Estacionamento é transformado em cinema de rua no Centro de SP; ‘Estamos fazendo o caminho contrário’, diz sócio
Inauguração do Cortina Cineclube, na próxima terça (26), marca o retorno dos cinemas de rua a uma região onde, no passado, eles eram a principal atração. Conhecida como Cinelândia paulistana, área chegou a ter 30 cinemas em operação nos anos 1960, mas muitos foram desativados e viraram estacionamentos.
Estacionamento que funcionava na Rua Araújo, no Centro de São Paulo, é transformado em cinema de rua; veja antes e depois — Foto: Fabio Tito/g1
Quem passa na rua imagina que mais um bar moderninho abriu no Centro de São Paulo. No entanto, uma rampa na entrada do imóvel na Rua Araújo conduz o visitante até o subsolo em que um novo inquilino se instalou: um cinema, onde antes havia um estacionamento.
A inauguração do Cortina Cineclube, na próxima terça-feira (26), marca o retorno dos cinemas de rua a uma região na qual, no passado, eles eram a principal atração. Em toda a cidade, este tipo de sala está em declínio: na Rua Augusta, um cinema que existe há quase 30 anos foi fechado para dar lugar a um novo prédio, por exemplo.
A área do centro onde o Cortina se instalou chegou a ser conhecida como a Cinelândia paulistana, pelo grande número de salas de cinema que abrigava nas décadas de 1930 a 1950. Com a deterioração da região, essas salas viraram igrejas, cinemas pornô e estacionamentos.
“Ao transformar um estacionamento em um cinema, estamos fazendo um movimento contrário do que tá acontecendo no Centro. Isso é muito gratificante”, avalia o sócio Marcelo Sarti.
“Rola essa inspiração de tentar trazer de volta um pouco dessa aura do cinema de rua aqui do Centro, que se perdeu. Essas iniciativas só contribuem para deixar o Centro mais legal, nesse movimento de retomada. É uma região que tem um problema de segurança supercomplicado, mas é esse tipo de iniciativa que dá mais tranquilidade para as pessoas circularem por aqui”, acredita Sarti.
A programação cinematográfica, que ficou a cargo da curadora Letícia Santinon, deve mudar a cada 15 dias e priorizar filmes que não estão em cartaz no circuito paulistano.
“A principal diferença da programação é não ter a obrigatoriedade de escolher filmes que estão em cartaz. A programação terá só um filme que está em cartaz: todos os outros são propostos de forma independente da lógica dos cinemas, que passam exclusivamente as novidades”, diz outro sócio, Paulo Vidiz.
A programação também vai incluir shows e festas, sempre às quintas e sextas – como os 80 assentos da sala são dobráveis, o espaço pode virar uma pista de dança. No andar superior, há ainda um bar com drinques elaborados pela mixologista argentina Chula Barmaid e cardápio assinado pelas chefs Daniela França Pinto e Fernanda Camargo.
A Cinelândia paulistana
Os sócios do Cortina Cineclube visitaram mais de 50 imóveis na cidade de São Paulo na busca por um endereço onde poderiam instalar o cinema que planejavam criar.
O imóvel escolhido na região da República foi o favorito, justamente, por ser um estacionamento, segundo Marcelo Sarti.
“A gente viu na mesma hora que tinha que ser aqui, principalmente por ser numa região do Centro que tem tudo a ver com o projeto, por ter sido ali a antiga Cinelândia, onde vários cinemas viraram estacionamentos ou igrejas evangélicas”, conta Sarti.
A região chegou a ter mais de 30 cinemas nos anos 1960, segundo um levantamento da Prefeitura de São Paulo. Os espaços, elegantes, ocupavam edifícios projetados por arquitetos internacionalmente conhecidos e construídos com acabamentos luxuosos.
Com o declínio do Centro, reforçado pela construção do Elevado Presidente Costa e Silva, o “Minhocão”, nos anos 1970, muitos mudaram de função e viraram bingos, igrejas evangélicas, estacionamentos ou passaram a exibir filmes pornográficos.
Um dos que resistiu por mais tempo foi o Cine Ipiranga, que exibiu filmes do circuito comercial até 2005. Projetado pelo arquiteto Rino Levi e inaugurado em 1943, o cinema ocupava o térreo de um prédio de 22 andares em que havia um hotel de luxo. Após ficar anos fechado, o espaço passou a ser usado para guardar carros.
Prédio do Hotel Excelsior que abrigava, no térreo, o Cine Ipiranga, na região central de São Paulo (SP) — Foto: Reprodução/Google Maps
Entre os que ainda funcionam na região está o Cine Marabá, construído em 1944 e adquirido pela rede Multiplex Playarte em 2009. O edifício, com paredes de mármore e lustres de cristal, é tombado pelo patrimônio histórico, segundo os critérios do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp).
Outras salas que continuaram em funcionamento passaram para o controle da prefeitura, caso do Cine Olido, inaugurado em 1957 e que funciona dentro da galeria de mesmo nome. No entanto, com a pandemia de Covid-19, a SPCine, agência municipal responsável pela gestão desses espaços, determinou o fechamento deles ao público.
Atualmente, embora as salas do circuito comercial tenham voltado a funcionar com 100% da capacidade, e sem uso obrigatório de máscaras, 80% das salas de cinema da Prefeitura de São Paulo seguem fechadas – inclusive o Cine Olido, de acordo com um levantamento do jornal “Folha de S.Paulo”.
Cinema Marabá, no centro de São Paulo — Foto: Rogério Galasse/Futura Press/Estadão Conteúdo
Programação mista
Além de contemplar filmes novos e antigos, a programação do Cortina Cineclube também deve incluir películas infantis, nas sessões de domingo, e festivais de curtas-metragens, sempre às terças-feiras.
A agenda quinzenal deve ser divulgada pelas redes sociais. Na semana de estreia, entre os dias 26 e 31 de julho, estão previstas sessões de “Cine Marrocos”, filme de 2018 que conta a história de refugiados e imigrantes que ocuparam o prédio de um antigo cinema da região, e de “A Viagem de Pedro”, estrelado por Cauã Reymond e com estreia no circuito comercial prevista para setembro.
O preço dos ingressos será apenas sugerido: o cliente pode pagar um valor maior ou menor do que a sugestão ao realizar a compra por meio da plataforma de venda online usada pelo Cortina. Os shows e as festas, no entanto, serão vendidos a preços fixos.
“Os ingressos para os filmes vão ser com lugar marcado, vendidos online pelo Sympla, e com preços sugeridos. A gente tem um custo de operação, e a gente vai convidar as pessoas a colaborar com um valor que cobre esse custo, mas a pessoa vai ter a possibilidade de contribuir com menos”, disse Sarti.
“Isso tem a ver com o fato de ser um cineclube, porque ele precisa ser acessível. A gente quer que seja um lugar plural e diverso”, explicou.
Fachada do Cortina Cineclube, no Centro de São Paulo, em julho de 2022 — Foto: Fábio Tito/g1
Fonte: G1