana Carolina Moreno/TV Globo

Entre 4 e 10 de abril deste ano, uma semana após o ataque na Escola Estadual Thomazia Montoro, a Secretaria Estadual da Educação fez circular um questionário online para ouvir a comunidade escolar sobre as necessidades para reformar a saúde mental e a segurança nas escolas.

Apesar do pouco tempo em que ficou aberto – menos de seis dias inteiros -, o questionário recebeu mais de 25 mil respostas. Uma das perguntas pediu para estudantes e professores indicarem a prioridade de cada serviço específico.

  • A visita regular de psicólogos às escolas foi a medida que mais pessoas defenderam como sendo a mais importante de todos;
  • Quase metade delas (48%) disseram que, de todos os serviços, “ter psicólogo visitando com regularidade e presencialmente as escolas” deveria ser a prioridade número 1;
  • Em seguida ficou a opção de ter “presença de policial na escola”, com 27% elegendo esta como a prioridade número 1;
  • Os demais serviços listados foram “ter professor de convivência em todas as escolas” (9%), “presença de segurança (desarmado) na escola” (8%) e “aprimorar o Conviva SP [Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar] e integração das áreas de saúde, assistência social e segurança pública” (3%).

O questionário também pediu para os respondentes indicarem o grau de importância de cada um desses serviços. Nesse caso, a visita regular do psicólogo e “reforçar as ações de saúde mental” na escola tiveram nota média de 4,82, em uma escola de 1 a 5.

Já a “atuação de Força Policial na porta e dependências da sua escola” teve a terceira nota média mais baixa, 4,31.

Fonte: G1

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