Liceu Coração de Jesus fecha as portas em 2023 após 137 anos; falta de segurança com Cracolândia fez colégio perder alunos
Fundado em 1885, colégio ligado à igreja católica tem prédio tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico de São Paulo. Atualmente, instituição atende cerca de 180 alunos dos ensinos fundamental e médio.
Cracolândia ficou nas proximidades do tradicional colégio Liceu Coração de Jesus — Foto: Reprodução/TV Globo
O tradicional colégio Liceu Coração de Jesus, na região central de São Paulo, anunciou que vai encerrar as atividades a partir de 2023.
Fundada há 137 anos, em um edifício já tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico da Cidade de São Paulo), a instituição ligada à igreja católica já chegou a ter mais de 3 mil alunos, mas sofre com o problema de insegurança causado por sua proximidade com a região da Cracolândia, um dos fatores que levou à diminuição do número de estudantes.
Atualmente, 184 crianças e jovens estão matriculados no local.
Segundo o Padre Cássio de Oliveira, porta-voz da Casa Salesiana, que administra o Liceu, o anúncio do fechamento foi feito com antecedência para que os responsáveis possam se organizar e os estudantes serem realocados para o próximo ano letivo. À TV Globo, ele disse que outros colégios da rede – também particulares – têm capacidade para acolher os 184 alunos e que essa opção está sendo apresentada para os pais.
De acordo com a Prefeitura de São Paulo, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) realiza rondas periódicas na chamada “região da Nova Luz” ao longo de todo o dia. A pasta afirma que as ações na área têm gerado ampliação no atendimento de dependentes químicos e redução no fluxo de consumo de drogas nas ruas.
A reportagem também entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), que informou que o policiamento na regiao central da capital foi intensificado, assim como as investigações da Polícia Civil, visando identificar e prender autores de assaltos. Somente neste ano, 325 foram presos por roubos nessa área, segundo a SSP.
Prejuízo em hotéis
Donos de hotéis que ficam no Centro de São Paulo enviaram um pedido de ajuda à Secretaria do Turismo por causa dos prejuízos acumulados, segundo eles, desde que os dependentes químicos da Cracolândia se espalharam pelo Centro após ações da Polícia e Prefeitura na região.
De acordo com a Associação de Hoteleiros, o motivo é a insegurança dos hóspedes. Com isso, mais de 100 hotéis estão com as reservas em queda.
Eduardo Lopes de Moraes conta que faz mais de 20 anos que trabalha com hotelaria na área central. Ele ressalta que nunca viveu uma fase tão complicada.
“Caiu muito o movimento porque mudou muito aqui o centro. Agora, tem muitos furtos, principalmente celular, né. Então, o pessoal tem muito medo de andar na rua. Durante o dia não tem muito problema. Problema mais é quando escurece. Mais à noite fica mais perigoso”.
A área é procurada principalmente por dois tipos de turistas: os que vão para as compras em regiões como a 25 de Março e o Brás, e os que participam de eventos corporativos.
Mas, segundo a Associação da Indústria de Hotéis, por medo, as pessoas estão preferindo se hospedar em outras regiões da capital.
“A gente fez um cálculo e está tendo uma diminuída de quase 30% da ocupação”, diz Antônio Reinales, vice-presidente da ABIH-SP e dono de hotéis no centro
Na capital como um todo, a taxa de ocupação de hotéis vem subindo desde o começo do ano. Passou de 39,5% em janeiro para 67% no último levantamento, em junho. Só que o crescimento está sendo desigual.
A Secretaria de Turismo do Estado falou que está discutindo a criação de um fundo para revitalizar o centro da capital.
O Conselho de Turismo encaminhou as demandas dos hoteleiros para Secretaria de Segurança, que, por sua vez, disse que acompanha os deslocamentos dos usuários de drogas e faz um trabalho de inteligência para prender os traficantes.
A prefeitura afirmou que participa desse trabalho policial e que ampliou o atendimento de saúde aos dependentes químicos.
Dispersão de usuários
Mapa com áreas de pequenas Cracolândias pelo Centro de SP — Foto: Reprodução/TV Globo
Pelo menos 16 novos locais com concentração de pessoas em situação de rua usando drogas surgiram após a dispersão de dependentes químicos da Praça Princesa Isabel, no Centro de São Paulo, segundo uma pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP).
Os pesquisadores identificaram que a maior parte desses pontos está na região central da capital. Eles reúnem de 20 a 200 usuários em cada local. Segundo o estudo, a tática usada pela prefeitura para a dispersão dos dependentes químicos não é a mais adequada para resolver o problema da Cracolândia.
Em nota, a prefeitura informou que as ações no centro provocaram um aumento no atendimento aos dependentes químicos, e que desde 2017 é possível verificar uma redução do número de pessoas na Cracolândia.
Entretanto, uma investigação do Ministério Público que apontou ilegalidade no processo afirma que a grande maioria dos internados não tem histórico de dependência química.
Cracolândia é desafio há décadas
Dispersão da Cracolândia em SP — Foto: Reprodução/Fantástico
A Cracolândia já se mudou para a Praça Princesa Isabel mais de uma vez. Em 2017, depois de uma operação policial com mais de 900 agentes, os usuários que ficavam na Rua Helvétia se espalharam pelo Centro, concentrando-se na praça Princesa Isabel durante um mês.
O então prefeito da capital paulista, João Doria (PSDB), chegou a dizer que a Cracolândia havia acabado em São Paulo. Mas, depois da operação, os dependentes químicos voltaram para o mesmo lugar.
A Cracolândia é um desafio para São Paulo há cerca de 30 anos. Especialistas apontam que a solução passa por medidas efetivas e permanentes nas áreas de saúde, assistência social e segurança pública.
As operações são criticadas por movimentos sociais. Ativistas acusam as forças de segurança de agirem com violência contra usuários de drogas, espalhando eles pela cidade.
Cracolândia se espalha pelo centro de SP; moradores reclamam dos transtornos — Foto: Reprodução/Hora 1
Fonte: G1