Cotidiano

Justiça de SP condena PM a 18 anos e 8 meses de prisão por matar estudante a pauladas em 2017

Policial militar Jefferson Souza foi condenado nesta terça (23) pelo assassinato de Gabriel Paiva, de 16 anos. Outro PM, Thiago Meche, será julgado em 2023, mas para decidir se deverá ser absolvido por falta de provas ou por ser inocente. Os dois agentes negam crime.


PM Jefferson Souza (à esquerda) será julgado novamente pela acusação de ter matado a pauladas Gabriel Paiva (à direita) em 2017  — Foto: Reprodução/Polícia Civil, Google Maps e Arquivo pessoal

PM Jefferson Souza (à esquerda) será julgado novamente pela acusação de ter matado a pauladas Gabriel Paiva (à direita) em 2017 — Foto: Reprodução/Polícia Civil, Google Maps e Arquivo pessoal

A Justiça de São Paulo condenou nesta terça-feira (23) a 18 anos e oito meses de prisão em regime fechado o agente da Polícia Militar (PM) acusado de matar um estudante com pauladas na cabeça e outras agressões em 2017. O julgamento ocorreu no Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste da capital paulista.

A maioria dos jurados decidiu que o policial militar Jefferson Alves de Souza foi culpado pelo assassinato de Gabriel Alberto Tadeu de Paiva com golpes de madeira na cabeça durante uma abordagem em 16 de abril de 2017 na Rua 8, no bairro Pedreira, Zona Sul de São Paulo.

A vítima tinha 16 anos e fumava narguilé e ouvia funk com outros jovens perto de um carro, na comunidade quando foi abordada por dois agentes da Polícia Militar. Os dois policiais militares negam o crime.

Jefferson foi condenado por homicídio doloso, aquele no qual há a intenção de matar. O réu, que já estava detido preventivamente no presídio da Polícia Militar Romão Gomes, na Zona Norte da capital, permanecerá preso para o cumprimento da pena.

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A sentença foi dada pelo juiz Roberto Zanichelli Cintra, da 1ª Vara do Júri. Cabe recurso da decisão do júri popular. Procurado pelo g1 para comentar o assunto, a defesa de Jefferson informou que irá recorrer da sentença que condenou seu cliente.

“A condenação foi manifestamente contrária à prova dos autos, o que faz com que caiba recurso. A prova acusatória era absolutamente contraditória: duas testemunhas presenciais que alegam ter visto o crime e dão informações completamente diversas e uma terceira pessoa que afirma estar no local e não haver as outras duas. Por outro laudo, o laudo necroscópico desmentia a palavra das testemunhas e provava que Jefferson não poderia ter sido o causador da morte, o que não foi acolhido por apenas um voto”, informa nota divulgada pelos advogados Renan de Lima Claro e Alex Ochsendorf.

O réu foi julgado nesta terça depois que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) anulou o julgamento anterior, ocorrido em janeiro de 2019, quando Jefferson havia sido condenado a 24 anos de prisão pelo mesmo crime. A defesa dele havia entrado com um pedido para impugnar aquele júri. A alegação foi de que o jurados votaram contra as provas do processo.

Um desembargador reconheceu, por exemplo, que houve um erro na gravação de um vídeo com depoimento de uma testemunha. Por causa disso, a transcrição do que ela disse ficou comprometida e prejudicou a avaliação dos jurados.

Gabriel Paiva chegou a ser internado na UTI de hospital, mas não resistiu e morreu — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Gabriel Paiva chegou a ser internado na UTI de hospital, mas não resistiu e morreu — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Também em 2019, o colega de Jefferson, o também PM Thiago Quintino Meche, foi absolvido naquele mesmo julgamento por falta de provas. Mas como o TJ-SP anulou o júri, Thiago terá de ser julgado novamente. A data do novo julgamento dele será em 23 de março de 2023.

No entanto, por determinação do Tribunal de Justiça, Thiago não poderá ser condenado pelos jurados no novo júri. O entendimento do TJ é de que como o policial militar foi absolvido no julgamento anterior, o júri do ano que vem servirá apenas para que se decida os motivos de sua absolvição. Se será mantida a decisão anterior, de que foi absolvido por “falta de provas” (por não conseguir provar que ele cometeu o crime). Ou se será absolvido por “negativa de autoria” (reconhecendo que ele é inocente).

Thiago, que havia sido preso à época, foi solto após a absolvição de 2019 na Justiça e continua em liberdade.

Procurado pelo g1 para comentar o julgamento, o advogado Celso Vendramini, que defende o PM Tiago, informou que “pelo fato do Jefferson não ser meu constituinte não vou me manifestar”.

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Segundo a Polícia Militar, apesar da condenação de Jefferson e da absolvição de Thiago, os dois continuam sendo policiais. O primeiro policial permanece detido no presídio militar. O segundo está “afastado do serviço operacional”.

Além disso, a Corregedoria da PM abriu um inquérito administrativo e criminal, mas na esfera militar, para apurar a conduta dos dois agentes. Eles podem ser absolvidos e reintegrados à tropa ou desligados da corporação.

O advogado Ariel de Castro Alves, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, acompanha o caso.

“O adolescente foi abordado pelos PMs sem que estivesse em qualquer atitude suspeita, só por estar com os amigos e morar na periferia, e foi espancado com madeiradas até a morte por um dos policiais. Esse mesmo PM já tinha histórico de violência na mesma região onde Gabriel foi assassinado. Raramente policiais são condenados por seus crimes e quando são, os julgamentos são anulados pelo Tribunal de Justiça, como nesse caso, que gerou uma grande decepção para a família da vítima”, disse Ariel.

Estudante foi espancado

Gabriel Paiva tinha 16 anos quando foi morto em 2017 em São Paulo — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Gabriel Paiva tinha 16 anos quando foi morto em 2017 em São Paulo — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Segundo o Ministério Público (MP), testemunhas constaram que viram PM Jefferson e um outro policial abordarem um grupo de jovens que fumava narguilé em Cidade Ademar.

Jefferson era conhecido pelos moradores da comunidade como “Negão da madeira” porque, segundo testemunhas, ele levava um pedaço de pau para bater nas pessoas que abordava.

Outros rapazes que estavam no local contaram que os PMs chegaram perguntando para Gabriel se ele não iria correr. O estudante então foi para um beco e depois voltou, quando notou a presença dos policiais.

Ainda segundo as testemunhas, Jefferson golpeou a cabeça de Gabriel com o pedaço de madeira. O rapaz caiu e, quando tentou se levantar, bateu a cabeça novamente, numa caçamba.

Depois, contaram os jovens, Jefferson e mais três agentes se aproximaram de Gabriel, que estava deitado, e o agrediram com mais pauladas, murros e chutes.

Quando uma moradora pediu para os PMs socorrerem Gabriel, os PMs o colocaram na viatura e bateram mais nele, de acordo com testemunhas.

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Gabriel foi levado pela PM para o Hospital Regional de Pedreira, onde morreu quatro dias depois da abordagem. De acordo com parentes do adolescente, a causa da morte dele foi parada cardíaca.

Os PMs Jefferson e Thiago negam as acusações. Alegam que foram acionados por causa do barulho de uma festa na região. E, quando chegaram, uma mulher pediu que eles socorressem Gabriel, que estava ferido.

“É um crime gravíssimo. Tão grave quanto, é a condenação de um inocente, tirando das ruas e da sociedade um policial probo”, disse o advogado Renan. “O que ficará demonstrado no júri é que o acusado é inocente e não ocasionou as lesões que causaram a lamentável morte desse jovem.”

Apesar de Thiago não poder ser condenado, Celso falou que seu cliente é inocente das acusações. “E vamos provar isso aos jurados, que irão reformar a sentença que o absolveu.”

“De antemão, acho um absurdo reviver tudo isso novamente”, disse ao g1 a promotora de eventos Tatiane Godoy, de 36 anos, prima de Gabriel, antes do julgamento de terça. “O sentimento é de injustiça, indignação, de reprovação, inconformidade e desrespeito com a família, por nos fazer passar por todo esse desgaste emocional novamente, quando pensávamos que a justiça tinha sido feita. Mas o desrespeito principalmente com a vida do meu primo Gabriel , que foi morto de forma cruel, por estar apenas exercendo o seu direito de cidadão de ir e vir”.

Fonte: G1

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