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MP denuncia seguranças de dois bares do Itaim Bibi por lesão corporal contra jovem

Exclusivo: Imagens mostram jovem sendo espancado por seguranças em bairro nobre de São Paulo

O Ministério Público denunciou os seguranças de dois bares na região do Itaim Bibi, área nobre da cidade de São Paulo, por lesão corporal por espancarem um jovem de 26 anos.

Imagens de câmera de segurança obtidas com exclusividade pelo Fantástico mostram seguranças de bar num bairro nobre de São Paulo agredindo um homem que eles acreditaram ter tentado sair sem pagar a conta —quando ele sequer estava no bar consumindo.

Pelas imagens é possível ver que o jovem fica um minuto e 26 segundos no chão, sem socorro. As pessoas passam, observam, não fazem nada. Quem olha também é Jhonatan Garcia. A profissão dele: segurança.

“Traz um sentimento de vulnerabilidade. Foi esse o sentimento que eu senti me vendo lá no chão, sozinho”, diz a vítima, que preferiu não se identificar.

As imagens são de 6 de dezembro de 2023, nas imediações da Avenida Faria Lima com a Avenida Juscelino Kubitschek, que separa dois bairros nobres: o Itaim Bibi e a Vila Nova Conceição. Um lugar privilegiado, com muitos seguranças particulares.

A agressão aconteceu numa rua tradicional da noite paulistana, a Rua Professor Atílio Innocenti, cheia de bares e restaurantes. O rapaz ia jantar com a irmã e com um casal de amigos. Mas antes, parou em um bar.

“Depois fui descobrir que chama Bar Aurora. Entrei do lado da porta para consultar o celular no aplicativo de mapa, para saber o caminho. Entrei, poucos segundos. Olhei o mapa, saí. Entrei por segurança, para evitar ser assaltado. Não queria abrir o celular na rua”, conta o homem, que tem 26 anos e é engenheiro.

“Saindo do bar, um homem me aborda em um tom um pouco agressivo. Me esquivei, ele falou: pega ele. Berrando: ladrão, pega ladrão. Comecei a correr“, diz.

Ele correu então para outro bar, que fica a menos de 50 metros de distância. As câmeras de segurança registraram a chegada, quando ele entrou correndo e foi empurrado para o chão por um segurança, que então o agarrou pelas costas. Outra vigilante o segurou pela frente. Na sequência, um terceiro, e um quarto homem apareceram.

“Fui buscar refúgio em um bar, chama Bar Mahau. Em vez de me ajudarem, me derrubaram, me capturaram, me entregaram aos perseguidores”, afirma.

“Ele só foi contido para que ele não entrasse sem se identificar”, afirmou Karen Pozani, advogada do Bar Mahau. Questionada pela reportagem se ocorreu de a equipe de seguranças do Bar Mahau chamar a polícia ou ligar pras autoridades, a advogada respondeu que não, “porque no momento a gente não sabia qual era o tipo de acontecimento dos fatos”.

Um quinto segurança chegou então, Jhonatan Garcia. Nas imagens, é possível vê-lo pegando o homem pelo pescoço, e um outro vigilante segurando-o pelo braço. “Aplicou uma chave no meu pulso, falando: ‘Não reage, não reage’. Machucando a minha mão. Não reagi”, afirma a vítima.

À força, os seguranças levaram o rapaz de volta ao Bar Aurora. Ele foi então obrigado a ir ao caixa. “Eu não tinha consumido nada. A minha história estava completamente coerente. Não tinha comanda no meu nome”, afirma.

Então, tudo resolvido? Não. O segurança Jhonatan dá um mata-leão nele e o puxa para fora, pela porta lateral. O mata-leão é proibido em várias forças policiais no Brasil e no mundo, porque pode matar.

Jhonatan dá vários golpes. E Rodrigo Ferreira, outro segurança, também dá socos.

O rapaz fica desmaiado, na calçada. Um funcionário desvia dele no chão. Outro faz a mesma coisa. Um dos donos do bar, Fernando Souza, surge ao telefone e fica a poucos metros do jovem, por cerca de 30 segundos, e não faz nada.

O rapaz tenta levantar, mas tem dificuldade. O segurança fala alguma coisa pra ele. “Eu não tenho memória. Naquele beco escuro, eu só me lembro de duas coisas: da minha visão ficando turva e do primeiro soco”, diz.

O rapaz foi ao hospital e à delegacia registrar um boletim de ocorrência. ”Estava com a cabeça sangrando atrás, nariz sangrando. Perdi uma lasca do meu dente. A dor física passa. Para mim, o que mais pega é a dor psicológica”, afirma.

Exames constataram que a vítima não tinha consumido álcool nem drogas. O Ministério Público denunciou os seguranças Jhonatan Garcia e Rodrigo Ferreira por lesão corporal. À polícia, Jhonatan alegou que o rapaz se exaltou. Já Rodrigo disse que o jovem ofendeu os seguranças.

“Claro que é mentira. Eu estava lá pacífico, com medo”, diz o homem.

À polícia, os seguranças confessaram as agressões e se disseram arrependidos. A defesa de Jhonatan e Rodrigo informou que os dois estão à disposição da Justiça e que demais esclarecimentos e defesa técnica serão apresentados no decorrer do processo judicial.

Os dois seguranças eram terceirizados. Trabalhavam para a empresa X Segurança LTDA, com sede no bairro de Santo Amaro, na capital paulista. O Bar Aurora pagava R$ 5 mil por mês pelo serviço de vigilância.

“Para prestar serviço de segurança privada, uma empresa tem que ter autorização de funcionamento, que é concedida pela Polícia Federal. (…) Para você trabalhar como segurança, como vigilante, de acordo com a lei, você também precisa fazer um curso de formação”, afirma Cleber Lopes, cientista social, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Governança da Segurança.

A reportagem consultou o site da Polícia Federal: Jhonatan não fez o curso obrigatório de vigilante, e o de Rodrigo está vencido desde 2021.

A empresa X Segurança LTDA nunca teve autorização para atuar e, segundo a Polícia Federal, trata-se de uma empresa clandestina.

“Imediatamente, quando tomou-se conhecimento dos fatos, [a empresa de segurança] foi afastada e rescindido o contrato”, afirma Fernando Rodrigues, advogado do Bar Aurora. Questionado se houve erro na contratação de uma empresa irregular, ele respondeu que não.

Sobre a falta de prestação de socorro de um dos donos do bar, ele respondeu que “os responsáveis pelo estabelecimento repudiam qualquer tipo de violência contra as pessoas”.

Outro caso de agressão

Seguranças do Bar Aurora são acusados de outra agressão, em fevereiro de 2023. Quem se diz vítima é um advogado de 32 anos que também preferiu não se identificar.

Ele contou que os seguranças acharam que ele ia sair sem pagar a conta. “O gerente reconheceu que de fato, eu tinha feito o pagamento e me liberou”, diz.

Ele afirma que então foi jogado para fora do bar e trocou xingamentos com os seguranças, que o perseguiram na rua. “Eles me agarraram pelas costas. E começaram a me bater. Uns três”, recorda.

Como nesse caso não há imagens, a polícia não conseguiu identificar os agressores.

“Essa suposta agressão não aconteceu na porta do Bar Aurora, nem no interior da casa, e nem foi realizada por nenhum funcionário da equipe”, afirmou o advogado do bar.

No dia dessa agressão, a vigilância era responsabilidade do próprio dono da X Segurança LTDA. A reportagem não conseguiu contato com ninguém da empresa clandestina.

“Sabemos que a prestação de serviços em bares e casas noturnas é repleto de serviços irregulares. Os seguranças clandestinos estão muito presentes, tinha que ter um controle melhor sobre esses espaços. É um espaço que envolve sempre conflitos em potencial”, afirma o cientista social Cleber Lopes.

Fonte: G1

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