Escola denunciada por maus-tratos em SP funcionou 16 anos de forma irregular
A Secretaria Municipal da Educação deu autorização para o funcionamento da escolinha infantil apenas em novembro de 2016. Pela lei, as creches e escolas particulares de educação infantil são de responsabilidade do município e precisam de autorização para estarem abertas. Agora, a Diretoria Regional abriu um processo de apuração que pode resultar na cassação da autorização.
Vídeos mostram crianças amarradas em banheiro da escola infantil Colmeia Mágica, na Vila Formosa, na Zona Leste de São Paulo — Foto: Reprodução
A escola infantil Colmeia Mágica, na Zona Leste de São Paulo, alvo de denúncias de maus-tratos e tortura após a repercurssão de vídeos que mostram bebês amarrados, funcionou 16 anos de forma irregular.
Segundo uma nota das proprietárias do local divulgada nesta quarta-feira (16), a escola está aberta há 22 anos, mas somente em 2016 a Secretaria Municipal de Educação (SME) deu autorização para o funcionamento.
O local recebia crianças de maneira irregular e havia indícios de negligência.
Em 2010, uma bebê de três meses morreu no berçário, e, em 2014, uma mãe acusou a diretora de agredir seu filho de dois anos.
A Colmeia Mágica foi fundada em 2000 e tem como sócias Roberta Regina Rossi Serme, de 40 anos, e a irmã, Fernanda Carolina Rossi Serme, de 38 anos. A escolinha atende crianças de 0 a 5 anos, do berçário ao ensino infantil.
Pela lei, as creches e escolas particulares de educação infantil são de responsabilidade do município e precisam de autorização da pasta para funcionar. À Prefeitura cabe também a fiscalização desses estabelecimentos.
A unidade já havia sido investigada por maus-tratos em maio de 2010, quando uma menina de pouco mais de 3 meses de vida morreu após ter sofrido parada cardíaca no berçário. Na época, o laudo necroscópico apontou que a causa da morte foi “asfixia mecânica por agente físico”.
A polícia investigou o caso como “morte suspeita” e, segundo a mãe da bebê, o inquérito foi arquivado por “falta de provas”. Nesta semana, ela foi chamada para prestar depoimento novamente, após a escola virar palco de suspeitas de violência contra as crianças novamente.
Em 2014, outra mãe acusou a diretora, Roberta Serme, de agredir seu filho de 2 anos, que ficava na escolinha. As duas mulheres acabaram brigando, segundo a polícia. Já em 2017, uma adolescente de 14 anos acusou a mesma diretora por ameaça.
Segundo a Secretaria da Educação, nenhuma denúncia havia sido protocolada durante o período oficial de funcionamento da unidade, desde 2016, e agora a escola está fechada.
A Diretoria Regional de Educação abriu um processo de apuração que pode resultar na cassação da autorização de funcionamento da escola, que já foi notificada.
A Ouvidoria de Direitos Humanos também foi acionada para tomar providências e o Conselho Tutelar da região será avisado. A gestão municipal afirma que repudia “qualquer ato de violência dentro e fora do ambiente escolar”.
Donas afirmam que ‘acusações são incabíveis’
As donas da Colmeia Mágica disseram, em nota divulgada nesta quarta-feira (16), que as denúncias de pais de alunos e professores são “incabíveis, inverídicas e aterrorizantes”.
A escolinha é investigada desde a semana passada pelos crimes de maus-tratos, periclitação de vida, que é colocar a saúde das crianças em risco, e submissão delas a vexame ou constrangimento por causa de vídeos que circulam nas redes sociais e mostram maus-tratos a quatro alunos.
Em nota, as sócias da Colmeia Mágica informaram que “por medida de segurança, por seus representantes estarem recebendo ameaças de morte a todo instante, a Escola de Educação Infantil Colmeia Mágica ME suspendeu as atividades temporariamente”.
Disse ainda que “como família, porque é assim que a escola estabelece a relação com seus alunos e familiares, está em colaboração total com as investigações. Mais do que ninguém a instituição quer saber o propósito dessas acusações incabíveis, inverídicas e aterrorizantes em que foram expostas”. (veja a nota completa abaixo)
Duas professoras ouvidas pelo g1 afirmaram que eram orientadas pela diretora a amarrar as crianças em um banheiro para evitar que elas chorassem em sala de aula.
Segundo as professoras, a diretora alegava que queria manter uma “boa impressão no lugar”, alegando que “os choros poderiam ser ouvidos pelas pessoas que estivessem passando pela rua da escola ou os pais que estivessem visitando o local”, que poderiam imaginar que as crianças estariam sendo maltratadas de alguma maneira.
“Ela mesma levava para o banheiro, até brigava com os professores, questionando o motivo que a criança estava chorando ainda não tinha sido levada para o banheiro. Quando elas estavam chorando não podiam ficar em sala de aula, porque se alguém estivesse andando na rua e ouvisse a criança chorando ia imaginar que elas podiam estar sendo maltratadas. Ela queria dar a aparência de uma escola perfeita”.
Nesta semana, a Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (Cerco) da 8ª Delegacia Seccional, decidiu incluir a tortura após ouvir diversos depoimentos sobre como as crianças eram tratadas na Colmeia Mágica.
O g1 conversou com essas duas mães ouvidas pela investigação. Elas levaram ainda para a polícia fotos de seus filhos. Um dos meninos aparece com um machucado na testa e outro foi internado em um hospital após sentir falta de ar. Os dois ficaram assim depois de deixarem a escolinha.
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Menino ferido e outro doente
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“Na época eu até mandei mensagem para a diretora perguntando sobre o que tinha acontecido com ele, mas ela não me respondeu. No dia seguinte ela disse que não se recordava de nada, mas que ele podia ter batido em algum brinquedo, até porque, eles vão para a escola e estão sujeitos a se machucar”, disse a autônoma Laura Stramaro, de 34 anos, mãe de um menino de 2 anos.
Em maio de 2021, o filho dela chegou em casa com um hematoma perto da sobrancelha.
À época as duas mães acharam que os filhos tinham se machucado sozinhos, mas depois de assistirem aos vídeos que mostram seus filhos com os braços imobilizados, enrolados com panos, presos em cadeirinhas de bebê embaixo de uma pia e próximas a uma privada, elas passaram a acreditar que as crianças sofreram maus-tratos.
“Em novembro do ano passado a diretora e proprietária me ligou dizendo que meu filho estava com dificuldades para respirar. Depois ficou dois dias internado em um hospital para a saturação de oxigênio regularizar”, falou nesta terça-feira (15) a advogada Vitória Costa, 23, mãe de um bebê de 11 meses.
Professora teria filmado
Vídeos mostram crianças amarradas em banheiro de escola infantil na Zona Leste de SP
Mães de crianças, que tinham seus filhos matriculados na Colmeia Mágica, disseram ao g1 que Roberta convocou uma reunião de emergência com os pais na última sexta-feira (18), quando voltou a negar que tivesse cometido maus-tratos contra as crianças.
“A diretora disse que uma ex-funcionária descontente estava fotografando crianças em situação fora do contexto para prejudicar a escola”, falou a advogada Vitória Costa, de 23 anos, mãe de um menino de 11 meses. “Na reunião nenhum dos pais tinha visto o vídeo dos maus-tratos ainda. Saímos de lá então acreditando na versão dela”.
Essa ex-funcionária é uma professora, segundo os pais. Professoras ouvidas pela reportagem disseram que a própria diretora amarrava as crianças para elas ficarem quietas. Em outras oportunidades, segundo elas, Roberta obrigava as educadoras e outras funcionárias a fazerem isso.
A declaração de Roberta aos pais foi dada um dia depois de a polícia ter ido a Colmeia Mágica cumprir um mandado judicial de busca e apreensão. Foram recolhidos sete lençóis que teriam sido usados para amarrar os bebês que aparecem nos vídeos. Três celulares, incluídos o da diretora, acabaram apreendidos. Todos os objetos serão periciados.
A professora que teria tirado fotos e feito vídeos com as crianças amarradas já foi ouvida pela polícia. A reportagem não conseguiu apurar, porém, o que ela disse. A investigação ouviu a direção, professores e funcionários e está pegando depoimentos de pais para saber se alguém pode ser responsabilizado pelos maus-tratos contra os bebês.
Outros casos
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Em 2010, uma menina de pouco mais de 3 meses de vida morreu após ter sofrido parada cardíaca no berçário. A morte dela foi confirmada pelo hospital para onde a criança foi levada. A polícia investigou o caso como “morte suspeita”. Segundo a mãe da bebê, o inquérito foi arquivado.
Em 2014 uma mãe acusou a diretora de agredir seu filho de 2 anos, que ficava na escolinha. As duas mulheres acabaram brigando, segundo a polícia. E em 2017 teve um caso no qual uma adolescente de 14 anos acusava a diretora de ameaçá-la e xingá-la.
O g1 procurou a Secretaria da Segurança Pública (SSP) para atualizar os casos, mas a pasta não havia retornado os contatos.
Protestos
Pais de alunos protestaram na frente da Colmeia Mágica nesta terça (15) na Zona Leste de São Paulo — Foto: Reprodução/Redes sociais
Os portões da Colmeia Mágica chegaram a ser pichados com mensagens de protesto por causa dos vídeos com as crianças.
Durante a semana, a direção chegou a cobrir as pichações com tinta escura. Nesta terça-feira (15), no entanto, os pais voltaram a se manifestar em frente ao local levando cartazes para pedir “justiça”. A escola suspendeu as aulas nesta semana.
O que diz a escola
“A Escola de Educação Infantil Colmeia Mágica foi surpreendida com denúncias e divulgação em vídeo de maus-tratos a bebês. Há 22 anos a instituição trabalha com educação, sempre em parceria e comunicação com as famílias. Ao longo dessa jornada, a escola formou inúmeras crianças e com muito orgulho fez incontáveis amigos.
Na Escola de Educação Infantil Colmeia Mágica os nossos alunos sempre tiveram pleno desenvolvimento social e cognitivo, com toda a atenção e cuidado, prezando sempre pelo bem-estar social em um ambiente saudável e construtivo.
A escola, administrada e gerida por, ROBERTA e FERNANDA, que também são mães, compreendem a aflição dos familiares que tiveram as suas vidas e a de seus filhos expostas a essa situação que ressaltamos ser forjada para prejudicar a instituição.
A Escola de Educação Infantil Colmeia Mágica, assim que tomou ciência do vídeo, enviou um comunicado para todas as famílias. Com total transparência marcou uma reunião com os familiares a fim de esclarecer que as imagens foram feitas dentro da escola, mas em momento algum por ordem e nem aprovação ou conhecimento da direção.
Os representantes da escola foram surpreendidos e ressaltam que tratam-se de imagens feitas sem a anuência, sem consentimento e desconhecidas da pratica escolar. Na mesma reunião foi informado que essa irracionalidade de imagens feitas e divulgadas, nunca, em hipótese alguma, fez parte do dia-adia da instituição. São imagens forjadas que não condizem com a ética, confiabilidade e dedicação ao trabalho que realizam ao longo de mais de duas décadas.
Informamos, que em entrevistas concedidas à imprensa, existem pessoas desconhecidas do núcleo escolar. Além disso, pessoas ouvidas em reportagens, mães de poucos ex-alunos formados na escola, que no passado próximo possuem históricos de elogios e gratidão por parte dos serviços prestados tanto a criança como a família.
Também foi divulgada, nos meios de comunicação, a investigação arquivada sobre o falecimento de uma bebê nas dependências da escola. Esclarecemos que isso não é verídico. Sobre essa triste perda, em 2010, ressaltamos que a criança teve um mal subido em seu primeiro dia de aula, foi socorrida imediatamente para um pronto atendimento de referência da capital e infelizmente veio a falecer no hospital. À época a causa da morte foi “síndrome da morte súbita do lactente (SMSL)”, quando o bebê morre sem causa aparente, foi prestada assistência e apoio em todo momento aos familiares e cooperação nas investigações e o caso foi arquivado.
Informamos que, por medida de segurança, por seus representantes estarem recebendo ameaças de morte a todo instante, a Escola de Educação Infantil Colmeia Mágica ME suspendeu as atividades temporariamente. Como família, porque é assim que a escola estabelece a relação com seus alunos e familiares, está em colaboração total com as investigações. Mais do que ninguém a instituição quer saber o propósito dessas acusações incabíveis, inverídicas e aterrorizantes em que foram expostas.
A escola foi “condenada”, antes das averiguações policiais e das investigações cabíveis. Sem uma comprovação confiável está sendo acusada cruelmente e injustamente. A Escola de Educação Infantil Colmeia Mágica acredita, sobretudo, na justiça dos homens e fielmente na justiça de Deus. Até lá está à disposição para cooperar com todos os tramites judiciais para que seja esclarecido, na verdade absoluta, esse caso sem precedentes, que choca profundamente seus representantes, familiares e sociedade”.
Fonte: G1