MP-SP pede condenação de mais de 3 anos de reclusão para acusado de incendiar estátua do bandeirante Borba Gato em 2021
Motorista de caminhão Thiago Zem e torcedor Danilo Biu foram absolvidos. Um dos réus alegou que queria abrir debate público a respeito da existência da estátua. Historiadores afirmam que Borba Gato escravizou negros e indígenas.
Paulo Galo foi indiciado pelo incêndio na estátua do Borba Gato em 24 de julho. — Foto: Reprodução/Redes Sociais
O Ministério Público (MP) de São Paulo pediu à Justiça que um dos três réus acusados de incendiar a estátua de Borba Gato, na Zona Sul de São Paulo, seja condenado a pena acima de três anos de reclusão por ter ateado fogo ao monumento em homenagem ao bandeirante paulista.
O caso ocorreu em 24 de julho de 2021 e foi filmado por outras pessoas não identificadas que participaram da ação. As imagens viralizaram nas redes sociais.
Além de pedir a condenação do motoboy Paulo Roberto da Silva Lima, o Paulo Galo, de 33 anos, pelo crime de incêndio, a Promotoria quer que a 5ª Vara Criminal absolva Galo e outros dois réus das acusações de associação criminosa, adulteração de placa de veículo e corrupção de menor. São eles: o motorista por aplicativo Danilo Silva de Oliveira, o Biu, de 37 anos, e o motorista de caminhão Thiago Vieira Zem, de 36.
A solicitação foi feita em setembro deste ano, na forma de “alegações finais”, pela promotora Mariana de Oliveira Santos. Além da acusação, as defesas dos três acusados também terão de se manifestar por escrito para a Justiça. Elas pedirão a absolvição deles de todas as acusações. Esses documentos fazem parte da etapa final do julgamento do caso, que começou em agosto.
Condenação por incêndio
Incêndio atingiu a estátua de Borba Gato, na zona sul de São Paulo, na tarde deste sábado, 24 de julho de 2021 — Foto: GABRIEL SCHLICKMANN/ISHOOT/ESTADÃO CONTEÚDO
Já foram ouvidas presencialmente no Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste da capital, as testemunhas indicadas pelo Ministério Público e pelos advogados dos réus. Além disso, Paulo Galo, Biu e Thiago Zem acabaram interrogados.
Os três respondem aos crimes em liberdade, mas chegaram a ser presos à época do incêndio. Paulo Galo confessou à Polícia Civil e à Justiça ser ativista social e ter organizado o ataque à estátua de cerca de 13 metros de altura porque queria abrir debate público a respeito da existência dela. Alguns historiadores alegam que Borba Gato escravizou negros e indígenas (saiba mais abaixo).
“No tocante à fixação da pena, verifico que o réu Paulo é primário”, argumentou Mariana Santos. “Todavia, considerando a gravidade em concreto do crime de incêndio, que atingiu o Monumento Manuel Borba Gato, de inegável valor cultural para o Município de São Paulo (não se discute aqui a História. Não se discute aqui o que os Bandeirantes fizeram ou deixaram de fazer), requeiro a fixação da pena-base do referido delito acima do mínimo legal.”
Pela lei, a pena para o crime de incêndio tem penas mínima de três anos de reclusão e máxima de seis anos, mais pagamento de multa. Penas abaixo de quatro anos podem ser cumpridas em regime aberto.
“O crime de incêndio é um crime de perigo. Evidentemente que não se discute aqui se a intenção era ou não que o fogo atingisse o posto de gasolina que havia no local, mas restou mais do que comprovado que o réu Paulo causou (deliberadamente) incêndio nos pneus, na estátua do Borba Gato, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem!”, escreveu a promotora nas suas “alegações finais”.
“Não é ateando fogo a monumentos, em locais habitados, com grande fluxo de pessoas, onde existe até um posto de gasolina (que dispensa maiores comentários), que se discute a história, ou que se chama a atenção a uma causa, a um personagem que tanto mal causou à população brasileira no passado. Existem outros meios para que essa discussão seja levada a efeito e atinja a população e as autoridades públicas”, afirmou Mariana Santos.
Até a última atualização desta reportagem, o juiz Eduardo Pereira Santos Júnior não tinha dado a sentença. Não há previsão de quando isso ocorrerá por que depende também da entrega das “alegações finais” das demais partes do processo.
Pedido de absolvição
Veja o momento em que grupo põe fogo em estátua de Borba Gato, em SP
Inicialmente, o Ministério Público também havia acusado Biu e Thiago Zem pelo incêndio, mas depois se convenceu de que somente Paulo Galo pôs fogo na estátua de Borba Gato. Por isso pediu a absolvição deles dois também nesse crime.
“Com relação ao acusado Paulo, restou mais do que comprovada sua efetiva participação no crime de incêndio”, escreveu a promotora Mariana Santos. “A autoria quanto ao réu Paulo também é indiscutível.”
Segundo a representante do MP, ficou comprovado no processo que Biu e Thiago Zem não incendiaram a estátua. De acordo com a Promotoria, Paulo contratou Thiago Zem para levar pneus até o local, mas o motorista do caminhão desconhecia o que seria feito lá. Biu, segundo a acusação, foi para o lugar depois de ter visto uma convocação pelas redes sociais.
Na opinião da promotora, essas conclusões reforçam que, apesar de ao menos três pessoas terem se reunido perto da estátua de Borba Gato, não dá para acusá-los de associação criminosa.
Ainda segundo Mariana Santos, o fato de Thiago ter chamado um adolescente para ajudá-lo no transporte também não caracteriza o crime de corrupção de menores. Até porque ele, Paulo Galo e Biu não sabiam a idade do garoto.
E sobre a acusação de que os três cobriram a placa do caminhão para dificultar sua identificação, o Ministério Público argumentou que não há provas disso, nem laudos periciais que confirmem essa acusação.
Caso repercutiu nas redes sociais
Géssica Barbosa e Paulo Galo comemoram: ativista foi solto pela Justiça de São Paulo — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
As prisões de Paulo Galo, Biu e Thiago Zem, entre julho e agosto do ano passado, geraram protestos na web, com outros ativistas, artistas e personalidades pedindo a soltura deles, alegando que o fogo em Borba Gato era um protesto e não um ataque criminoso.
Os três foram soltos depois por decisão judicial, que atendeu pedidos de suas defesas para que respondam em liberdade.
Em seu interrogatório à polícia, Paulo Galo declarou que pertence ao grupo Resistência Periférica, que convocou um protesto pelas redes sociais, e que planejou atear fogo na estátua para debater publicamente a existência do monumento que homenageia o bandeirante paulista. Segundo alguns pesquisadores da história do Brasil, Borba Gato escravizou tanto negros quanto indígenas.
Quando foi interrogado pela polícia, Biu disse ter participado do ato, mas que não incendiou o monumento. E que ajudou o motorista Thiago a carregar e descarregar os pneus do caminhão.
Em seu interrogatório, Thiago negou a participação no ataque à estátua e falou que foi contratado por R$ 500 para levar mais de 200 pneus no seu caminhão até o local. Um adolescente de 17 anos à época o ajudou a carregar os pneus.
O que dizem as defesas
Defesa de preso por fogo na estátua de Borba Gato recorre ao STJ
Os advogados Jacob Filho, André Lozano Andrade e Marcella Rezende defendem Paulo Galo e Biu. Procurados para comentar a manifestação do Ministério Público, eles reforçaram a posição de que pedirão para a Justiça inocentar seus clientes.
“Acredito que até o final do ano, ele [juiz] dê a sentença e decida se eles são culpados ou inocentes. Mas ainda não há resultado”, disse Jacob, nesta semana ao g1. “Vamos pedir a absolvição”, completou André.
Segundo a defesa de Paulo Galo e Biu, seus clientes são inocentes com relação ao incêndio da estátua. Segundo os advogados, os dois participaram de uma manifestação.
“A contestação de homenagens a personagens, pessoas que promoveram a morte e o genocídio é algo que está ocorrendo no mundo inteiro. São manifestações legítimas. Somente por meio dessa manifestação foi aberto um debate público sobre a necessidade de mostrar o verdadeiro papel dos bandeirantes na construção do Brasil”, disse André.
Os advogados Roberta de Lima e Silva, Victor Ferreira e Pedro Simões Pião defendem Thiago. Eles informaram em outras ocasiões que seu cliente é inocente e não conhecia os organizadores do ato, tendo sido contratado apenas para fazer o transporte de pneus para o local como caminhoneiro.
“Thiago não integra qualquer movimento social e, no dia dos fatos, exercia seu trabalho como fretista, não tendo conhecimento prévio de que estaria a caminho de um protesto. Ademais, sequer participou do ato envolvendo a estátua de Manuel de Borba Gato”, falou Roberta.
Estátua de Borba Gato
Incêndio atingiu a estátua de Borba Gato, na zona sul de São Paulo, na tarde deste sábado, 24 de julho de 2021. Nas redes sociais, o ataque foi relacionado ao papel do bandeirante Borba Gato na caça e escravidão de índios e negros. A SPTrans informa que 15 linhas de ônibus que passam pela Avenida Adolfo Pinheiro com a Rua Bela Vista, na Praça Augusto Tortorelo de Araújo, estão sendo desviadas desde às 13h50 deste sábado em razão de interferência na via. — Foto: GABRIEL SCHLICKMANN/ISHOOT/ESTADÃO CONTEÚDO
A estrutura da estátua de Borba Gato foi atingida pelas chamas, mas não ficou comprometida, segundo análise preliminar da Defesa Civil feita em 2021. Bombeiros apagaram o fogo. Ninguém ficou ferido naquela ocasião.
Ao analisar as imagens, a polícia conseguiu identificar a placa do caminhão usado para levar os pneus. O veículo tinha a placa adulterada. Foi assim que os policiais chegaram a Thiago, que depois informou os nomes dos manifestantes.
A companheira de Paulo Galo, a costureira Géssica de Paula Silva Barbosa, de 30 anos, também chegou a ser presa quando foi à delegacia com o motoboy. A Justiça a soltou dias depois a pedido da defesa. A mulher alegou que não participou do ato porque estava em casa cuidando da filha de 3 anos. Por esse motivo, a polícia não a indiciou pelos crimes.
Outros protestos
A estátua do bandeirante Borba Gato, em Santo Amaro, na Zona Sul de SP, recebeu crânios na intervenção artística — Foto: Grupo de Ação/Divulgação
Esta não foi a primeira vez em que a estátua de Borba Gato foi alvo de protestos. Em 2020, crânios foram colocados ao lado de monumentos de bandeirantes para ressignificar a história de São Paulo.
Alguns projetos de lei pedem a proibição ou a retirada de monumentos que homenageiam figuras como a do bandeirante.
As propostas têm como objetivo principal estabelecer uma política pública de combate ao racismo por meio do reconhecimento do papel que figuras históricas tiveram na prática escravagista.
Há discussões na Câmara Municipal, na Assembleia Legislativa do estado e na Câmara dos Deputados, mas em nenhuma dessas Casas Legislativas os projetos foram votados.
A estátua do Borba Gato, em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo, amanhece vandalizada coberta de tinta colorida — Foto: Luiz Claudio Barbosa/Estadão Conteúdo
Fonte: G1