Prefeitura de SP utilizou até agora apenas 4% da verba destinada ao combate a enchentes e alagamentos na cidade em 2023
De acordo com dados do Portal da Transparência da capital, entre 1º de janeiro e 14 de março deste ano, R$ 572,9 milhões foram empenhados, ou seja, liberados para serem utilizados para determinada finalidade, mas somente R$ 23 milhões (4%) foram liquidados, ou seja, quando o serviço realmente foi executado.
Vista de trecho interditado por alagamento no Elevado João Goulart, popularmente conhecido como Minhocão, na zona oeste de São Paulo — Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO CONTEÚDO
Fevereiro é conhecido por ser um mês com muita chuva, e o deste ano foi o terceiro mais chuvoso da história da cidade de São Paulo, e mesmo assim a prefeitura da capital utilizou, até agora, apenas 4% do valor destinado para ações de prevenção e combate a enchentes e alagamentos.
A cidade vive seu melhor momento orçamentário da história, com um caixa recorde de mais de R$ 31 bilhões (leia mais abaixo).
De acordo com dados do Portal da Transparência da capital, entre 1º de janeiro e 14 de março, período de chuvas mais intenso deste ano:
- R$ 1,54 bilhão foi previsto pela gestão municipal para investimentos no combate às enchentes;
- R$ 572,9 milhões foram empenhados, ou seja, liberados para serem utilizados para determinada finalidade. A prefeitura informou que utilizou R$ 23 milhões (4%) do valor empenhado;
- O g1 questionou o motivo pelo qual somente 4% da verba foi utilizada, levando em consideração que os primeiros meses do ano são os mais chuvosos, e a prefeitura informou que “não há razão em comparar a execução orçamentária de janeiro, fevereiro e março, com a efetividade das ações” da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras.
Nas últimas semanas a capital está vivendo debaixo d’água. O volume de chuva registrado na cidade do início do ano até esta terça-feira (14), metade do mês de março, é o equivalente ao que tipicamente chove até o fim de abril.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a capital paulista já teve 855 milímetros de chuva. A expectativa até abril era de 865 milímetros.
Em 2023, os constantes alagamentos na cidade causaram mortes e uma série de transtornos:
- Idosa sai para buscar remédio, fica presa em carro e morre durante enchente na Zona Sul de SP
- Chuva abre cratera em rua, e família está há 6 dias com medo de casa desabar na Zona Sul de SP: ‘A gente não dorme de medo’
- Ao menos 4 escolas registram alagamentos após 6 dias seguidos de chuvas fortes na Grande SP
- Sétimo dia seguido de chuva causa transtornos em cidades na Grande São Paulo
Problema de gestão?
André Luiz Marques, economista do Insper, afirmou ao g1 que, recorrentemente, a verba efetivamente utilizada nas políticas de combate a alagamentos fica muito abaixo do que é reservado pela administração pública ao elaborar o orçamento da cidade.
- Entre janeiro e março de 2022, R$ 509 milhões foram empenhados em ações de combate às enchentes e R$ 82 milhões foram liquidados;
- Durante todo o ano de 2022, a prefeitura orçou cerca de R$ 2,3 bilhões, empenhou R$ 1,99 bilhão e utilizou R$ 1,4 bilhão, portanto, deixou de gastar 25% do previsto, de acordo com dados da tabela orçamentária do ano disponível no Portal da Transparência do município.
- O g1 questionou por que todo o valor empenhado não foi utilizado e o que aconteceu com a diferença do valor orçado e foi informado que a prefeitura “empenhou R$ 1,99 bilhão em ações de combate às enchentes. Esse valor é 81% maior que os recursos previstos para o combate às enchentes na Lei Orçamentária Anual de 2022 – R$ 895 milhões em investimentos acima do orçamento inicial. Além disso, os valores liquidados relacionados aos investimentos em 2022 já chegaram a R$ 1,9 bilhão”.
“Se o orçamento foi feito com esse montante, por que que ele não foi executado ao longo do ano? Cabe à prefeitura explicar por que que ela tomou uma decisão de não gastar esse recurso. Se for inconsciente, pior ainda, porque aí é um problema de gestão”, questionou Marques.
“Infelizmente, é um modus operandi antigo. Espera acontecer o problema para depois sair correndo atrás. E pior: temos mudanças climáticas, períodos mais intensos de chuva, mais difíceis de prever. Só vai piorando. Eles vão jogando para frente, vão empurrando. As consequências só vão ser piores para a população. Historicamente falando, dada essa execução muito abaixo. Eles colocam no orçamento, aprovam a lei orçamentária e não executa? É um recado que [a prefeitura] está dando de que isso não é importante”, completou o economista.
Avenida Anhaia Mello. — Foto: Rodrigo Rodrigues/ g1
Contratação de obras sem licitação
O vereador Celso Giannazi (PSOL) entrou com uma representação no Tribunal de Contas de Município (TCM) contra a cidade de São Paulo, representado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), pelas ações tomadas em casos de enchentes e alagamentos.
A equipe do vereador realizou um levantamento sobre os valores investidos pela prefeitura em Intervenções no Sistema de Drenagem em 2022. De acordo com os dados:
- Em 2022 a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras realizou 101 contratações de obras de drenagem;
- Entre elas, 92% das intervenções foram contratadas sem licitação em regime emergencial, o equivalente a R$ 1.174.688.209,21.
“Não há um plano de investimento para combate às enchentes. Acionamos o Ministério Público e o TCM para ver se esse dinheiro está sendo bem gasto, porque não dá para aceitar que o dinheiro vai embora e a gente está vendo as enchentes, pessoas morrendo cada dia mais”, afirmou Giannazi ao g1.
Também segundo o relatório enviado ao TCM, a prefeitura:
- Tinha a meta de construir 14 piscinões entre 2021 e 2024, mas, até então, entregou apenas 3 obras;
- No mesmo período, prometeu limpar 8,2 milhões de metros de extensão de córregos, mas limpou menos de um terço (2,6 milhões).
O vereador apontou que, “se a cidade tivesse um plano de investimento, algo programado para o tempo, talvez houvesse uma utilização mais eficaz desse investimento para combate às enchentes”.
“[Ricardo Nunes] fez para mostrar para a opinião pública que está sendo feito alguma coisa, mas a cidade está mesmo abandonada, sem um plano de investimento”, completou.
Em nota a Prefeitura de São Paulo disse que a representação ao TCM “mostra o zelo e cuidado que a gestão municipal tem com a vida da população paulistana. Pelo levantamento, também fica claro os esforços da Prefeitura a fim de modernizar e aprimorar o funcionamento da rede de drenagem do município”.
Informou ainda que “a contratação emergencial é um ato legal e legítimo diante de situações que coloquem os paulistanos em risco. A gestão municipal preza pela segurança e bem-estar da população, por esse motivo, realiza este tipo de contratação. As ações emergenciais podem ser contratadas a partir de solicitações de vistorias das Subprefeituras, sentenças judiciais ou de qualquer outro órgão municipal. Em paralelo, a Secretaria desenvolve os projetos e obras estruturantes para o sistema de drenagem do município”.
O TCM informou que está analisando esta representação. “Neste momento, ela se encontra em verificação pela auditoria, e o gabinete do relator Domingos Disse aguarda por relatório preliminar”.
Caixa com valor recorde
A Prefeitura de São Paulo fechou o ano de 2022 com mais de R$ 31,4 bilhões no caixa da cidade, segundo os números consolidados até 27 de janeiro de 2023, do balanço patrimonial da própria gestão municipal.
No 1º ano da gestão Nunes o caixa da prefeitura subiu 33%, atingindo valor recorde. Na época, a gestão informou que a situação financeira da cidade ‘é resultado de um trabalho iniciado na gestão Bruno Covas’ e que pelo menos R$ 11,1 bilhões, dos R$ 30 bi em caixa, são receitas vinculadas obrigatórias, para investimento em Saúde e Educação.
O que diz a Prefeitura de SP
“A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal da Fazenda, informa que, para 2023, o Orçamento do Município prevê mais de R$ 1,54 bilhão em investimentos no combate às enchentes. Deste total, R$ 573 milhões já foram empenhados para utilização até o momento e R$ 23 milhões foram liquidados. Em 2022, os valores liquidados em relação aos investimentos para combate às enchentes foram recordes: mais de R$ 1,9 bilhão.
Sistema de drenagem
A Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras (SIURB) destaca que conta, atualmente, com verbas empenhadas para 37 ações referentes ao sistema de drenagem. Importante destacar que ainda estamos em meados de março e a SIURB trabalha com a previsão de investir novamente, em 2023, mais de R$ 1 bilhão em obras de drenagem.
Dentre as principais ações da Secretaria no sistema de drenagem do município destacam-se os quatro novos reservatórios do Ribeirão Perus, o novo reservatório da bacia do Morro do S, obras de drenagem no Rio Aricanduva, novas galerias do Córrego São Luís, além do reservatório do Córrego da Mooca (em licitação). Em breve, serão publicadas as licitações para as obras de mais 5 reservatórios (Paraguai-Éguas, Antonico, Machados, Freitas e Jardim Lapenna).
Zeladoria e obras
De acordo com a Secretaria Municipal das Subprefeituras, 41 obras estão em execução em todas as regiões da cidade, totalizando investimento de mais de R$ 200 milhões. São intervenções que combatem alagamentos em locais críticos, como contenção de taludes, bosques urbanos, ecopontos, contenção de encostas e margens de córrego e drenagem.
Além disso, as 32 subprefeituras realizam ações de prevenção o ano inteiro, intensificando os serviços de zeladoria, com reformas de galerias, bocas de lobo e poços de visita e limpeza de córregos, piscinões, limpezas de túneis, antecipação das coletas de resíduos de varrição e coleta de pontos críticos e pontos viciados. Esta manutenção tem garantido a recuperação da cidade de forma muito mais rápida, assim que o transbordo dos córregos termina.
Sobre o trabalho preventivo, em 2022, foram limpos 88.664 metros de galerias e 52.364 metros de ramais. Além disso, foram retiradas cerca de 186,29 toneladas de detritos nos córregos, em 63.133 metros de extensão. No mesmo período, foram limpas 4.329 bocas de lobo e 1.672 poços de visita. Também foram podadas 5.233 árvores e realizados 5.548.919,25 m² em corte de mato e grama.
Estão em prática ações preventivas e logísticas, bem como as ações práticas de proteção e defesa civil e de zeladoria urbana em caso de situações de chuvas extremas e suas respectivas consequências.
As administrações municipais programam a escala das equipes para os plantões no decorrer das chuvas, sobretudo no período noturno e aos fins de semana. Além da prontidão das equipes em cada Subprefeitura da cidade, a SMSUB possui o Centro de Controle Operacional que monitora 24 horas o cenário meteorológico e os equipamentos de contenção de enchentes da cidade (piscinões) enviando informações aos responsáveis de cada subprefeitura sobre a possibilidade de ocorrências pelos eventos de chuvas.
Dessa forma, a Prefeitura trabalha mitigar, principalmente nessa época do ano, os danos causados pelas chuvas extremas à população e à cidade de maneira geral”
Fonte: G1