Empresa de formatura envolvida em caso de desvio de dinheiro por aluna da USP pode ser multada em até R$ 11 milhões, diz Procon
Penalidade será aplicada caso empresa siga sem prestar os esclarecimentos solicitados. ÀS Formaturas foi notificada na terça (17), mas não apresentou o contrato. Procon enviou nova solicitação para que seja explicado quem autorizou a transferência dos valores para a estudante Alicia Dudy Muller.
Empresa de formatura poderá receber multa de até R$ 11 milhões do Procon-SP — Foto: Reprodução/TV Globo
A ÁS Formaturas, contratada para organizar a formatura de uma turma de medicina da Universidade de São Paulo (USP), poderá ser multada em até R$ 11 milhões, caso não preste esclarecimentos ao Procon sobre o contrato firmado com os estudantes.
“Caso a empresa não apresente, novamente, as informações que foram solicitadas, ela terá que responder a uma notificação da fiscalização do Procon. E caso na resposta da fiscalização, ela volte a apresentar respostas esquiva, protocolar, ela poderá ser sancionada em até R$ 11 milhões”, disse Guilherme Farid, chefe de gabinete do Procon.
A empresa foi notificada pelo órgão na terça (17) após alunos denunciarem a estudante Alicia Dudy Muller, de 25 anos, por desvio de quase R$ 1 milhão da poupança feita para custear a festa.
Entretanto, segundo Farid, os responsáveis não responderam aos questionamentos feitos pelo Procon, que enviou um novo pedido.
“Muito genérica dizendo que cumpriu o contrato. No entanto, a empresa não apresentou o contrato. E o Procon renotificou a empresa para que ela apresente o contrato e traga a evidência jurídica que autorizava a fazer a transferência para uma única aluna sem consultar os demais participantes, os demais estudantes.”
A empresa foi fundada em 2004 e atua na produção de eventos. Ela fica no bairro de Mirandópolis, na Zona Sul da capital.
O órgão pede que a empresa preste informe sobre quem autorizou a transferência dos valores para a estudante e quais os critérios foram estabelecidos para a movimentação dos valores entre a ÁS Formaturas e qualquer membro da comissão de formandos ou terceiros.
“O ponto que nos chama mais atenção é: a empresa poderia ter disponibilizado todo patrimônio que foi arrecadado durante os anos a uma única pessoa? Como o dinheiro deveria ser administrado? Havia autorização para que a empresa efetuasse o repasse dos valores a pedido de uma única pessoa? Todas essas questões serão trazidas no contrato, que poderá ser analisado”, afirma Farid.
Histórico do caso
Segundo o Boletim de Ocorrência sobre o caso do sumiço do dinheiro registrado por dois alunos, Alicia solicitou à empresa ÁS Formaturas – que seria responsável pela organização da festa – a transferência de R$ 927 mil em três parcelas:
- R$ 604 mil, para ser transferido para uma conta pessoal no seu nome;
- R$ 145 mil, que foram transferidos para uma conta em que o beneficiário não foi identificado;
- R$ 171 mil, que foram transferidos para uma conta em que o beneficiário não foi identificado.
Em nota, a ÁS negou ser a responsável pela organização da festa, como citado no Boletim de Ocorrência, e disse que “não se comprometeu com a realização ou produção de qualquer evento”.
“A responsabilidade da ÁS no contrato limitava-se a arrecadar os valores dos formandos e transferir para a turma, além da realização da cobertura fotográfica”, diz a nota.
O g1 procurou a empresa novamente, mas segue sem conseguir contato.
Mensagem no Whatsapp
Em mensagem no grupo de WhatsApp da comissão organizadora, Alicia disse que aplicou o dinheiro em uma investidora e teria sido vítima de um golpe.
Na mensagem, ela afirma que usou parte do valor para pagar advogados por conta do suposto golpe. No texto, a estudante diz ainda que vai pedir ajuda da direção para pagar a festa. O caso é investigado pela polícia e pela direção da universidade.
“Escrevo para dizer que não temos dinheiro. Com toda dor, culpa e arrependimento que vocês podem imaginar. (…) Nosso dinheiro foi todo repassado para a Sentinel Bank, uma investidora que, no fim das contas, não se passava de um grande golpe e nunca mais retornou nem com o dinheiro investido, nem com os rendimentos.”
E ela prossegue: “Vou ver com a diretoria da FMUSP se conseguimos ajuda deles”.
Um print com a mensagem viralizou nas redes sociais, após repercussão do caso. A estudante também já era investigada por estelionato e lavagem de dinheiro (leia detalhes abaixo).
Print do relato da estudante, suspeita de desviar quase R$ 1 milhão de fundo de formatura da USP — Foto: Reprodução/Redes Sociais
O que dizem os estudantes
Em entrevista ao g1, estudantes que pagaram a formatura relataram que estão se sentindo impotentes.
“Todo mundo está muito aflito, triste, apreensivo, até um pouco reativo com essa situação, porque a gente não esperava que uma colega fosse fazer isso pelas costas — investimentos, sacar dinheiro, valores altos”, lamentou.
Estudante de medicina da USP desvia R$ 1 milhão de fundo para formatura
Uma das vítimas disse que os alunos estão sendo muito expostos e preferiu não se identificar. Ela contou que a suspeita “parecia ter uma vida normal, ser uma pessoa normal”.
“Foi uma surpresa ruim que coloca muitas inseguranças em relação à realização do evento. A gente está falando tanto de um valor alto individualmente — porque, apesar de ser parcelado, todo mundo pagou em torno de R$ 300 por mês”, contou.
Faculdade de Medicina da USP — Foto: Divulgação/FMUSP
Colega teria desviado R$ 927 mil
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que a suspeita é investigada por apropriação indébita no caso do desvio. Ela teria se apropriado de R$ 927 mil, aproximadamente.
De acordo com a comissão de formatura:
- A suspeita afirmou, por meio de mensagens no WhatsApp, que transferiu a quantia para uma conta pessoal;
- Ela alega ter aplicado R$ 800 mil em uma corretora de investimentos chamada Sentinel Bank, que a teria enganado e ficado com o dinheiro;
- A quantia restante teria sido utilizada para pagar advogados na tentativa de recuperar
- O desvio foi constatado pela Comissão no dia 6 de janeiro deste ano e uma das vítimas registrou a ocorrência na delegacia no dia 10
“De toda a história contada pela [suspeita], o único fato que temos certeza é a transferência do montante guardado sob custódia da empresa ÁS Formaturas para uma conta pessoal dela. Ainda estamos averiguando em que contexto foram realizadas as transferências”, disseram em nota os membros da comissão.
A ÁS Formaturas disse que “todas as transferências foram realizadas rigorosamente conforme estabelecido nas cláusulas contratuais” e que estão à disposição das autoridades para o fornecimento de documentos.
Em nota, a Faculdade de Medicina da USP afirmou que “os fatos estão sendo apurados, buscando-se identificar os responsáveis pela fraude e a Diretoria está apoiando na orientação aos alunos envolvidos”.
O g1 procurou a Sentinel Bank, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
Investigação por estelionato e lavagem de dinheiro
A estudante também já era investigada por estelionato e lavagem de dinheiro. Ela teria realizado grandes apostas em uma casa lotérica na Zona Sul de São Paulo e dado o prejuízo de R$ 192,9 mil aos proprietários.
Em julho de 2022, a Polícia Civil instaurou um inquérito para apurar os fatos. Segundo um depoimento presente no documento, de autoria de um representante da lotérica:
- Em abril de 2022, a suspeita fez quase R$ 20 mil em apostas na ‘Lotofácil’, todas pagas via Pix;
- Depois disso, passou a fazer várias apostas em grandes valores;
- No total, ela teria apostado R$ 461 mil;
- Em julho de 2022, a estudante teria solicitado R$ 891,5 mil em apostas;
- A gerente da lotérica questionou sobre o pagamento, e a suspeita disse que foi realizado um agendamento;
- Para tentar enganar, a estudante, então, teria realizado uma transferência muito inferior, de R$ 891,53 na tentativa de fazer com que os funcionários da lotérica pensassem que seria o valor total de R$ 891,5 mil;
- Após breve discussão, a suspeita saiu da lotérica com cinco apostas de R$ 38,7 mil cada, totalizando R$ 193,8 mil.
Fonte: G1