PM de SP compra 270 mil balas de borracha de lotes que falharam em testes; munições serão substituídas por ‘bean bags
Polícia constatou ‘problemas de performance’ em balas, que foram recolhidas ou deixaram de ser recebidas. Contrato com fabricante foi suspenso, e estoque da PM acabou. Empresa nega falhas. Corporação comprou emergencialmente 15 mil ‘bean bags’, sacos com esferas de metal.
À esq., modelo de bala de borracha da Condor que foi suspenso temporariamente pela PM; no centro, a PM usa balas de borracha em protesto de 2014; à dir., cartucho com ‘bean bag’ que será usado emergencialmente — Foto: Reprodução/ Condor/ Rodrigo Abd/AP / Safariland https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Parte das 270 mil balas de borracha que a Polícia Militar (PM) do estado de São Paulo comprou no ano passado da fabricante nacional Condor S/A Indústria Química apresentou falhas durante testes de segurança, precisão e qualidade realizados pela corporação.
Todos os lotes dessa munição que tiveram problemas foram recolhidos ou recusados pela corporação. Segundo policiais ouvidos pelo g1, nenhuma dessas balas foi usada em ações da PM, que está sem estoque desse tipo de munição.
A Polícia Militar decidiu fazer uma compra emergencial para adquirir 15 mil ‘bean bags’, uma nova munição feita com esferas de metal dentro de sacos plásticos, produzidos por uma empresa dos Estados Unidos. Apesar de ainda não terem sido usados oficialmente a ideia da PM é de que eles substituam as balas de borracha. https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Resumo
Nesta reportagem você irá ler sobre:
- Mudanças de trajetória e ferimentos: segundo policiais militares ouvidos pelo g1, tiros de balas de borracha da brasileira Condor tiveram desvio de 80 centímetros e perfuração em pessoas acima dos limites permitidos.
- Munições recolhidas e recusadas: 150 mil balas de borracha foram recolhidas e 120 mil acabaram recusadas por causa das falhas.
- GCM usa balas da Condor: Guarda Civil Metropolitana continua usando balas de borracha da empresa na capital paulista.
- 15 mil ‘bean bags’: como ficou sem balas de borracha no estoque, PM decidiu comprar nova munição que são sacos com bolinhas de metal (sacos de feijão, numa tradução do inglês). O produto é fabricado pela Safariland, dos Estados Unidos, mas foi comprado por intermédio da americana Police Survival LLC.
- Problemas em bombas: agentes da Polícia Militar também disseram que bombas de gás e efeito moral da Condor apresentaram falhas nos testes.
- Especialistas comentam: reportagem ouviu membros do Instituto Sou da Paz e da Defensoria Pública sobre a suspensão do contrato de compra das balas de borracha pela PM.
- O que diz a PM: Corporação informou ao g1 que “constatou problemas de performance” nas balas de borracha.
- O que diz a Condor: fabricante nacional negou falhas, alegou que testes da PM não foram feitos de maneira adequada e que Exército atestou “excelência” do produto.
Segundo policiais militares ouvidos pelo g1 sob a condição de anonimato, foram encontrados problemas graves nos testes feitos pela PM nos elastômeros, nome técnico do produto. Entre eles, principalmente aqueles que levam risco às pessoas, como mudanças acima do permitido na trajetória das balas de borracha durante os disparos. E possíveis ferimentos também ultrapassando a margem desejada.
“A bala de borracha tem demonstrado imprecisão e traumas acima do permitido, o que coloca em risco o agressor”, falou um dos agentes que teve acesso aos resultados dos testes feitos pela Polícia Militar.
Mudanças de trajetória e ferimentos
De acordo com agentes da Polícia Militar, em dos testes de tiro de bala de borracha, a 20 metros de distância do alvo, como é recomendado, verificou-se desvio de até 80 centímetros entre a mira feita pelo policial e o ponto atingido.
Os policiais disseram que seria o mesmo que, numa ação real, atirar abaixo da cintura de um suspeito, mirando nas pernas, como recomenda o fabricante e a própria corporação, mas a bala de borracha subir e atingir o rosto de uma pessoa que tenha 1,60m.
Outra inconformidade verificada nos testes da PM, segundo agentes, é que a bala de borracha dos lotes comprados pode causar ferimento acima do limite permitido – 4,4 centímetros de profundidade. E, dependendo de onde atinja, poderia provocar problemas no coração, em razão do impacto. https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
“Se é uma pessoa magra que é ferida no peito, pode levar a riscos cardíacos, já que o coração de uma pessoa fica a 4,6 centímetros abaixo da pele”, falou um policial.
Munições recolhidas e recusadas
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Apesar de não informar ao g1 quais foram as inconformidades encontradas nas balas de borracha, a PM confirmou oficialmente, por meio de nota, que recolheu 120 mil dessas munições menos letais que tinha adquirido em 2015 e recusou o recebimento de outros 150 mil dos projéteis que a empresa forneceria em junho de 2020.
Todos são de fabricação da Condor, e o modelo é o “Precision – projétil de borracha de precisão”, uma espécie de pino. https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Segundo o site da fabricante “o cartucho calibre 12 AM-403/P foi desenvolvido para ser utilizado no controle de distúrbios e combate à criminalidade com a finalidade de deter ou dispersar infratores da lei, em alternativa ao uso de munições convencionais. As munições de impacto controlado possuem alto poder de intimidação psicológica, provocam hematomas e fortes dores”.
De acordo com a PM, a Condor não atendeu aos pedidos para reparar os problemas ou substituir o produto. A corporação, então, decidiu suspender os contratos de compra que havia feito por licitação.
A PM informou que deixou de pagar o dinheiro do negócio. Só um dos contratos era de mais de R$ 21 milhões. De acordo com fontes do g1, os armazéns da corporação estão sem estoque de balas de borracha desde meados de julho do ano passado. Ainda segundo essas fontes, as tropas não usam mais esse tipo de munição para conter eventuais distúrbios urbanos.
Nos últimos protestos os quais o g1 cobriu, como em frente à Câmara dos Vereadores da cidade de São Paulo, em outubro, não presenciou o uso de bala de borracha pela PM.
Com ferida de uma bala de borracha no peito, homem conversa com policial em meio a confronto no Centro de São Paulo em 2014 — Foto: Dario Oliveira/Código19/Estadão Conteúdo https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
O artefato é disparado por uma escopeta calibre 12 e costuma ser utilizado por policiais militares contra pessoas suspeitas de ameaçar ou agredir outras, principalmente no contexto de protestos e manifestações populares.
Questionada recentemente pelo g1 sobre a possível falta das balas de borracha, a PM não respondeu. Em julho do ano passado, porém, a corporação havia informadoque não usa munições de borracha desde julho de 2020, quando acabou o estoque e não houve reposição.
GCM usa balas da Condor
Entre as forças de segurança que continuam usando balas de borracha na cidade de São Paulo está a Guarda Civil Metropolitana (GCM). A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Segurança Urbana, informou por nota ao g1 que guardas civis metropolitanos utilizam as munições da Condor. O modelo usado pela guarda é o mesmo que a PM encontrou problemas em testes.
Em novembro, durante confronto com servidores municipais em protesto contra a Reforma da Previdência Municipal, a GCM informou que disparou ao menos uma “bala de borracha para dispersar manifestantes alterados que tentaram pular a grade e atiraram pedras contra o prédio da Câmara”.
Segundo a administração municipal, a GCM firmou contrato público de mais de R$ 207 mil com a fabricante e recebeu 6.425 munições de elastômero. Ainda de acordo com a prefeitura, a qualidade do produto foi certificada pela própria Condor.
GCM dispara contra moradores durante demolição de quadra na Zona Norte de SP em novembro de 2021
“A certificação de segurança da munição é realizada pela empresa fabricante, que deve ser autorizada para comercializar equipamentos com esta finalidade”, informa nota da prefeitura.
A administração também informou que o protocolo do uso da bala de borracha prevê que o disparo em pessoas suspeitas seja feito do peito para baixo. “Os agentes da Guarda Civil Metropolitana são treinados para realizarem disparos seguros, visando uma linha que vai do peito aos membros inferiores, para interromper situações de risco.”
Manifestante atingido por bala de borracha disparada por GCM durante protesto na Zona Norte de SP em novembro de 2021 — Foto: Arquivo pessoal
Fonte: G1