Barulho de turbina de avião, gordura impregnada na casa e mau cheiro: vizinhos de ‘dark kitchens’ em SP relatam ‘pesadelo’
Galpões que reúnem dezenas de cozinhas que só atendem delivery se expandiram com demanda na pandemia em bairros residenciais e viraram alvo de ações judiciais de moradores; especialistas afirmam que atividade deveria ser classificada como industrial devido impactos – fumaça pode ser cancerígena.
Barulho, sujeira, odor e fumaça cancerígena: o impacto das dark kitchenshttps://8c5cf5fa510be59715b05315d610c2d1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Barulho comparado a uma turbina de avião durante 20 horas por dia, gordura impregnada nas roupas no varal, odores que causam ânsia de vômito. Essas são algumas das reclamações de paulistanos que moram no entorno das “dark kitchens”, restaurantes que só atendem no sistema de entrega.
De porte industrial, o modelo de negócio foi iniciado com a pandemia de Covid-19, e virou pesadelo de moradores de alguns bairros residenciais da capital paulista.
Os empreendimentos geralmente funcionam em galpões administrados por empresas que reúnem várias cozinhas juntas, dividindo o aluguel pelo espaço.
As cozinhas fantasmas – também conhecidas assim pelo fato de não terem clientes presenciais – se tornaram atraentes para os empresários porque conseguem ampliar a área de atuação dos restaurantes em aplicativos.https://8c5cf5fa510be59715b05315d610c2d1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Há diversas delas instaladas em bairros como Jardins, Brooklin, Vila Romana, Mooca, Santo Amaro, entre outros.
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A dark kitchen do Brooklin: pesadelo dos vizinhos — Foto: Arquivo Pessoal
O “preço” pago por moradores do entorno desses locais, porém, é imenso: uma senhora vizinha à primeira cozinha fantasma do Brasil, a Kitchen Central Lapa, localizada na Vila Romana, Zona Oeste da capital paulista, teve de ser retirada da própria casa depois de passar mal com o odor de gordura misturado ao odorizador doce colocado pela empresa em uma tentativa de mitigar o cheiro.https://8c5cf5fa510be59715b05315d610c2d1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
A comunicadora corporativa Mariana Paker, de 40 anos, revela ser outra “vítima” do novo tipo de negócio.
Em março de 2020, no início da pandemia, Mariana teve de deixar a sua casa, que divide o muro dos fundos com uma dessas cozinhas, e ir para o interior.
“A gente estava trancada em casa trabalhando em home office. O cheiro de gordura entrava dentro da casa e não dava para lavar roupa porque a gordura grudava, a casa toda ficava impregnada… Naquela época o barulho era equivalente a uma turbina de avião ligada no nosso ouvido todos os dias das 9h até 0h”, relembra.
A empresa que faz a gestão do galpão na Vila Romana é a Kitchen Central, braço brasileiro da global CloudKitchens, criada pelo cofundador e ex-presidente executivo do Uber, Travis Kalanick.
Em um desses empreendimentos na Lapa, há espaço para funcionar até 35 cozinhas. Eles não informam quantas efetivamente estão em funcionamento e nem quais são os restaurantes que estão dentro do galpão.
Em abril do ano passado, Mariana fez um vídeo do quintal da sua casa que mostra que o barulho vindo da cozinha às 22h chegava a 52 decibéis.
O máximo permitido no horário por lei é de 50 decibéis, de acordo com a Prefeitura (veja no vídeo acima).https://8c5cf5fa510be59715b05315d610c2d1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
“O que eu tenho é um barulho que não para nunca até que o maquinário seja desligado. Ele começa às 9h e agora termina às 4h da madrugada. A gente nunca tem um respiro, nunca tem paz, até que as máquinas desliguem. Isso enlouquece. É por isso, por exemplo, que quando as pessoas trabalham em fábricas elas usam os Equipamentos de Proteção Individual (EPIS), como o protetor auricular”, afirma.
Cozinha fantasma na Rua Dr. Melo Alves, no bairro dos Jardins — Foto: Arquivo pessoal
Paker entrou com uma representação no Ministério Público (MP-SP) contra a empresa depois que passou a ter depressão e crises de ansiedade por causa dos problemas.
“Comecei a me desesperar, tive crises de ansiedade e fui embora para o interior onde minha mãe tem uma casa. Fiquei lá. Voltava a cada duas ou três semanas, mas cada vez que eu pensava em voltar era uma nova crise de ansiedade, já começava a chorar e a ficar nervosa, mas tinha que voltar, não podia abandonar a casa, tinha de limpar as coisas, lavar roupa e olhar a casa mesmo, para não ficar abandonada. Fiquei nesse processo durante um ano e um mês e durante todo esse tempo briguei com eles para que fizessem melhorias”, afirma.
Paker participou de reuniões com um comitê de discussão com representantes da Kitchen Central com a subprefeitura intermediando. Ela conta que o próprio presidente da Kitchen Central no Brasil, Jorge Pilo, chegou a participar dos encontros.
“Eles foram fazendo algumas melhorias, de fato fizeram, mas o barulho ainda continua. Naquela época era um barulho de turbina de avião ligado na nossa cabeça, e hoje em dia é como se fosse um secador de cabelo profissional no seu ouvido das 9h às 4h, porque eles funcionam até o último cliente, e aqui na Vila Romana o último cliente desliga o maquinário às quatro da manhã. O cheiro diminuiu um pouco, mas não melhorou. E ainda temos uma gordura muito forte. Ainda mais agora no verão que é sem vento, muito abafado e quente, o cheiro desce e invade a minha casa e é bastante sufocante”, afirma.
Em nota, a Kitchen Central afirmou que “tem cumprido com todas as regulações aplicáveis e assim continuaremos. Estamos comprometidos a sermos um bom vizinho e continuaremos tomando as medidas razoáveis para atender a quaisquer preocupações que possam se apresentar”.
A situação é bem semelhante na rua Guararapes, 218, no Brooklin, Zona Sul da capital, onde uma dessas cozinhas operada pela Kitchen Central funciona há um ano, de acordo com o relações públicas Phill Mindlin, 46 anos.https://8c5cf5fa510be59715b05315d610c2d1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
“Você acorda e dorme com cheiro de pastel porque a operação não tem hora para acabar. Sem contar o barulho de turbina. Não tem um segurança, não tem uma lata de lixo na rua. (…) Eles causam estresse, sono, desconforto, insegurança e desvalorização do imóvel. É uma coisa que não entra na minha cabeça. Eu pago as contas e estou vendido ao ponto de falarem que eu teria de ir reclamar no Ministério Público”, afirma.
A cozinha fantasma do Brooklin, localizada na Rua Guararapes, 218, na Zona Sul da capital — Foto: Arquivo pessoal
Além do barulho, odor e gordura, os problemas são a falta de estrutura para motoboys – e insalubridade a qual esses profissionais são submetidos, uma vez que não há banheiros – e locais para carga e descarga de insumos, de acordo com os moradores.https://8c5cf5fa510be59715b05315d610c2d1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
O g1 questionou as administradoras dos espaços sobre a falta de banheiros e condições mínimas aos funcionários, mas não obteve retorno.
Na Lapa, a presença de motoboys já causou acidentes, de acordo com Paker.
“Tem uma loja de tintas do lado da cozinha que o proprietário teve de contratar segurança particular para pararem de invadir o estacionamento dos clientes dele. Além disso, os motoboys urinam na rua e o muro da loja fica fedendo, é complicado. Os motoboys sobem com a moto na calçada e ocupam todo o espaço. As pessoas que passam por ali têm de se arriscar e ir para a rua, onde tem uma faixa de ônibus. A CET faz vista grossa. Caminhões também param na faixa de ônibus porque não têm um lugar específico para isso. Uma funcionária da ótica que fica ao lado e um cliente já foram atropelados por motoboys”, conta Mariana.
No Brooklin, há uma área para motoboys mas que não comporta a quantidade diária deles, de acordo com Nindlin.
“A gente tem de pedir licença para entrar na nossa própria garagem porque os motoboys e caminhões estacionam na frente, embaixo da placa de ‘proibido estacionar’. Como uma empresa monta uma estrutura dessa sem banheiro e sem estacionamento para os próprios motoboys, sem uma área de carga e descarga? Os caras sobem calçada, andam na contramão, não respeitam nada”, afirma.
Motoboys ocupam a calçada em frente à cozinha da Vila Romana, Zona Oeste da capital — Foto: Arquivo pessoal
A obra começou no início da pandemia, de acordo com o morador.
“De repente começou uma obra de demolição. Muito maquinário e gente chegando, guindaste, descarga de material, e com alvará de reforma, quando na verdade foi uma demolição e construção de um prédio de quatro andares. A prefeitura veio instalar poste e tudo aquilo que não faz para a gente, como faixa de estacionamento de motos, em questão de dias”, afirma.
Outra reclamação dos moradores é o aumento de pragas e o risco de incêndio, de acordo com Paker.
“A ‘dark kitchen’ divide muro com a minha casa nos fundos. São cinco coifas de porte industrial. Se essa empresa explode, minha casa explode junto. Existe a questão do lixo e de pragas urbanas, aumenta barata, rato… É uma estrutura complicada para se ter no meio de um bairro com um monte de casas em volta. Como uma operação industrial pode se instalar no meio da cidade? Sabemos que eles tiraram o alvará online. Como isso é permitido?”
Em nota, a Prefeitura afirmou, através da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) que a atividade das Dark Kitchens, classificada nos termos do Decreto 57.378/2016, é regular e está prevista na Lei de Zoneamento (16.402/2016).
Segundo a pasta, a lei define os Parâmetros de Incomodidade por Zona, de forma a limitar ruídos por faixa de horário, vibração, emissão de radiação, emissão de odores e emissão de gases e material particulado.
De acordo com a Prefeitura, as licenças on-line são tiradas apenas por empreendimentos de baixo risco nos termos da legislação municipal, ou seja, caso a viabilidade tenha resposta conclusiva e caso não exija necessidade de análise técnica.
A Secretaria Municipal das Subprefeituras, por meio da Subprefeitura Pinheiros, informou que a Dark Kitchen da Rua Guararapes possui Alvará de Execução de Demolição e Alvará de nova edificação.
Sobre a Dark Kitchen da Rua Clélia, a Subprefeitura Lapa afirma que abriu o processo de cassação da Licença de Funcionamento do local em 21/01/2022. No entanto, foi emitida uma intimação da defesa pelo proprietário, no dia 4/02, que está em análise jurídica.
A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) esclarece que os agentes mantêm rondas de fiscalização diárias nas ruas da cidade para garantir maior segurança e fluidez, além de coibir possíveis desrespeitos ao Código de Trânsito Brasileiro – CTB. Incluindo as duas vias citadas pela reportagem.https://8c5cf5fa510be59715b05315d610c2d1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Em relação à Rua Guararapes, altura do 218, de acordo com pesquisa aos registros de atividade de Campo feita pela Prefeitura, foram efetuadas 31 autuações e 7 remoções dos veículos pelos proprietários na chegada de agentes no local, neste ano.
A Prefeitura também esclarece que o estacionamento para motocicletas (PAIRE MOTOS) foi implantado, seguindo o que prevê a Portaria SMT nº 002/2007, que autoriza pessoas jurídicas e físicas a implantar obras de melhoria do sistema viário e sinalização de trânsito. Segundo a administração municipal, o processo passou por análise da CET e foi implantado pela empresa privada – Melius Engenharia e Consultoria e Gestão Imobiliária.
Em relação à denúncia de irregularidades na rua Clélia, foram feitas 30 autuações e 220 veículos foram orientados e removidos pelo condutor. Os agentes da CET irão reforçar as rondas para garantir a fluidez e evitar desrespeitos às leis de trânsito.
Área do Parque Burle Marx próximo de onde se iniciou uma obra cozinha fantasma — Foto: Bárbara Muniz Vieira/g1 SP
Licença e impacto
As cozinhas possuem alvará próprio de funcionamento, porém cada comércio que opera dentro dos equipamentos necessita tirar suas licenças individuais de funcionamento, de acordo com a Prefeitura.
O professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental no Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Côrtes confirma o impacto ambiental, agravado pela falta de licenciamento ambiental específico.
“Trata-se de uma atividade de porte industrial que reúne pequenos negócios que não demandariam licenciamento ambiental específico. Cada pequeno negócio tem sua licença de funcionamento, mas a reunião de tudo isso constitui uma atividade industrial, gerando impactos de atividade industrial sem que haja o licenciamento compatível”, afirma.
De acordo com Côrtes, as cozinhas fantasmas têm impacto no comércio local, já que os consumidores deixam de consumir de fornecedores do bairro para pedir comida por delivery, além da geração de resíduos.
“Realmente é uma atividade incompatível com o tipo de ocupação local. Isso vai gerar impactos permanentes porque basicamente é equivalente a ter uma indústria alimentícia em um bairro residencial usando aquele recurso. É uma aglomeração de pequenos negócios que atuam de maneira independente.”
Cozinha fantasma na Vila Alexandria, perto do Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul — Foto: Arquivo pessoal
A subprefeita da Lapa tentou cassar o alvará de funcionamento da Kitchen Central, mas eles conseguiram a anulação dessa cassação.
“Eu confesso que eu estou exausta dessa briga! Eu não vou sair da casa dos meus avós porque uma indústria resolveu se instalar aqui. Minha casa é da minha família há três gerações. Meus avós compraram o terreno e construíram a casa. Minha mãe morou aqui e agora eu moro. Faz seis anos que eu arrumei toda a casa e construí o que eu queria, como eu queria. Usei todos os meus recursos para isso e aí vem uma indústria e eu tenho que sair, não é certo. A prefeitura tem que entender que esse modelo de negócio não pode ficar no meio dos bairros. Eles estão fazendo vista grossa até acontecer uma tragédia”, desabafa Paker.
Cozinha Fantasma na Vila Alexandria, perto do Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul — Foto: Arquivo pessoalhttps://8c5cf5fa510be59715b05315d610c2d1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Moradores conseguem parar obras
No Panamby, Zona Sul da capital, a obra da cozinha fantasma está embargada. À frente do processo está a consultora ambiental Adriana Guimarães, que fez três laudos com o impacto que teria para a região a construção de um galpão com 30 cozinhas.
Ela entrou com uma representação no Ministério Público (MP-SP), que instaurou um inquérito civil, e com um procedimento administrativo na Prefeitura, que embargou a obra.
“Quando a Kitchen Central entra com pedido de licença, a Prefeitura tem 30 dias para se pronunciar, mas até lá a empresa pode tocar a obra por sua conta e risco. A Prefeitura embargou sob o argumento de que não ia ser uma cozinha, mas 30”, afirma.
Um dos laudos feitos no local é de engenharia para provar que o empreendimento caracteriza uma atividade industrial.
“Embora o empreendimento não seja definido e enquadrado como indústria, ele tem impacto de indústria. Estamos fazendo um esforço para não chamar de ‘dark kitchen’ porque na verdade é um hub que congrega mais de 30 cozinhas no espaço. Não se trata de uma cozinha industrial de um restaurante, é um conglomerado que adquire feições industriais, com recursos e demandas que amplificam os problemas que os vizinhos vêm percebendo”, afirma Guimarães.
Vista aérea do bairro do Panamby: dois laudos atestam impacto ambiental de instalação de cozinha fantasma no local — Foto: Arquivo pessoal
Para Guimarães, em termos de impacto, pouco importa a classificação do empreendimento, já que se trata de um empreendimento não-residencial causador de impacto ambiental – que envolve saúde, segurança e bem-estar da população. Além disso, a fumaça emitida pelas chaminés pode ser cancerígena.
“Outro risco que não está sendo avaliado pelo poder público é que existe um parâmetro definido do que seria aceitável para a emissão de uma cozinha industrial, só que estamos falando de 30 cozinhas industriais. Como estão sendo calculadas essas emissões? Elas colocam em risco a vida dos munícipes, elas estão extrapolando limites de uma e isso está sendo considerado cozinha por cozinha ou o hub como um todo? São 30 potenciais poluidores emitindo fumaça potencialmente cancerígena vinda da cocção de alimentos e sem que ninguém saiba o que de fato ele está causando na saúde das pessoas como um todo.”
Para a consultora, os problemas gerados com no local seriam os mesmos já visto em outros bairros da cidade: barulho, odor, fumaça, gordura lançada dentro da casa das pessoas e outros impactos sinérgicos gerados pela própria operação: trânsito intenso de motociclistas e de caminhões para abastecimento de 30 cozinhas industriais.
“O que mais nos preocupa nesse empreendimento em termos de impacto é que temos um problema grande de barulho gerado pelos próprios pelos equipamentos da operação, como chaminés e coifas, quanto o barulho associado à quantidade de motocicletas que esse empreendimento precisa para operar.”
Guimarães estima mais de 1.500 motocicletas por dia rodando no bairro do Panamby, que é cheio de ladeiras e ruas bem estreitas.
“As ruas aqui já ficam engarrafadas em horário de pico, que são justamente os horários de pico de vendas deles, almoço e jantar”, afirma.
Moradores conseguiram embargar a obra da cozinha no Panamby, Zona Sul da capital — Foto: Bárbara Muniz Vieira/ g1 SPhttps://8c5cf5fa510be59715b05315d610c2d1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
A situação é parecida com a do bairro do Paraíso, Zona Sul da capital. De acordo com a advogada Maria Cecilia Andrade, em maio do ano passado, os moradores notaram uma movimentação na Rua Abílio Soares e descobriram que se tratava de um galpão para 21 cozinhas.
De acordo com Andrade, os moradores identificaram que a licença da obra era para uma cozinha e não para um conglomerado delas. Eles entraram com um questionamento na subprefeitura da Vila Mariana, que interrompeu a obra e pediu explicações adicionais.
Eles também entraram com a denúncia no Ministério Público e foi instaurado um inquérito civil. A ação preventiva conseguiu interromper a obra no início de dezembro.
“A obra gerou problemas de infiltração em um prédio das proximidades. Fizemos um estudo de impacto ambiental e de vizinhança e todos confirmaram uma série de problemas que já se materializaram em outras ‘dark kitchens’ de São Paulo e há previsibilidade que ocorra aqui também”, afirma.
A obra da cozinha do Paraíso, que foi interrompida em dezembro após pressão dos moradores — Foto: Arquivo Pessoalhttps://8c5cf5fa510be59715b05315d610c2d1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
No caso do Paraíso, a cozinha fantasma fica a menos de 1 km do Parque Ibirapuera, que possui fauna, flora e é uma zona para pequenos comércios como farmácia e padaria, de acordo com a advogada.
Um outro aspecto é que a Rua Abílio Soares é uma via de acesso aos principais hospitais de São Paulo, como o HCor, o Hospital Santa Catarina e o Hospital Oswaldo Cruz.
“É um corredor importante que liga a região do parque até a Avenida Paulista. Acreditamos que a ‘dark kitchen’ nos traria um problema sério de trânsito, além da sujeira, gordura e barulho. O empreendimento só não está funcionando porque tomamos uma série de medidas. Não temos nada contra ‘dark kitchens’, desde que não sejam instaladas em uma área residencial”, afirma.
No Paraíso, a cozinha é administrada pela Food Point. O g1 tentou contato com a empresa, mas até a última atualização dessa reportagem não havia recebido resposta.
A obra da cozinha fantasma no Panamby, Zona Sul, embargada pelos moradores — Foto: Arquivo pessoalhttps://8c5cf5fa510be59715b05315d610c2d1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
No Panamby, a cozinha também seria instalada em uma área próxima a um parque. Os outros dois laudos do local falam sobre impacto ambiental por causa da proximidade com o Parque Burle Marx, que é tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat).
De acordo com Guimarães, os impactos ambientais ainda não foram medidos porque foram licenciados de forma simplificada e isso não corresponde à realidade da operação deles.
“Eles deveriam estar sendo licenciados como empreendimento potencialmente poluidor e isso não está sendo feito pela Prefeitura. Estamos na área envoltória do Parque Burle Marx, tombado pelo Condephaat que precisa aprovar a construção do empreendimento. Ele aprovou, mas analisando uma planta simples do imóvel, um predinho de 3 andares perto de prédios de 20 andares, qual é o impacto disso? Não foi apresentado ao Condephaat em momento nenhum a configuração desse empreendimento e o que ele é de fato: uma indústria liberando fumaça, gases, vapores, barulho em torno de uma área protegida e cortando ao meio um importante corredor ecológico.”
O pesquisador da USP Pedro Côrtes confirma o risco ambiental.
“Há uma geração de resíduos em quantidade incompatível com a região, incompatibilidade urbana com esse tipo de operação na área que vai se instalar porque há um grande fluxo de veículos tanto para entrega de insumos quanto para a entrega das refeições encomendadas. Há o problema de tráfego e poluição e isso basicamente coloca em risco a qualidade de vida da população, a ordenação urbanística do solo e do meio ambiente causando um impacto significativo no Parque Burle Marx que é um espaço de refúgio ambiental para diversas espécies, inclusive migratórias, que possuem no parque um ponto de parada”, afirma.https://8c5cf5fa510be59715b05315d610c2d1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Em nota, o Condephaat, através da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, informou que a construção situada à Rua Ventura Ladalardo, Panamby, foi aprovada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico – Condephaat, em 28/9/2020.
“A intervenção está localizada em área envoltória da Chácara Tangará, bem tombado pelo órgão Estadual. A pasta ressalta ainda que o projeto apresentado para Kitchen central no Panamby foi analisado pela equipe técnica da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH) e pelos conselheiros do Condephaat, com o objetivo de preservar o bem tombado, considerando o impacto da construção na paisagem.”
Guimarães também cita o risco de incêndio, já que as 30 cozinhas são separadas dentro do prédio por paredes de drywall, tipo de placas fabricadas industrialmente e que podem ser usadas em paredes, tetos e forros.
“Cada um dos empreendedores é responsável pelos seus equipamentos e sua manutenção. Temos dados que as coisas que mais incendeiam e explodem no mundo inteiro são cozinhas industriais, então o risco associado à uma cozinha industrial é muito grande. Nesse caso estamos falando de 30 separadas dentro de um espaço pequeno por paredes de drywall. Se só um desses empreendedores descuidar da manutenção de seus equipamentos e ali for iniciado um incêndio ou explosão, vamos ter incêndio em 30 cozinhas industriais em sequência.”
Na representação ao Ministério Público (MP-SP), Guimarães questiona se o poder público está levando os riscos em consideração na hora de permitir a implementação do empreendimento em área residencial.
“Se isso explodir, as nossas vias de acesso vão permitir a entrada de caminhões-pipa e ambulâncias para atender todo mundo em tempo hábil de salvar vidas? De um lado temos acesso absolutamente íngreme em uma rua de paralelepípedos, então todos teriam de entrar pelas duas outras ladeiras que dão acesso àquele ponto.”
Fonte: G1