Polícia Federal abre inquérito sobre coaches estrangeiros que fizeram ‘curso de conquista’ em SP
Polícia Civil de SP já investiga os crimes de exploração sexual e favorecimento de prostituição após relatos de mulheres.
A pedido da Embratur, a Polícia Federal nesta quarta-feira (22) uma investigação sobre o grupo de coaches estrangeiros de um curso sobre como conquistar mulheres, em São Paulo.
A Delegacia de Defesa Institucional (DELINST) irá fazer a análise de documentos e compartilhar informações com a Polícia Civil de São Paulo, que também apura o caso.
Na reunião de segunda-feira (22), o presidente da agência, Marcelo Freixo, e o diretor-geral da polícia, Andrei Rodrigues, combinaram de atuar conjuntamente, por meio de um acordo de cooperação técnica, com ações para prevenir e combater crimes de exploração sexual praticados por turistas internacionais no Brasil.
Segundo apurado pelo g1, serão mapeados locais vulneráveis e será criado um plano de prevenção e produção de dados para embasar políticas públicas.
“Utilizaremos os mecanismos já existentes e a própria estrutura da PF no exterior, presente em 20 países, que nos permitirá essa capilaridade”, explicou o diretor-geral da Polícia Federal.
‘Coaches da conquista’: Como funciona curso que ‘ensina’ homens a conquistar mulheres
O caso
A Polícia Civil de São Paulo já investiga o recrutamento de brasileiras para uma festa na capital paulista que funcionou como “aula prática”, segundo os relatos de quatro mulheres ao g1.
No site Millionaire Social Circle (“Círculo Social de Milionários”) todos os textos e fotos relacionados com as viagens por países como Costa Rica, Colômbia e Filipinas foram tirados entre sexta e sábado. Eles apresentavam como eram os cursos, assim como os valores.
A conta do TikTok do “MSC” foi deixada privada, no canal do YouTube tinha apenas o vídeo de uma partida de vídeo game, e o perfil do curso no Instagram não estava disponível.
O perfil na mesma rede social de Mike Pickupalpha, com 5.961 seguidores, tornou-se privado. Ele e David Bond promoveram o evento.
‘Não fui obrigada, mas fui aliciada, manipulada para estar ali’, diz uma das mulheres usadas como ‘cobaia’ por coaches para curso de pegação
O que você precisa saber sobre o caso:
- Dois coaches dos Estados Unidos venderam cursos de US$ 12 mil a US$ 50 mil.
- “Alunos” estrangeiros aprendiam, com técnicas deles, a se relacionar com mulheres.
- As mulheres ouvidas pelo g1 não sabiam que eram parte da aula prática do curso.
- Grupos de alunos viajavam para países como Costa Rica, Colômbia, Filipinas e Brasil, em fevereiro. Os participantes da edição brasileira se encontraram com mulheres por meio de apps e outras foram chamadas por redes sociais.
- Coaches fizeram uma festa na Zona Sul de São Paulo com comida, bebida à vontade e transporte; o caso repercutiu depois que algumas mulheres descobriram que homens faziam curso.
- Ao menos duas delas denunciaram o caso para a polícia e alegam que foram filmadas sem autorização; material colhido por eles é usado em grupos e para publicidade.
- A próxima etapa do curso deve ocorrer na Tailândia.
Anúncio no site dos coaches antes de ser apagado — Foto: Reprodução
Menor de idade em festa
Ao menos uma menina de 17 anos esteve na festa realizada na Zona Sul de São Paulo. A informação foi confirmada pelo pai dela ao g1 e ao Fantástico. Segundo ele, a garota disse ter contado à mãe sobre Mike. Os dois foram a restaurantes, parques ou “só ficavam em casa”, afirmou ela ao pai.
Ela teria dito ao coach que tinha 21 anos e revelado a verdadeira idade durante uma viagem a Florianópolis, em Santa Catarina. Os dois discutiram e Mike pesquisou se havia cometido crime, mas depois “deu tudo certo”, afirmou a garota ao pai.
Sobre a festa, a jovem contou que “não queria que fosse gravada e não queria tirar fotos”. Os dois aparecem em um vídeo comendo comida japonesa postado no perfil excluído do curso e abraçados na praia.
Ao menos duas mulheres registraram na Polícia Civil de São Paulo que conheceram “alunos” dos coaches pela internet, foram a um jantar em grupo e dias depois estiveram numa festa na mansão. Nas duas situações foram feitos vídeos usados em peças publicitárias em curso sobre como conquistar mulheres, segundo elas.
As duas jovens e outras duas ouvidas pelo g1 afirmam que não sabiam que o grupo estrangeiro participava de um curso (veja abaixo os relatos).
O evento ocorreu no final de fevereiro e foi promovido por Mike Pickupalpha e David Bond. O inquérito foi instaurado e o caso é investigado como favorecimento de prostituição ou outra forma de exploração sexual e agenciar, aliciar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher exploração sexual pelo 34º DP, Vila Sônia, Zona Sul de São Paulo, responsável pela área.
“A equipe de investigação da unidade realiza diligências para identificar e quer ouvir formalmente os organizadores e esclarecer todas as circunstâncias do fato”, disse a polícia em nota.
O Ministério Público acompanha as investigações da polícia. Segundo o promotor Rogério Sanches Cunha, o crime de exploração sexual foi alterado em 2009 e não pune apenas quem explora a prostituição.
A lei também prevê punição para quem coloca pessoas na condição de objeto sexual, mesmo que elas não tenham recebido dinheiro algum, nem tenham se relacionado sexualmente com os alunos.
“É exatamente o que aconteceu nesse exemplo. Mulheres que imaginaram estar indo numa festa, na verdade aquilo era uma fraude. Elas estavam servindo pra que homens pudessem treinar como conquistá-las. Elas estavam como objetos sexuais, de acordo com as informações que chegaram para nós. A informação é que elas se sentiram usadas. Usadas sexualmente”, disse.
A dupla lucrava por meio da venda dos cursos.
Coaches fazem kits com pílula do dia seguinte e camisinha para ‘alunos’ se relacionarem
Mike já apareceu em canais no Youtube filmando mulheres com câmeras escondidas em diversos países. Já David Bond chama-se, na verdade, Steven Mapel – ele diz ser um especialista em namoro on-line e produtor de conteúdo digital.
Em entrevista na noite de terça-feira (14), Mike foi perguntado mais de uma vez pelo g1 se as convidadas sabiam que seriam usadas como cobaias de um curso de conquista. Ele não respondeu diretamente. Em vez disso, apontou que se tratava de um evento em que havia adultos “que escolheram estar lá por livre e espontânea vontade”.
O curso
Site dos coaches que venderam curso para homens — Foto: Reprodução
O curso, oferecido a estrangeiros de vários países, cobrava a partir de US$ 12 mil (cerca de R$ 63 mil) em troca de consultoria de conquista e viagem de duas semanas para algum país. Além do Brasil, houve edições na Costa Rica (em fevereiro de 2022), Colômbia (julho de 2022) e Filipinas (agosto de 2022). A próxima etapa será na Tailândia, em agosto.
O pacote com seis países, chamado de World Tour, sai por US$ 50 mil (cerca de R$ 262,7 mil), segundo o site do grupo.
“Venha explorar com David e Mike e conheça as mulheres brasileiras ao redor do mundo que são conhecidas por serem divertidas, curvilíneas e apaixonadas”, disse o anúncio da viagem ao Brasil.
Em um vídeo, a dupla exibe o kit a ser levado na bagagem: pílulas do dia seguinte, usadas para evitar gravidez em relações sexuais sem preservativo, camisinhas e perfumes com feromônios — que supostamente secretariam substâncias para chamar atenção das mulheres.
O Ministério do Turismo disse, em nota, que a prática é considerada crime e deve ser denunciada às autoridades competentes (delegacias, Ministério dos Direitos Humanos e conselhos tutelares se crianças).
O que dizem as mulheres
Festa realizada em mansão de São Paulo — Foto: Arquivo
A mulher que registrou o boletim de ocorrência disse ter visto vídeos publicados em que ela aparece com os alunos da “mentoria” de conquista. Foi o que a fez querer denunciar. Ela disse ter conhecido um rapaz no Tinder e sido convidada a jantar com “amigos” dele.
“Saímos algumas vezes até ele me convidar para o jantar, que me disse que seria com amigos deles. Foi normal [o jantar] e conversamos sobre assuntos tranquilos, até porque eu queria praticar o inglês. Ficavam filmando o tempo todo e eu tentava me esquivar porque não gosto que me filmem”, lembra.
No dia seguinte, a brasileira foi convidada pelo homem para a festa na mansão.
“Na festa tinha muitas mulheres e nem todas sabiam falar inglês. Havia funcionários, DJ, garçons. Uma das mulheres me disse que foi [à festa] por causa de um anúncio e aí achei estranho, porque ela disse que pagaram o transporte também. Eu achei que era algo mais reservado.”
A outra mulher que foi à festa na mansão também conheceu pelo Tinder o homem que a chamou. Ela disse que deu “match” com um americano e foi convidada para jantar. O rapaz disse que fazia parte de um grupo de negócios e a convidou para um primeiro encontro. Lá, afirmou, havia outras mulheres que estavam com os “amigos” dele. Ela não sabia, mas eram outros alunos do curso.
“Conheci outras meninas brasileiras lá e até gostei, porque eu não sei muito bem inglês. Era um restaurante muito chique, até exagerado. O rapaz que eu saí me tratou muito normal, bem de início, criando um vínculo. Tinha gente de vários países. Não me senti desconfortável naquele momento.”
Coaches dizem estar orgulhosos do grupo que esteve no Brasil — Foto: Reprodução
O encontro foi antes da festa. Dias depois, ela recebeu um convite para colocar dados pessoais e fazer parte da lista do evento.
“Não fiquei até o fim da festa. Interagi mais com a meninas que conheci no jantar, mas conheci uma menor de idade que disse que conhecia pessoas na organização. Disse que logo faria 18 anos, mas estava numa festa de comida e bebidas à vontade. Não vi ela ficando com ninguém, mas disse que se sentiu incomodada ao ter visto um casal fazendo sexo em um dos quartos.”
O que dizem os citados
Vídeo feito antes da viagem ao Brasil — Foto: Reprodução
Mike Pickupalpha, do site Millionaire Social Circle, falou com o g1 na noite de terça-feira (14). Perguntado por mais de uma vez se informava as mulheres de que a festa era aula prática do curso de conquista, não respondeu.
“Foi uma festa coorganizada com meus amigos brasileiros. Alguns trouxeram suas próprias namoradas. Uma festa com adultos que escolheram estar lá por livre e espontânea vontade. Comida, segurança e transporte adequado foram fornecidos.”
Perguntado sobre menores de idade no evento, o coach não negou, mas disse possivelmente haver câmeras de segurança no local. “No formulário de candidatura dissemos que era preciso ter mais de 18 anos e pedimos à segurança para fiscalizar e fiscalizar todos.”
Convite enviado para cadastro para a festa em São Paulo — Foto: Reprodução